29.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - XI

«... Para a Democracia, a Soberania está na massa popular, e não em toda, mas na maioria numérica. (...) A Democracia é a força do Número, o culto da Quantidade, o predomínio do Anónimo. Abre-se uma urna; entram nela mil vontades pessoais. Operou-se uma transformação monstruosa, e surge o poder de n+1 opiniões irresponsáveis, individualizáveis ou impersonalizáveis. Está feita a Democracia. O eleitor tem o seu nome inscrito no caderno eleitoral: deixa o seu voto, e, perde automaticamente o nome: o voto deixa de ser de quem é. O Povo passa a ser o n+1 dos votos; a quantidade bruta e anónima; a força irresponsável e cega. É nesse n+1 anónimo e irresponsável, que reside a Soberania nacional; é desse n+1 irresponsável e anónimo, que emana o Direito; é esse n+1 anónimo e irresponsável, o instrumento legal da Vontade nacional!
Esse n+1, às vezes, não é simples; formam-no fracções de que ele é a soma. Então é a Democracia elevada às suas consequências extremas: é o Capharnaum.»(1)
«...Averiguado que os inferiores são em maior número, as decisões das massas eleitorais são obra dos inferiores. Daqui, não há que sair. Dêem as voltas que quiserem, cozinhem o caldo como quiserem, chamem-lhes os nomes que quiserem — que a conclusão são os regimes das inferioridade, governos electivos são os governos dos inferiores.
Só por acaso, por uma aberração escandalosa, esses regimes e esses governos conseguem libertar-se da manobra da sua origem. Que representam os resultados das eleições francesas? Representam tanto como o facto de uma bola de roleta sair no preto em vez de sair no branco. Um estado de opinião? Uma tendência de vontade nacional? Uma aspiração doutrinária? Uma oposição a qualquer política anterior? Não digamos dislates. Deixemo-los aos ocos e aos palavrosos. As eleições não significam nada. Deram a vitória às esquerdas, como podiam ter dado às direitas. Porque a confusão no campo católico foi enorme. E votaram desconhecidos. Lá como cá, cá como lá, a burla, sempre a burla. E sem os votos dos mortos, e dos ausentes e dos ignorados, a burla não era menor, porque digam-me, senhores, que sabem as massas eleitorais dos problemas políticos da Nação? Que sabem os exércitos, dos problemas complicados do Estado Maior, senhores? É o generalíssimo eleito pelos soldados? É o Estado Maior eleito soldados? É o sábio eleito pelos aprendizes? É o professor eleito pelos assistentes?
Para que persistimos, para que teimamos na obediência à mais perigosa e escandalosa mistificação da vida política dos povos? Para que atribuímos virtude ao que é incompatível com a virtude, para que damos valor ao que com o valor é incompatível?
O meu voto representa a minha opinião? Quantos nomes vão na lista que eu voto, que eu conheço, em que confio, que efectivamente pensam como eu penso? Ah! Senhores! Digam-me, com a mão na consciência, até onde tem chegado a consciência do seu voto?
Votem de chapa! — dizem os partidos. Votar de chapa quer dizer de olhos fechados, quer dizer votar às cegas, quer dizer votar sem discutir, quer dizer votar sem opinião e sem consciência! Votam sistematicamente de chapa os pobres de espírito, os fracos de espírito, os fracos de espírito, os homens sem critério. Tenho votado, algumas vezes, na minha vida. Nunca votei de chapa!
Não há, não pode haver eleições honestas, em parte alguma do mundo. Pode haver e há leis eleitorais mais sérias ou menos sérias. Mas a eleição é sempre uma burla. Porque repoisa na mentira: o poder omnisciente do Número. O Número não é omnisciente: é omni-ignorante. Se a mentalidade duma assembleia de homens de génio é inferior à mentalidade de cada um desses homens, — o que não será a mentalidade duma assembleia de homens de inteligência variadas, mas em que predominam, como é natural, as inteligências medíocres, e abaixo disso!
Por isso, tendo seguido com curiosidade os preparativos eleitorais, desinteressei-me por completo do resultado das eleições.
Porque perante os programas eleitorais, a França inteira só tinha uma lista conveniente, bem francesa, bem nacional: a da Action Française — em Paris e um ou outro ponto. Todas as outras representam abdicações perante a Desordem, perante a Irreligião, perante o Inimigo. Mas as massas eleitorais percebem tanto disso como eu de lagares de azeite. E votaram nos que mais habilmente as ludibriaram.
Cá no nosso Portugal, o preconceito eleitoral está muito entranhado nos políticos. Há político que morre se lhe tiram a eleiçãozinha. É nas eleições que ele se revela, e é pelas habilidades eleitorais que se valoriza. Pode ser que ele e os meus congéneres estejam na verdade. O seu espírito está cada vez mais afastado dessa verdade triste.»(2)

Notas:
(1) - In Três Verdades Vencidas: Deus - Pátria - Rei», p. 28, Org. Bloco, Lda., 1949.
(2) - In À Margem das Eleições Francesas, in «A Época», n.º 1735, p. 1, 18.05.1924.

28.9.10

Norman Finkelstein em Portugal: Lisboa, Porto e Coimbra

O programa de conferências:
Em Lisboa, dia 29 de Setembro às 18h30 no Auditório da Escola Secundário Luís de Camões: uma conferência com o título “The repercussions of Israel’s Cast Lead Operation for the future of its occupation of the Palestinian territories".
No Porto, dia 30 de Setembro às 18h00 na Cooperativa Árvore: uma conferência com o título “The repercussions of Israel’s Cast Lead Operation for the future of its occupation of the Palestinian territories".
No Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, dia 1 de Outubro às 11h00: uma conferência com o título “Myths and Realities of the Israel-Palestinian conflict”.

Os promotores das conferências são a Comissão Nacional de Apoio ao Tribunal Russell para a Palestina, o Centro de Estudos Sociais, o Grupo de Acção Palestina, o Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, o Sindicato dos Professores do Norte e a Fundação Mário Soares e a Cooperativa Árvore.

Uma nota biográfica sobre Norman Finkelstein:
Internacionalmente conhecido, Norman Finkelsten é um estudioso de temas que dizem respeito ao Sionismo, a Palestina e a ocupação israelita dos territórios palestinianos. É autor de vários artigos e livros com muito interesse nesse campo e é conferencista activo a favor dos direitos políticos e humanos do povo palestiniano e contra a ocupação israelita.
Judeu americano, filho de sobreviventes do Holocausto, Finkelstein aplica um humanismo universalista radical e consistente à sua crítica da ocupação israelita.
A sua crítica implacável da ocupação e dos seus apologistas tem-lhe custado muito, tendo a recusa da DePaul University em conceder-lhe tenure sido o resultado de intervenções sem precedentes e pressões notórias de lobbyistas sionistas (nomeadamente Alan Dershowitz).
A vida e o trabalho do Finkelstein foram objecto de um documentário recente com o título “American Radical”. (
http://www.youtube.com/watch?v=gpCypn2YXKY)
O seu livro mais recente, This Time We Went Too Far: Truth and Consequences of the Gaza Invasion (OR Books, New York, 2010 -
http://www.orbooks.com/our-books/thistime/) é uma análise crítica do massacre perpetrado por Israel em Gaza de Dezembro 2008-Janeiro 2009 com a Operação Chumbo Fundido. O seu livro The Holocaust Industry (A Indústria do Holocausto, foi editado em Portugal pela Edições Antígona, 2001) analisa criticamente as várias formas de aproveitamento oportunista da realidade do Holocausto pelo Estado de Israel e os seus apologistas para encobrir os crimes cometidos pela ocupação aos palestinianos.
Para mais, podem ver o seu website em
http://www.normanfinkelstein.com/

