19.1.09

Livro: Diálogos de Doutrina Anti-Democrática do Prof. Dr. António José de Brito

Uma excelente iniciativa das Edições Réquila: os Diálogos de Doutrina Anti-Democrática são reeditados trinta e quatro anos depois da sua primeira edição com a qual o autor tudo fez para ser preso pelos campeões da liberdade do Processo Revolucionário Em Curso.
Livro de compra (7 euros) e de leitura obrigatória onde são desmontados atráves de um pensamento lógico e coerente todos os dogmas democráticos!

«NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO

Os Diálogos de Doutrina Anti-democrática foram publicados, a minhas expensas, durante o animado período do PREC em que se procedeu, alegremente, à destruição de Portugal.
Era um livro de ideias e, por isso, não encontrou repercussão nenhuma no chamado público, muito preocupado com a oratória do incendiário mental Sr. Vasco Gonçalves, as ameaças do grande Sr. Otelo Saraiva de Carvalho, ou as inteligentes congeminações do resplandecente Sr. Melo Antunes, inspirador, ao que parece do Documento dos Nove, uma salada, altamente pitoresca, em cuja redacção, se disse, colaborou, também, a Ex.ª Sr.ª Dr.ª Maria de Lurdes Pintassilga.
Em plena manifestocracia, onde a preocupação era arrebanhar multidões para um lado ou para o outro a ver quem fazia barulho mais estrondoso e arrebanhava massas mais volumosas, as controvérsias de princípios não empolgavam ninguém. Assente, dogmaticamente, a intangibilidade de Abril e benemerência extraordinária do Movimento das Forças Armadas, composto por profissionais da guerra que acima de tudo não desejavam combater, as celebrações, as comemorações ocupavam o tempo todo. Quem queria dedicar alguns minutos, poucos que fossem, a pensar? Vivia-se numa agitação frenética que seria inteiramente cómica se não fosse interrompida por alguns episódios trágicos e o sangue não começasse a correr, com abundância nas províncias portuguesas de além-mar.
Tudo foi sossegando, os comunistas, satisfeitos, acomodaram-se, após terem conseguido desmembrar a nossa pátria, conforme era do interesse da pátria deles – a U.R.S.S.
Cunhal achou que gramara, na vida, maçadas suficientes (já no 28 de Setembro, prudentemente, recolhera à embaixada de Cuba, não fosse o diabo tecê-las) e os soviéticos não estiveram para arriscar uma guerra só para possuírem, num cantinho da Península Ibérica, um satelitezinho abjecto.
Assim, o Evangelho de S. Marx, ao invés do que eu temia, não passou a ser lei divina no ex-Portugal.
Nos meus Diálogos de Doutrina Anti-democrática dediquei um Prólogo, aos eventos pós abrilinos, até ao Verão quente de 1975 (data da sua aparição). Esse Prólogo perdeu, evidentemente, bastante da sua actualidade. Conservo-o, no entanto, porque mantém um valor histórico e nele se transcrevem alguns textos, preciosos, que testemunham a falta de vergonha e sobretudo de palavra, de alguns grands seigneurs ainda hoje celebrados, da denominada revolução dos cravos, baptizada por Bissaia Barreto (que nada tinha de fascista), com felicidade, de rebentamento de um cano de esgoto.
Não sendo dominante o Evangelho de S. Marx, um outro recebe a adoração da generalidade dos habitantes do rectângulo. É o Evangelho democrático. Quem o não perfilha é excomungado e, mais ou menos, marginalizado. A democracia assumiu foros de religião. E não se pense que é uma religião que não faz uso do braço secular. Sem dúvida, proclama tal uso uma selvajaria, só própria de eras ainda não iluminadas pelo esplendor da nossa civilização – a civilização da bomba atómica. Porém o que ela diz é uma coisa, outra é o que faz. A democracia condena as fogueiras da Inquisição, mas aprova as fogueiras de Dresden, Hamburgo, Colónia, etc. Acha as cruzadas uma coisa indigna e um papa (democrata claro) pede desculpa pelas mesmas embora não tenha uma palavra de censura para o que o Sr. Eisenhower, inteiramente insuspeito na matéria, baptizou de Cruzade in Europe. E assim por diante. Escandalizam-se com a Gestapo, a Ovra, a Pide, e simultaneamente atribuem às suas polícias métodos e poderes semelhantes. Lembremos só num exemplo brevíssimo o que se passa no Iraque e em Guantánamo.
Em resumo a democracia berra contra a violência na altura exacta em que a emprega.
Claro que tomamos, aqui, democracia não como simples forma de governo mas como uma concepção axiológica. De resto uma e outra estão interligadas. O governo do povo pelo povo implica, obviamente, que os homens tenham liberdade de formar partidos e agrupamentos isto é, sejam dotados de liberdade de reunião. E, para formarem livremente os seus partidos ou agrupamentos, é indispensável que circulem sem obstáculos os ideais ou doutrinas, em volta dos quais aqueles se aglomerem – logo é indispensável a livre expressão do pensamento.