Roger Nimier (31.10.1925 – 28.09.1962)

27.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - X

«Poucos têm insistido tanto, entre nós, em criticar a Democracia, por ela se basear no Número, como eu.
Sempre que posso, isto é, sempre que tenho pretexto para tal, chamo a atenção dos espíritos reflectidos para a absoluta sem razão que existe numa Doutrina que faz depender a verdade da opinião da maioria. E digo que a verdade é independente do número dos que a professam, podendo estar na minoria, estando, mesmo, por via da regra, fora da maioria. É que não podendo ela ser, e não devendo ser resultante da inteligência média que aliás é uma quimera, mas sim das inteligências superiores, e não sendo estas nunca, em grande número, nos meios sociais, evidentemente que ou ela sai do reduzido grupo das inteligências superiores, e não é, portanto, obra da maioria, ou sai desta, por maioria ser, e representa a cooperação das inteligências inferiores.
Nas Democracias, porque o Número é a ultima ratio, acontece que a direcção da sua vida e a solução dos seus problemas cabem ao Anonimato, à Irresponsabilidade, porque o Número, por definição, é anónimo, e, portanto, irresponsável.
Exemplos de todos os dias, para não dizer de todas as horas, mostram os inconvenientes da Democracia, e, consequentemente, deste critério. As massas, ou por outra palavra, a inteligência mediana em que são absorvidas as inteligências individuais, nem é capaz de reflexão, nem é competente para estudar e prever. As massas são instintivas, caprichosas, flutuantes, inconsequentes, à mercê dum nada que surge, não se sabe de donde, e as conduz e domina. A sua obra é fatalmente deficiente, inferior.
De resto, basta que o leitor faça esta pequena observação: se o Número é o critério da verdade, a verdade, não existe, porque o Número desloca-se muito facilmente dum prato da balança para o outro. E se o cálculo, hoje, dá, um determinado resultado, nada garante que amanhã, feito noutras circunstâncias, não conduza a resultados opostos. Mas se a verdade não existe, como consequência do seu critério estar no Número, e se este é a base doutrinária da Democracia - a Democracia é um mito, uma mentira, como tantas vezes tenho afirmado. Pelo que concluo que, por um lado, pelo meu, ou por outro, a Democracia é insustentável!»(1)



Notas:
(1) - In Novos Estudos Filosóficos e Críticos, pp. 169/170, Imprensa Nacional, 1935.

25.9.10

Assumimos o Compromisso e reunimos a nossa Primeira Assembleia Geral

Em Lisboa, no Sábado passado, dia 18 de Setembro, durante uma reunião geral dos primeiros Voluntários e Associados do M.O.N. foram considerados alguns objectivos essenciais, métodos de acção e organização das iniciativas a desenvolver para ajudara levantar a Oposição Nacional em todo o país, de uma forma congregadora e efectiva. É fundamental reunir os esforços e a colaboração de todas organizações e núcleos de Nacionalistas, Patriotas Livres e o maior número possível de portugueses conscientes independentes de qualquer alinhamento partidário - foi este o espírito e a preocupação que dominou.
A reunião foi muito participada e concorrida. Um dos pontos foi o preenchimento dos Corpos Sociais da Associação, o que dizendo respeito directamente aos fundadores formais foi feito de uma forma aberta e transparente, com sentido prático. Na realidade, o Grupo de Fundadores ultrapassa muito o núcleo de 12 elementos que constituiram a Comissão instaladora e só o entusiasmo e a colaboração activa dos Voluntários permitiu concretizar com o sucesso desejado as primeiras actividades públicas do Movimento.
Acima de quaisquer convicções particulares ou sectárias foi iniciado o caminho da superação dos problemas que têm impedido a vivência de um Combate Nacional integral, Cultural e Político. Assumir Portugal, a defesa da Identidade Portuguesa, dos Valores que nos fizeram e da permanência do nosso Estado Nacional como grandes objectivos do Movimento de Oposição Nacional.

A Direcção Nacional do M.O.N.

Hans Günther (16.02.1891 – 25.09.1968)

24.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - IX

«... A Democracia... Que é a Democracia? É a Ditadura da Estupidez. A Democracia é o leito de Procusta dos talentos e das sensibilidades. E quando ultrapassa a sua missão de niveladora, e se dá o capricho de criar uma élite - cria a élite dos inferiores, a Aristocracia negativa, a Nobreza do Estúpido.
Digo isto, sem propósito algum de achincalhamento.
Vejamos. A Democracia é o governo do maior número. Logo, é o governo do Número. É o regime electivo aplicado a todas as manifestações da vida social. A Democracia integral é o ponto final da sua curva evolutiva: será a catástrofe. Quem escolhe? É a massa, a grande massa anónima. É a selecção operada de baixo para cima. São os pés a escolher a cabeça. É a turba dos Jovens Fernandes a escolher a César. Asneira. É a populaça pacóvia ou corrupta a eleger Goethe? Pode ser? Não pode ser. O número é cego. O número não vê. O Número não divisa estrelas: chafurda na noite da sua ignomínia.
Que há a fazer? Sujeitar o Pensamento de um Aristóteles à cegueira do Número, ou decompor este de tal maneira que a luz possa penetrá-lo? No primeiro caso é a Democracia; no segundo caso é estabelecer um regime político orgânico e são. Quando digo que a Democracia é a Ditadura da Estupidez, não quero afirmar que sejam estúpidos todos os que entram nela. Toda a gente tem qualidades a aproveitar. Todo o indivíduo tem aspectos que legitimamente o aristocratizam. A Democracia, essa, só valoriza as más qualidades do homem e afaga as suas boas qualidades sob a vaga do Número. A Verdade - mesmo a verdade relativa que o critério pragmático defende - não é uma função aritmética. O Número não é o Génio. Milhões de sensibilidades amalgamadas, somadas, interpenetradas, não são capazes de ser um esboço de Miguel Ângelo; milhões de milhões de inteligências somadas e postas no prato de uma balança não fazem erguer o outro em que esteja o génio de Newton. Podemos dizer que a História dos Povos se divide em dois grandes períodos: o anti-democrático e o democrático. Comparem-se os dois, e pelo espectáculo que eles oferecem avalia-se o que é a Democracia.»(1)
Nota:
(1)- In A Democracia, in «Ideia Nacional», n.º 14 de 14.04.1927. Ano I.

22.9.10

Público: A I República e os judeus. A conquista da cidadania



«O decreto de expulsão de 1496, seguido do baptismo forçado do ano seguinte, decretados por D. Manuel I, veio interromper abruptamente o florescimento das comunidades judaicas em Portugal. O estabelecimento da Inquisição, em 1536, acabaria com o anterior período de tolerância e destruiria paulatinamente as comunidades judaicas. Os primeiros passos em direcção à emancipação dos judeus foram dados pela legislação pombalina, no reinado de D. José I, particularmente através da Carta de Lei de 25/5/1773, com a muito simbólica abolição da distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos, isto é, o fim da discriminação judaica.
O processo de emancipação dos judeus portugueses foi prosseguido pelo Parlamento liberal que, em 31/3/1821, extinguiu definitivamente a Inquisição: "As Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, considerando que a existência do Tribunal da Inquisição é incompatível com os princípios adoptados nas bases da Constituição, decretam o seguinte: 1.º - O Conselho Geral do Santo Ofício, as Inquisições, os Juízos do Fisco e todas as suas dependências ficam abolidas no Reino de Portugal."
Foi um novo ciclo para a vida judaica que se abriu em Portugal, porquanto já se estavam a organizar novas comunidades desde o início desse século, particularmente em Lisboa, Faro e Açores. Contudo, o liberalismo nunca transformaria em lei a existência real do judaísmo português, antes contornou pontualmente as situações, num consentimento tácito, de acordo com a Constituição de 1822: "A Religião da Nação Portuguesa é a Católica Apostólica Romana. Permite-se contudo aos estrangeiros o exercício particular dos seus respectivos cultos." A Carta Constitucional de 1826 fazia-lhe uma pequena alteração: "A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Reino. Todas as outras religiões serão permitidas aos estrangeiros com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo." Assim se explica que a Comunidade Israelita de Lisboa tenha sido tratada por "colónia inglesa" e a sua sinagoga Shaaré Tikvá ("Portas da Esperança") tenha nascido, vergonhosamente escondida do público, num quintal da Rua de Alexandre Herculano em Lisboa, em 1904, sem fachada para a via pública, como a lei impunha.

A República legaliza os judeus

Foi, de facto, a Primeira República que criou as condições para a legalização das comunidades judaicas. A Lei da Separação, publicada em 20/4/1911, era muito clara quanto à intenção do regime republicano em matéria de liberdade religiosa: "Artigo 2.º: A partir da publicação do presente decreto, com força de lei, a religião católica apostólica romana deixa de ser a religião do Estado e todas as igrejas ou confissões religiosas são igualmente autorizadas, como legítimas agremiações particulares, desde que não ofendam a moral pública nem os princípios do direito político português. Artigo 8.º: É também livre o culto público de qualquer religião nas casas para isso destinadas, que podem sempre tomar forma exterior de templo; mas deve subordinar-se, no interesse da ordem pública e da liberdade e segurança dos cidadãos, às condições legais do exercício dos direitos de reunião e associação e, especialmente, às contidas no presente decreto com força de lei."
Finalmente, os judeus podiam surgir à luz do dia sem receios de perseguições, praticar livremente o seu culto, abrir as portas da sinagoga de Lisboa e pensar em construir novas sinagogas, agora com fachada para a via pública.
A Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) obteria a sua legalização a 9 de Maio de 1912, através de um alvará do Governo Civil de Lisboa. Como o regime republicano facilitava a reorganização da CIL, foram criadas várias instituições: o Boletim (1912); a Associação de Estudos Hebraicos Ubá-le-Sion (1912), organização cultural sionista; a Biblioteca Israelita (1914); o Albergue Israelita (1916), antecessor do Hospital Israelita; a Federação Sionista de Portugal (1920); a associação Malakah Sionith (1915), fundada por Barros Basto no Porto; a Escola Israelita (1922), obra de Adolfo Benarus; o Hehaver (1925), organização juvenil sionista, que desempenharia importante acção de apoio aos refugiados durante a 2.ª Guerra Mundial.
A República também veio criar condições favoráveis à descoberta do fenómeno criptojudaico nas Beiras e Trás-os-Montes. Foi o judeu polaco e engenheiro de minas Samuel Schwarz, contratado em 1915 para vir trabalhar em Portugal, quem desencadeou a chamada "Obra do Resgate", dirigida, a partir de 1926, pelo capitão Barros Basto, republicano "dos quatro costados", o responsável pelo ressurgimento e legalização da Comunidade Israelita do Porto em 1923, a construção da sinagoga Mekor Haim ("Fonte da Vida"), inaugurada em 1938 e a fundação de várias comunidades judaicas (27 entre 1924 e 1934).
Algumas figuras judaicas contemporâneas destacar-se-iam na vida pública do país durante a I República. Alfredo Bensaúde é um dos mais notáveis exemplos, ao ser convidado pelo ministro Brito Camacho, em 1911, para a criação do Instituto Superior Técnico, de que seria o seu primeiro director. Outro grande nome da Comunidade Israelita de Lisboa foi Joshua Benoliel, o introdutor e grande impulsionador da reportagem fotográfica em Portugal, tendo acompanhado os últimos anos da monarquia e os primeiros da República, que ficaram documentados em jornais e revistas. Quando se queria saber o que estava a acontecer no país, perguntava-se: "Onde está o Benoliel?", tal era a sua atenção aos acontecimentos. Só falhou o regicídio, porque já estava devidamente posicionado, com o seu equipamento fotográfico, junto ao Palácio das Necessidades, para receber e fotografar a família real. Assim se explica que não haja uma única foto desse episódio: o Benoliel não estava lá!...

Uma pátria judaica em Angola

A República surgiu num período de grande agitação judaica mundial para a edificação de uma pátria para os judeus, vítimas de perseguições na Europa Oriental e de massacres, sobretudo na Rússia a partir de finais do século XIX. Portugal atravessou-se no caminho dos sionistas. O projecto de colonização judaica de Angola, discutido pelas autoridades republicanas portuguesas, chegou a ser uma possibilidade real. Foi o desconhecido deputado Manuel Bravo quem apresentou o projecto ao Parlamento, a 1 de Fevereiro de 1912, apontando para a colonização judaica do planalto de Benguela, em Angola. O deputado por Benguela, Caetano Gonçalves, ex-governador interino de Angola após a proclamação da República, proferiu um discurso notável: "Dir-se-á (...) que o judeu, comerciante e avarento, não contribui, com a sua fortuna e o seu trabalho, para o bem público. Não é exacto. Na Rússia, o judeu é principalmente trabalhador rural. Mas se por esse facto houvesse o risco de, ao cabo, certamente, de muitas dezenas de anos, a província de Angola proclamar a sua independência, Portugal pouco perderia e ganhariam imenso a humanidade e a civilização. Nós precisamos ser do nosso tempo. E o mundo não é monopólio de ninguém."
Por razões de ordem constitucional, o projecto deveria ser aprovado também pelo Senado e só em Maio de 1913 começaria a ser discutido. Em cima da mesa estavam os pareceres favoráveis das Comissões das Colónias e das Finanças. O senador Nunes da Mata expôs o seu inequívoco parecer: "Sob o ponto de vista do progresso e da riqueza da colónia, o resultado deve ser seguro, tendo em consideração os dotes de energia no trabalho e espírito de economia dos israelitas. Além da vantagem que deve resultar para a província de Angola, a proposta de lei representa um acto de justiça e de reparação para com uma raça que em todos os tempos tão perseguida tem sido e cuja expulsão em massa, em Dezembro de 1496, do território de Portugal, por D. Manuel I e depois de 1532 por D. João III, pela acção maléfica da Inquisição, o trágico morticínio nas ruas e praças de Lisboa em Abril de 1506, (...) constituem as nódoas mais negras de toda a história pátria. Esse êxodo dos israelitas, que foram levar as suas riquezas e actividades para Bélgica, Holanda, Itália e Grécia, e outros países, foi uma das causas principais da nossa decadência a partir do reinado de D. Manuel I. (...) Por conseguinte, se o Senado der o seu voto à proposta de lei, presta um bom serviço, e pratica um acto de reparação para com muitos descendentes dos israelitas que foram vítimas das crueldades dos nossos antepassados".
É a todos os títulos notável este "acto reparador" da expulsão quatrocentista dos judeus portugueses e das infamantes perseguições de Quinhentos em diante. Findo o debate, o projecto seria aprovado pelo Senado a 29 de Junho de 1913. Faltava o último passo legal: a aprovação conjunta das duas câmaras - Deputados e Senado -, como a Constituição exigia. Essa obrigação nunca seria concretizada. As proféticas palavras do deputado José Barbosa, uma semana antes da aprovação do projecto no Parlamento português, cumpriam-se: "A Pátria israelita, com que sonha o sionismo, não se reconstitui senão na Palestina; fora dessa região, não há meio de os Israelitas aceitarem a ideia de reconstituírem a sua Pátria". Assim seria, de facto.