Qual o fundamento porém de tais liberdades? Obviamente, a imensa dignidade dos seus titulares, os homens, as pessoas humanas. Cada homem, cada pessoa humana será uma espécie de deusinho intangível e autónomo (claro que com excepção dumas pessoas humanas chamadas fascistas que, nem vale a pena discuti-lo, não têm obviamente a dignidade inerente a todas as pessoas humanas).
Torna-se patente que tais deusinhos não podem ser governados senão por si próprios e voltamos ao começo, à democracia enquanto regime.
Quer dizer, o regime exige uma certa axiologia e, por seu turno, a axiologia postula o regime.
Por outras palavras, a democracia implica a ética filosófica personalista e a ética filosófica personalista tem a concretização na soberania popular. Implicação recíproca que significa igualdade.
Designaremos pois pelo termo único de democracia o que envolve, a um tempo, a fundamentação ética e a sua expressão política.
Da democracia expusemos nesta obrinha as intrínsecas contradições e ilogismos. Com toda a humildade utilizamos a forma dialogal, seguida por grandes mestres, como Platão, Giordano Bruno, Schelling e outros a que estamos a anos-luz de distância.
A propósito do final dos Diálogos quero traçar, agora, com muita, muita brevidade, alguns esclarecimentos.
Podia objectar-se que se a democracia é absurda não existiria (tal como o círculo quadrado). E então para quê combater a democracia? Eu respondo, nos Diálogos, que há que distinguir entre o absurdo deontológico mas que envolve sempre uma certa realidade e o absurdo ontológico.
A distinção não me satisfaz agora. Não irei, aqui, proceder a uma larga digressão filosófica. Direi, apenas, que a realidade intencional do absurdo, ético ou não, está sempre presente conforme ensina Husserl. Simplesmente trata-se de uma intenção que não consegue, jamais, preenchimento. Assim há quem procure efectivar o círculo quadrado ou o ferro de madeira, mas jamais o conseguirá.
Análoga coisa se passa com a democracia. Só que em grau muito maior. Procurar dar ser objectivo e concreto à democracia, é impossível, mas conduz à hipocrisia manifesta ou à aberta tontice e tolice. Um exemplo: “liberdade para todos” prega-se como norma, norma que existe, existe em palavras com as seguintes consequências: ou a liberdade para todos é verdadeiramente para todos autoaniquilando-se ao considerar legítima a liberdade dos inimigos da liberdade e logo a liberdade de destruir esta última e estamos perante um grosseiro paralogismo; ou a liberdade para todos é sinónimo de liberdade apenas para os que forem partidários da liberdade e eis-nos, aos gritos de liberdade para todos, a conceder apenas a liberdade para uns tantos numa clara manifestação de tartufismo.
Idêntica coisa se passa com outros lemas democráticos cujo conjunto forma a democracia que não se pode dizer que não existe. Existe enquanto intencionalidade mental que nunca pode ser preenchida por qualquer objecto. É o que mais ou menos ensina Husserl relativamente ao círculo quadrado. As tentativas de dar efectividade ao círculo quadrado (ou ferro de madeira) falham sempre, mas estão aí enquanto tentativas, fazendo desorientar as mentes ou servindo de pretexto para tirar proveitos explorando os ingénuos que lhes dão crédito.
O estado de espírito democrático decerto existe mas numa existência que oscila entre a má fé e a inconsciência.
Em resumo: diz-se que não é preciso combater a democracia porque a democracia não existe. Responda-se: a democracia existe com a existência sui generis do erro e da contradição que se pretendem apresentar como verdade e que nessa medida precisam de ser desmascarados.
Aí fica o esclarecimento-rectificação. É óbvio que me mantenho imutavelmente fiel ao meu anti-democratismo de sempre. Não digo como alguns imbecis dizem do nacional-socialismo (perdoai-lhes senhor porque não sabem o que dizem) que é o mal absoluto, mas que a democracia é uma série de disparates e ilogismos. Lá isso é: disparates e ilogismos de que se aproveitam os grandes espertalhões da política para explorar a multidão dos tolos e ingénuos.
Este livrinho é uma voz clamando no deserto. Que alguns a escutem e já morro satisfeito.

António José de Brito»

4 comentários:

Marcos Pinho de Escobar disse...

Grato pela transcrição do prefácio. Uma grande notícia.
Abr.

Anónimo disse...

Caro Nonas,

O Professor António José de Brito chegou a ser preso na altura?

Cumprimentos,

António Sousa

nonas disse...

Não chegou a ser preso para deshonra dele. Quer ele quer um grande seu amigo, o Dr. Caetano de Melo Beirão foram dos poucos que ficaram em Portugal e que não foram presos apesar de ter sido chamado a prestar declarações.
Por outro lado, ainda bem que não o foi porque foi um dos elos da resistência anti-comunista no norte do país durante o PREC.

Vítor Ramalho disse...

O meu exemplar já chegou.