A representação do judeu durante a República

O regime liberal, para além de ter imposto a extinção da Inquisição, foi responsável por uma nova visão social do judeu. Ao invés de bode expiatório de todos os males, herança medieval invocada até ao tempo de Pombal, o judeu passou a ser visto como vítima. A literatura legou-nos vários exemplos de romance, poesia, teatro e ensaio, que demonstram uma atitude meio piedosa, meio paternalista em relação ao judeu. Era a tentativa de sublimação dos mais de três séculos de intolerância antijudaica.
Contudo, Portugal, que não reconhecia a existência da sua comunidade judaica, preferia efabular. A revista O Ocidente publicou, em 1878, uma gravura sobre desenho do pintor Columbano Bordalo Pinheiro, intitulada O Judeu Vendilhão. O texto explicativo dessa gravura não deixa muitas dúvidas de como a representação do judeu terá chegado à generalidade da população portuguesa nas vésperas da República: "Disperso pelo mundo, o povo de Israel procurou remir-se da pena cruel imposta à sua raça, pela actividade industrial e pelo esforço constante no trabalho. De povo maldito fez-se tribo comerciante, sendo-lhe assim possível, em muitas ocasiões, vingar-se nos contemporâneos da crueldade dos antigos opressores. (...) O Judeu Vendilhão, com quem o leitor depara hoje nas colunas do Ocidente, é decerto muito seu conhecido. Aquele tipo de finura é proverbial nessa raça activa e inteligente, e como estudo de figura colhida do natural em flagrante delito de impor a sua mercadoria aos pés, ao estômago e à crença dos cristãos, honra o lápis de Columbano Bordalo Pinheiro."
De acordo com esta visão finissecular, todos os judeus seriam comerciantes ou agiotas sôfregos de empréstimos a juros altíssimos. Ora, essa representação, embora ainda persistente na aurora do século XX, não encontrava correspondência com a realidade coeva. As notícias sobre os judeus durante a República referem-se predominantemente às áreas da cultura e da sociedade. São os cantores líricos, os músicos, os pintores, os actores, os escritores, os professores, os médicos: Joshua Benoliel, repórter fotográfico; Maurício Bensaúde, barítono; Adolfo Benarus, pintor e professor da Escola Industrial; Alfredo Bensaúde, fundador e director do Instituto Superior Técnico; Jaime Athias, secretário do presidente da República Canto e Castro; Levy Bensabat, secretário do presidente da República Teófilo Braga.
Subitamente, descobriram-se judeus na sociedade portuguesa. Afinal, existiam e tinham vida pública, não se escondiam na sinagoga como seres exóticos e marginais, tinham nomes e rosto e não revelavam nenhuma semelhança com o mítico "judeu vendilhão".

O anti-semitismo contra a República e os judeus


O moderno anti-semitismo também teve expressão em Portugal. Se essa corrente europeia, intolerante e racista, praticamente não se manifestou no nosso país entre meados do século XVIII e a primeira década do século XX, ao contrário do que acontecera particularmente na Alemanha, na Rússia e em França, o mesmo não podemos dizer para o período da I República, em que deram à estampa livros, libelos e artigos de opinião, sobretudo oriundos de correntes nacionalistas e integralistas, uma literatura apologética anti-semita, que acompanhou, à sua maneira, a onda racista europeia e a tentação, se não exterminadora, pelo menos expurgadora dos judeus da sociedade portuguesa.
Associado à reacção monárquica e nacionalista contra a República, surge um anti-semitismo ideológico, que teve expressão em livros, revistas e jornais. A Invasão dos Judeus (1925), de Mário Saa, pode ser considerada a "bíblia" dessa literatura anti-semita. Para Mário Saa, a República foi edificada pelos judeus, estava a ser governada por judeus, procurava servir secretos interesses dos judeus. Lisboa, apesar da "purificadora" acção da Inquisição, estaria a tornar-se, no entender de Saa, a "Nova Jerusalém", edificada pela "multiplicação da raça proscrita", com "aqueles pertinazes narizes e olhos, aquela debilidade de mentos (deficiências de queixo) e aquela expressão de ombros (...)". Aliás, o autor não tinha dúvidas quanto à evidente identificação de um judeu, através de uma simples observação à vista desarmada: "Não é difícil descortinar um judeu pela simples aparência. Com uma experiência de alguns anos, e muito mais por instinto que por experiência, qualquer pessoa está apta a apartar os hebreus dos não-hebreus. A fisionomia, o feitio dos ombros, o modo de andar (e, ainda que pareça exagero ou gracejo, o próprio modo de usar o chapéu, que, na generalidade, é mais puxado para a frente que para trás, por virtude, sem dúvida, da conformidade craniana), deixam-nos facilmente aperceber do tipo judaico."
Já em 1921, Mário Saa havia publicado um livro onde exibe uma despudorada afirmação na folha de rosto: "Entrar no Parlamento português é o mesmo que entrar numa sinagoga." No fundo, Saa via na República a vingança judaica: D. Manuel I havia decretado a expulsão dos judeus em 1496 e estes implantariam a República e expulsariam D. Manuel II em 1910.»


Jorge Martins é doutorado em História Contemporânea pela Faculdade de Letras de Lisboa (2006) e professor de História desde 1978. Pertence ao quadro da Escola Secundária Braamcamp Freire, Pontinha, é professor convidado do Instituto Superior de Ciências Educativas – Odivelas e investigador do Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa do ISCTE – Lisboa. Tem exercido actividade de formador em centros de formação de professores e é autor de manuais escolares, obras de ficção e ensaio, designadamente, sobre história contemporânea, história local e estudos judaicos. É autor dos três volumes de Portugal e os Judeus, também publicados sob a chancela Veja.
A República e os Judeus (Nova Vega): Vols I, II e III.

Pensamentos de Alfredo Pimenta - VIII

«... O meu conceito de Democracia e a minha repugnância por este sistema absurdo de orgânica política, obrigam-me, por coerência mental e compreensão histórica, a desejar que o meu País não se deixe seduzir pelas fantasmagorias transparentemente interesseiras dos srs. Jorge Botelho Moniz e Marcelo Caetano, arautos da renovação democrática e da reconciliação na Democracia, e tenha sempre presentes os conceitos fundamentais expostos pelo sr. Presidente do Conselho no seu já famoso discurso de 7 de Janeiro deste ano, no Palácio da Bolsa, no Porto.»(1)
«... A Democracia não é o que este ou aquele inventam: é o que é: regime de opinião, regime de partidos, regime de guerra civil. Os Povos querem ideias claras, e não artifícios nebulosos: ou a Democracia, ou a Autoridade. Na hora trágica, pela dor, pelo sangue e pelas ruínas que estamos a atravessar, tomei posição: sou pela Autoridade que represente a tradição histórica dos Povos, contra a Democracia que conduz à sua dissolução; sou pela Ordem que consolida, fortalece e prestigia as Nações, contra a Desordem que as corrompe, anemia e pulveriza.»(2)
«... a consequência lógica dos regimes democráticos, dos regimes de opinião é a complicação, a barafunda, o ninguém se entende, o sarilho, o caos.»(3)
«... Dêem-lhe as voltas que quiserem; cubram-na com o manto que entenderem; escondam-na sob as máscaras que lhes apetecer; mergulhem-na em pias de água benta, ou lambuzem-na de excrescências de esgotos — a Democracia foi a praga que caiu sobre o mundo trazida no coração do Anti-Cristo, e é a lepra que está a corroer o mundo.
Oiço falar muitas vezes, com susto e arrepio, no Totalitarismo, em regimes totalitários, a pessoas a quem não repugna a Democracia.
Santo Deus! Mas onde está, onde se esconde, onde vive, Totalitarismo mais completo do que a Democracia?
A Lei é igual para todos? Totalitarismo.
Sufrágio universal? Totalitarismo.
Instrução universal obrigatória? Totalitarismo.
Toda a nação em armas? Totalitarismo.
O Governo do Povo pelo Povo? Totalitarismo.
Liberdade de consciência? Totalitarismo.
Direitos do Homem? Totalitarismo.
Paz universal? Totalitarismo.
Igualdade? Totalitarismo.
Que há de mais totalitário que a Democracia?»(4)
Notas:
(1) - In Contra a Democracia, pp. 6/7, Amigos do Agora!, 1949.
(2) - In A Velha Democracia Nova, in «Esfera», n.º 112, p. 8. 1945.
(3) - In Num Beco Sem Saída, in «A Época», n.º 2435, p. 1, 25.05.1926.
(4) - In As Lições dos Factos, in «A Voz», n.º 5180, p. 1, 04.08.1941.

21.9.10

Diário de Notícias: cadáveres no armário um Brueghel anti-semita


«"Vae victis!" A expressão que Tito Lívio colou aos lábios do lendário chefe gaulês Breno mantém o seu sentido inalterado apesar da passagem dos séculos. "Ai dos vencidos!" E os artistas que colaboram com as ditaduras arriscam-se a ser apagados para sempre.
Uma das mais recentes vítimas da sua ideologia foi o desenhador belga Willy Vandersteen (1913-1990), criador de uma vasta obra quase desconhecida em Portugal, mas a quem Hergé chamou o Brueghel da Banda Desenhada. Os filhos descobriram agora que era ele o autor dos desenhos anti-semitas publicados, durante a II Guerra Mundial, sob o pseudónimo de Kaproen. A obra irá ser editada, no próximo ano, pela Standaard Uitgeverij e, graficamente, pelo que se conhece, talvez seja curiosa.»

Partida de Vasco da Gama para a Índia. Pintura de João Vaz

Partida de Vasco da Gama para a Índia
Pintura de João Vaz (1859-1931)
Palácio da Mitra. Lisboa

20.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - VII

«... Quando em 1945, a Alemanha hitleriana, anti-democrática e anti-comunista, foi esmagada pelas Democracias, o mundo embandeirou, ébrio de ventura, doido de alegria; encheram-se as ruas e as praças de democratas; iluminaram-se os edifícios; dançou-se; ceou-se Democracia - foi o delírio. O mundo inteiro empanturrou-se de Liberdade e Democracia...
Os grandes homens das Democracias - Roosevelt, Estaline, Churchill e Truman foram colocados nas aras dos deuses. E as massas, elefantíacas ou dromedárias, guiadas, tangidas pelos seus espertos cornacas, espalharam-se pelas praças, pelas ruas, pelas avenidas, por toda a parte, a aclamar Estaline, Churchill, Roosevelt e Truman... »(1)
«... Quando, em Maio de 1945, a Europa caiu prostrada aos pés da Democracia vitoriosa, nesta parte do Mundo onde a terra se acaba e o mar começa, desceu sobre os melhores espíritos - os mais livres, os mais senhores de si, os mais profundamente e sinceramente dedicados às suas tradições multi-seculares, e aos seus sonhos de futuro pacífico e fecundo, a noite da angústia e da desesperança. Desfraldaram-se, nas varandas das urbes, as bandeiras vitoriosas; encheram-se as ruas dos aglomerados populacionais, de uma fauna patibular que desde 1926 ninguém vira à luz do Sol; ergueram-se no espaço gritos selváticos de apoteose, celebrando a aurora vermelha que vinha nos flancos da vitória. Mas os melhores espíritos desta sagrada terra de Portugal desciam as escadas tenebrosas do Sofrimento e do Silêncio.
A Europa jazia por terra - o corpo coberto das feridas dos combates, a alma crucificada em cruz de ignomínia, os olhos cegos pelo sangue e pelo pavor, os pulsos algemados, os pés entorpecidos do peso das grilhetas...
E eu que nunca fiz, antes de Maio de 1945, nem a saudação nacional-socialista, nem a saudação mussoliniana, reivindico, hoje, para mim, com orgulho e plena satisfação moral, o ser nazi ou fascista, na boca da Democracia vitoriosa.
O nazi está vencido, o fascista está vencido. Foram as cinzas do primeiro espalhadas ao vento ou deitadas ao mar; cobrem os restos cadavéricos do segundo, toneladas de terra e Himalaias de ódio.
Com ternura infinita me debruço sobre a sombra do primeiro, que nenhuma força arrancará da História, e ajoelho diante da memória do segundo, que nenhuma força apagará do Tempo.
Sim! Serei nazi, serei fascista!
Ser anti-nazi, e ser anti-fascista é alinhar com as democracias vitoriosas - desde a França, a criadora do Resistencialismo, e a Inglaterra, até aos Estados Unidos.
Ser anti-fascista e ser anti-nazi é, nas circunstâncias actuais do mundo, ser defensor e sustentáculo da Democracia parlamentar e partidária que levou Portugal à miséria, à degradação, à beira da morte.
O mundo está, efectivamente, dividido, no plano ideológico, que é o único que me interessa, entre a Democracia e o Fascismo, isto é entre a Democracia e a Autoridade.
A Democracia é a Anarquia brava ou assolapada - incêndio que devora, ou incêndio que corrói - mas sempre incêndio.
A Autoridade é a Ordem Social, a disciplina feita sistema, o Trabalho feito profissão, a Justiça feita Lei.
A Democracia é o regime dos Partidos, é o regime da guerra civil, é a Grécia sob o pulso anglo-americano, ou a Checoslováquia, a Roménia, a Bulgária, a Hungria, a Jugoslávia, sob o pulso estaliniano. É a Inglaterra, com o trono abalado; é a França, em truculências; é a América, incerta do seu futuro; é a Rússia, esmagada sob o despotismo mais feroz da História. A Autoridade é o Governo estável, é o trabalho progressivo, é o Povo entregue exclusivamente às suas actividades profissionais, é a Nação libertada da obsessão política e do polvo partidário, é a sociedade de homens.
Se, por ser inimigo da Democracia - na minha já tão distante juventude, por individualismo excessivo, e hoje, por imperativo de uma cultura filosófica e histórica integral - se por ser inimigo da Democracia, tenho de ser fascista ou nazi, sê-lo-ei com muita honra e muito orgulho, porque sem proveito absolutamente nenhum, nem efectivo, nem possível, nem provável.
Do outro lado, onde a Democracia impera, onde se é anti-nazi ou anti-fascista, leva-se aos ombros o trono sacrílego do Diabo, é-se contra Deus e contra a Igreja, transige-se com a Maçonaria e a mistela Judaica, instaura-se a guerra civil permanente, alimenta-se o escalracho do Partidarismo político, pertence-se ao Depuracionismo, ao Resistencialismo, ao Bolchevismo, e por fim, aplaude-se a ignomínia de Nuremberga que, na opinião insuspeita de um juiz americano, não passou de acto de vingança!
Numa palavra: quem for partidário da Democracia, deseja a morte de Portugal - quer seja a morte por decomposição ou dissociação interna, quer seja a morte por diminuição da sua soberania que se dissolverá no projectado plano da criação dos Estados Unidos da Europa, ante-câmara confessada dos Estados Unidos do Mundo.
Ser português, hoje, nas circunstâncias reais do mundo, implica ser adversário declarado das democracias vitoriosas.»(2)
«... Pois, hoje, Portugal pode dizer que, com a Vitória das Democracias, corre o risco de perder a liberdade e a alma.
Ponhamos os olhos nos dez pontos do Plano da Federação da Europa aprovado em 3 deste mês, pelo Congresso Parlamentar Europeu.
Como é que uma asneira que ultrapassa todas as asneiras - vinga, com toda a certeza. E ai da nossa independência financeira! Ai da nossa independência política! Ai do nosso Império Colonial!»(3)

Notas:
(1) - In Contra a Democracia, p. 24, Amigos do Agora!, 1949.
(2) - Discurso no 2.º jantar anual do jornal «A Nação».
(3) - In Ainda Couceiro e Norton, in «A Nação», n.º 134 de 18.09.1948.

17.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - VI

«... Venceram as Democracias? Venceram. Mas quem venceu, antes delas, foi a Rússia, foram os Estados Unidos e, vá lá! foi a Inglaterra. Venceram estes três Estados, para si, para os seus interesses económicos, para os seus interesses políticos. Não foi por serem democráticos ou serem autocráticos que venceram. Venceram, porque tiveram a seu lado mais homens para lançar na fogueira, mais navios para dominar o mar, mais aviões para dominar o ar e arrasar mais cidades, e, por fim, porque dispuseram da bomba atómica. Não venceram por terem razão; não venceram por terem justiça; não venceram, quero crê-lo, por terem Deus do seu lado. Venceram porque dispunham de mais força.»(1)
«... Acabou por vencer o mais forte. E é a força que cria o direito, por muito que se esganicem a proclamar o contrário, os que vivem nas nuvens. Ponham os olhos em Nuremberga...
A vitória das Democracias eliminou do tabuleiro da vida internacional as Pátrias, com a sua independência, a sua soberania, o seu direito. Porque a teoria internacionalista da Democracia é matéria de exportação, objecto de propaganda, motivo de atitudes que os três Ditadores exploram incansavelmente. No mundo, só há três nações: as que se erigiram em senhoras do mundo. O resto, poeira de fantasmas obedientes, comprando pelo preço caro da da obediência, o direito à vida; porque se recalcitrantes, pagam com a vida a sua revolta.»(2)
«... A vitória das Democracias trouxe esta novidade escandalosa: a intervenção dos vencedores na maneira de ser moral dos povos, obrigando estes a actos que a mais rudimentar caridade condena!(3)
«... A guerra aos Nacionalismos e a vitória das Democracias deram este resultado perturbador: o domínio dos três colossos imperialistas do mundo, e a subalternidade efectiva e integral dos Estados pequenos e fracos. É uma espécie de neo-feudalismo: três senhores, servidos pela fidelidade de perto de uma centena de vassalos.
O sentimento nacionalista que levou alguns séculos a criar-se, e se alimentou à custa do sangue de tantas e tantas gerações e mercê de sacrifícios sem conta; esse sentimento que deixou no decurso da História, a assinalar a sua formação, figuras gigantescas de heróis de epopeia, e de mártires de agiológio, cai vencido e desfeito sob o tropel das três Democracias que monopolizaram o poder do mundo, e o domínio dos destinos do mundo.»(4)
«... Desde a Grécia, a da beleza olímpica da Acrópole, e da Roma Cesária ou da Roma das Catacumbas, até o Portugal dos Descobrimentos, é o vasto campo dos súbditos dos Três Ditadores, das três Democracias vitoriosas. As nações são espectros e farrapos. Para a harmonia do conjunto, têm que estender os pulsos às algemas, e curvar o pescoço ao jugo - às algemas que os Ditadores empunham, ao jugo que os Ditadores levantam ou carregam segundo o seu prazer...
«... A vitória das Democracias é um sofisma que esconde o domínio de três Impérios. Onde foi realidade deu o caos. Mas sofisma ou realidade, a vítima foi a Pátria.»(5)
«... Nós já tivemos em Portugal o Capharnaum - a Democracia na sua forma mais elevada; temo-la, hoje, na sua forma mais reduzida. E é por isso que personalidades como Jacques Maritain e Tristão de Ataíde combateram e combatem (arautos do M.U.D.) a situação portuguesa. A Espanha também teve o Capharnaum. Expulsou-o, e substituiu-o pelo Estado espanhol não democrático. É por isso que as Democracias vitoriosas lhe declararam guerra, e a consideram fora da lei. A França está em pleno Capharnaum: governam-na simultâneamente o Comunismo, o Catolicismo, e entre os dois, o Socialismo. A gente pasma desta maionese — mas isto é que é a Democracia vitoriosa. Mas a Inglaterra, com o seu Rei? Os Estados Unidos, com o seu Ditador totalitário que, pelo visto, é arcangélico, virginal e açucénico? Esses estão fora da discussão; esses podem fazer tudo quando lhes der na gana; esses são livres, são independentes, - porque são fortes, ricos e têm a... bomba atómica. Esses Senhores - para quem a Democracia é mercadoria a exportar, a aplicar nos outros, nos vassalos, como na França, ou na Grécia, na Itália ou na Bélgica, na Alemanha ou no Japão, na Jugoslávia ou na Roménia, etc., etc.
Vejam lá se há para aí algum Estado, temporal ou espiritual, que se atreva a meter o nariz no modo de ser constitucional dos Estados Unidos, da Inglaterra ou da Rússia? Estes são intangíveis, infalíveis, indiscutíveis! Vejam lá se há para aí alguma Potência, temporal ou espiritual, que proponha sanções contra a Inglaterra, por ser um Estado herético-maçónico, contra os Estados Unidos, por serem maçónico-heréticos, ou contra a Rússia, por ser a Ditadura mais cruel e torva de quantas reza a História?
«... A Vitória das Democracias impôs a Democracia ao mundo - isto é, o regime do Carpharnaum; impôs ao mundo o sistema da intervenção na vida interna dos Estados - substituindo, aqui, o que às Democracias não convém; dirigindo, aqui, ali; protegendo, além; condenando, mais além.»(6)
Notas:
(1) - In Três Verdades Vencidas: Deus - Pátria - Rei, pp. 16/17, Org. Bloco, Lda., 1949.
(2) - Idem, ibidem, pp. 17/18, Org. Bloco, Lda., 1949.
(3) - Id., ib., p. 17, Org. Bloco, Lda., 1949.
(4) - Id., ib., pp. 19/20, Org. Bloco, Lda., 1949.
(5) - Id., ib., pp. 26/28, Org. Bloco, Lda., 1949.
(6) - Id., ib., p. 28, Org. Bloco, Lda, 1949.

15.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - V

«Simplesmente, a Democracia é, por definição, por essência filosófica, por natureza específica, anti-católica - porque repele o conceito fundamental da origem do Poder proclamado pela Igreja. Para esta, todo o Poder vem de Deus; para a Democracia, todo o Poder vem do Povo. Conceitos irreconciliáveis. Tem-se posto em prática muitos esforços para os conciliar; mas todos eles partem da Igreja; a Democracia não abdica, não transige, não se conforma. As soluções da origem imediata ou mediata não são obra da Democracia - porque para esta não há dúvidas nem hesitações: o Poder vem da massa popular, manifestado pelo Número. Não me consta que Deus seja ou possa ser cacique eleitoral.
E por isso Leão XIII repudiava o sentido político da palavra Democracia.»(1)
«... Os princípios democráticos são falsos, aqui e em toda a parte, porque uma vez aplicados, em toda a parte e aqui, resultam falência e perturbação.»(2)
«... A superstição democrática é a mais prejudicial de todas quantas a Loucura humana foi capaz de criar.»(3)
«... A Democracia é, por definição, por essência filosófica, inimiga de Deus - tal como o concebe e o proclama a Igreja católica. O mundo actual geme debaixo do joelho tirânico e brutal da Democracia que o estrangula sob os seus dedos de ferro, ameaçando-o com a bomba atómica.»(4)

Notas:
(1) - In Eu e as Novidades, p. 21, Publicações Pola Grey, Porto, 1942.
(2) - In Política Monárquica, p. 58. Empresa Lusitana Editora, 1920.
(3)- In Nas Vésperas do Estado Novo, p. 168, Livraria Tavares Martins, 1937.
(4) - In Três Verdades Vencidas: Deus - Pátria - Rei, p., XVI, Org. Bloco, Lda., 1949.

14.9.10

Livro: Grão Vasco da Professora Dra. Sofia Lapa

"Grão Vasco", da autoria do Professora Doutora Sofia Lapa, é o segundo livro da Colecção de Pintores Portugueses coordenada pela Professora Doutora Raquel Henriques da Silva e composta de 16 volumes.
Número de páginas: 96.
PVP: 6,90€.

13.9.10

Excelente decisão!

Foi dilatado o prazo da Exposição das Tapeçarias de Pastrana no Museu Nacional de Arte Antiga até ao dia 3 de Outubro.
Aqueles que ainda não foram e aqueles que já lá foram e gostavam de lá voltar não têm desculpa para o não fazerem, ainda por cima, com entrada gratuita aos domingos de manhã.

Pensamentos de Alfredo Pimenta - IV

«... Proclama-se que os direitos do cidadão que vive em Democracia são o de exprimir o seu parecer sobre as obrigações e sacrifícios que lhe impõem, e o de não ser obrigado a obedecer sem primeiro ter sido ouvido!
Isto é a subversão dos mais rudimentares princípios da noção mais singela do Governo! E é de grandes altitudes que ela se nos faz ouvir? Então onde está a Autoridade? Nos Governantes ou nos governados? Quem governa? A Autoridade ou a Multidão?
Que isto seja ou deva ser assim em Democracia, está certo. Mas que isto seja sancionado por Quem deve personificar sumamente a Ordem, a Disciplina, a Hierarquia, está absolutamente, irremissivelmente errado.»(1)
«Nas propagandas democráticas, diz o sr. Cambó, tem-se falado sempre nos direitos que o regime de democracia dá aos cidadãos; mas fala-se muito pouco nos deveres que lhes impõe.»
O sr. Cambó não é o pai da Democracia, nem é o seu doutrinário. A Democracia é o que a revolução estabeleceu. Ora esta não formulou os Deveres do Cidadão: formulou sim os seus direitos. Deveres tinha-os o cidadão há muito estabelecidos, desde que veio a este mundo. A Democracia falando em deveres não dava novidades nenhumas. Precisamente a sua justificação está na novidade que trouxe: a dos direitos. A Democracia é a rebelião, é a indisciplina, é o contrário dos deveres. Os democratas que falam em deveres são, se são sinceros, democratas fingidos. O que constitui a estrutura da Democracia é precisamente a preocupação dos direitos, fonte de toda a anarquia e de toda a dissolução social. Diz o sr. Cambó que Napoleão pôde dar o golpe de Brumário, porque o povo francês tinha perdido já o hábito das funções mais essenciais duma Democracia. Esta é boa! Então o povo francês guilhotinou, afogou, fuzilou, apunhalou, roubou como quis e quem quis, durante anos e anos — e estava desabituado das funções da Democracia?! Pelo visto — estava habituadíssimo a elas, durante o antigo regime, e foi por isso que em 1789 fez a Revolução!»(2)

«... A anarquia mansa, corrosiva, como em Portugal e na França, sob ameaças graves de deslizar para a Anarquia brava do Despotismo do Poder oculto. Quanto à ligeireza e versatilidade do corpo eleitoral - temos conversado. Que é o corpo eleitoral? Os que votam, ou os que levam os que votam a votar? O corpo eleitoral! Se o sr. Giraud tivesse lido certos versos do nosso bom João de Deus... A respeito da cegueira, isto é da falta de clarividência do povo - os factos estão aí, na situação da Democracia. Se o povo fosse, pudesse ser clarividente e competente; se os inferiores pudessem escolher os superiores; se os debaixo pudessem julgar os de cima, - era o Paraíso democrático. Como se dá o contrário, é o Inferno democrático. Quanto a corrupção eleitoral e parlamentar...»(3)

Notas:
(1) - In A Democracia Nova, p. 13, ed. Autor, 1945.
(2) - In O Livro do Sr. Cambó, in «A Voz», n.º 1004, p. 3, 23.11.1929
(3) - In Nas Vésperas do Estado Novo, p. 120, Livraria Tavares Martins, 1937.

11.9.10

Salazar e o dr. Filipe Ribeiro Meneses

O agora, decretado pela imprensa, primeiro biógrafo de Salazar, o Dr. Filipe Ribeiro Meneses dá uma entrevista ao jornal O Sol sob o título "Fazia-se a distinção entre o regime e Salazar".

Já se esqueceram que o grande biógrafo de Salazar foi o Dr. Franco Nogueira com os seis volumes de "Salazar" editados entre 1977 e 1985?

10.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - III

«... Democracia cristã; Democracia orgânica; Democracia positiva; Democracia social; Democracia temperada; Democracia liberal; Democracia isto; Democracia aquilo, Democracia aqueloutro, são máscaras do mesmo erro, pseudónimos do mesmo mal, disfarces do mesmo cancro: a Democracia.(1)
«... Mas o governo de todos é um mito, porque é o Absurdo. A sociedade é uma realidade; o governo é outra. Não há sociedade sem governo - proclamou-o Augusto Comte. Pode governar um; podem governar alguns; não podem governar todos. A Democracia que é o governo de todos, é conceito essencialmente metafísico, abstracção pura.
A Democracia nunca se realizou. Sociedade que tentasse realizá-la suicidar-se-ia. Sociedade a governar-se a si própria nunca existiu, porque a mesma noção de sociedade implica organização e hierarquia, e portanto governantes que mandam, governados que obedecem. A Democracia é a negação da organização e da hierarquia: todos mandam, todos governam, todos são soberanos. Nunca se viu; nunca se viu; nunca se poderá ver. O mal da Democracia está, antes de mais nada, no mito que a constitui, na mentira que representa, na mistificação idiota que personifica.
As massas que são crédulas, ingénuas ou estúpidas. Os seus exploradores, os que vivem, enriquecem, engordam, trepam e se fazem à custa são os profiteurs da Democracia, tão repelentes e tão sujos, como aqueles cadastrados que vivem à custa das desgraçadas que pertencem a quem as compra.»(2)
«... Se a Democracia, sociedade em que todos governam, não existe, que é existe com o nome de Democracia? Existe a sociedade em que alguns se governam - mentindo, iludindo, sofismando, arrastando o Povo atrás da sua mentira, levando-o, cego e surdo, atrás de uma ilusão!
As massas não raciocinam: crêem. E quanto mais compactas e mais numerosas são, mais obtusa e irreflectida e infantil é a sua crença.
Não há almas colectivas, não há razões colectivas, não há inteligências colectivas. As massas têm instintos, não têm Razão; têm reflexos, não têm discernimento. Porque as seduz à Democracia? Porque as encanta o Comunismo? Precisamente, porque são bárbaros e absurdos.
Mas essas Democracias que por aí passeiam a sua vida, que são afinal? São burlas escandalosas e é a sua qualidade de burlas que devem o poder viver.
São sociedades de negócios, materialistas, e jogadoras da vermelhinha - em que, repito, alguns se governam... São aristocracias de videirinhos. Eles sabem, como todos nós sabemos, que a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade são entre os homens, mistificações, nuns, superstições, noutros. E gritam, e trombeteiam às massas, nos comícios e nos Parlamentos, nas campanhas eleitorais e nas alfurjas, nas gazetas e nos conclaves internacionais: Liberdade! Igualdade! Fraternidade!(3)


Notas:
(1) - In Contra a Democracia, p. 17, ed. Amigos do Agora!, 1949.
(2) - In Contra a Democracia, pp. 17/18, Amigos do Agora!, 1949.
(3) - In Contra a Democracia, pp. 18/19, Amigos do Agora!, 1949.

7.9.10

Livro: Nuno Gonçalves. Professor Dr. Pedro Flor

Está à venda o primeiro livro da Colecção de Pintores Portugueses coordenada pela Professora Doutora Raquel Henriques da Silva e composta de 16 volumes.
Uma magnífica iniciativa do jornal Público e do Instituto de História da Arte.
O preço de lançamento de "Nuno Gonçalves", da autoria do Professor Dr. Pedro Flor, primeiro volume, é de 3€. Número de páginas: 96.
Os restantes volumes serão ao preço de 6,90€, perfazendo o total da colecção em 106,50€ e terá uma periodicidade semanal até 21 de Dezembro.
A destacar: Grão Vasco (14 de Setembro), Josefa de Óbidos (21 de Setembro) e Almada Negreiros (16 de Novembro).

6.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - II

«Isto é a cobardia democrática. Isto é o preconceito democrático. Isto é a vermina democrática.
A Democracia afoga-nos, subverte-nos, arruina-nos, envenena-nos. Diante dela, a sociedade portuguesa está tolhida, vencida, sucumbida e morta — para toda a energia sã, para toda a acção salvadora. A República? Não. Não é bem a República que nos mata: é a Democracia. A Monarquia? Não será a Monarquia que nos salvará, se vier aliada à Democracia. Porque a Democracia é a antecâmara da Anarquia. A Democracia é a legalização da Desordem, é a organização do Tumulto. A Democracia é a lógica, às avessas; é o regime da Multidão, do ninguém se entende, do tudo doido. A Democracia é contra a Pátria, depois de ser contra a Família, depois de ter sido contra Deus. A Democracia é o caos.
A sociedade portuguesa sofre do uso e do abuso da Democracia. Deixaram-se corromper por ela todas as classes, todos os partidos, todas as categorias. A onda democrática bate o seu pleno — desde as mais altas esferas intelectuais até às mais baixas camadas populares. Por isso, a sociedade portuguesa se encontra na fase mais crítica da sua existência, fugindo do poço da lama para que a Democracia arrasta para ir cair no lago de sangue para que a Democracia a atrai.
Todos os aspectos singularmente doentios que a sociedade portuguesa apresenta ao observador, têm uma origem: a corrupção democrática, a tendência democrática, o preconceito democrático, a sugestão democrática.
As castas aristocráticas finam-se por esterilidade. As massas democráticas diluem-se em grosseria e sangue.
A Democracia é a mistura, a mestiçagem, a confusão, o tumulto.»(1)
«...O regime das castas que fez a grandeza dominadora de tantas civilizações, grandeza que as civilizações modernas, viciadas de igualitarismo, de democratismo, de degradante mestiçagem, de babelismo, jamais atingirão, o regime das castas é uma das fundamentais condições de ordem e de prosperidade positiva.»(2)
«...As tendências oligárquicas nas democracias são claras de mais para que seja preciso perdermos tempo a demonstrar que sem aristocracias ou élites o progresso social é impossível.»(3)
«... Não se confunda Democracia e Povo, não se confunda Aristocracia e Brasão. Porque no Povo, há aristocratas — os espíritos de eleição que olham o Céu e as Estrelas; entre os brasonados, há democratas — os que descem os olhos para as sarjetas sociais e se comprazem com os contactos lamacentos e repugnantes.
Aquele homem do povo que se lava e procura distinguir-se da arraia em que viveu, pelas maneiras e pelas acções, buscando, na cultura dos seus sentimentos, compensação para a humildade e anonimato da sua origem — esse é um aristocrata.
Aquele filho d`algo que esquece os feitos de heroicidade física ou moral dos seus maiores, para se deliciar no convívio dos mais lastimáveis tipos da baixa fauna social, e se degrada, e se arrasta até se confundir com eles — esse é um democrata. Entre um parvenu de salão e um parvenu de taberna — ah! Senhores, não hesitemos. O primeiro pode dar-nos a impertinência que irrita. Mas o segundo dá-nos a degradação que arrepia. E dos dois, só o segundo é produto da Democracia.
Não há dúvida nenhuma que nós estamos sofrendo uma profunda crise de inteligência — crise de origem democrática. Não há reflexão; não há raciocínio; não há cultura; não há respeito pela inteligência. Há mais alguma coisa, que é muito pior: há um ódio, oculto, por ora, à inteligência. O processo adoptou a Democracia para conseguir triunfar no seu assalto à inteligência? Que mais infame: fingindo-se defensora da inteligência. Ora se há inimiga da inteligência, por natureza, pela sua própria substância, — é a Democracia, o nivelamento, o repúdio de todos os Heróis, de todas as Personalidades de todos os Eus.
O sintoma mais típico do domínio da Democracia, e por outro lado, a revelação mais clara do seu carácter — temo-la aí nesse culto do Soldado Desconhecido, do Anónimo, do Ninguém, em detrimento do culto devido aos generais responsáveis, sobre quem cairiam todas as afrontas e todos os vexames, todos os insultos e todos os castigos, no caso de uma derrota, e a quem negam todas as homenagens, na hipótese realizada do menor mal possível. E toda a gente se acobardou diante da vaga anárquica, e consagrou a mais demolidora das orientações!
Às vezes, mesmo antevendo a catástrofe para que nos encaminhamos com aquela fúria singular de quem tem medo de não chegar a tempo, sorrimos de desdém, ouvindo a gritaria, a choramingaria, os protestos, os discursos, as ameaças, as reclamações, que surgem nos jornais, nas representações, nos parlamentos, nas salas, nas ruas, em toda a parte. Porque tudo isso, gritos, choradeiras, protestos, discursos, ameaças, reclamações, — é poeira vazia, é linguagem de papagaio, e tolice... Gritam, protestam, contra o assassinato e o roubo, contra a injúria e a calúnia, mas fazem muralha, quando alguém, audaz, se ergue contra a origem do assassinato que os aflige, do roubo que os amedronta, da injúria que os vexa e da calúnia que os irrita.
Acabo de percorrer a maior parte dos comentários que se fizeram ao acontecimento trágico de quarta-feira passada, em que um agente da ordem pública e social sucumbiu às mãos de um inimigo da mesma ordem, — acontecimento que as deu no mesmo dia em que pela terceira vez se adiou o julgamento de outro inimigo da ordem social. Palavras, palavras, palavras — e nem um conselho positivo, e nem uma solução positiva! Tocar na arca santa da instituição do júri criminal? Pedir a instituição dos processos sumários militares? Esquecer tudo, tudo e obrigar o Governo a defender a Ordem, e impor a Ordem, com a Constituição ou contra a Constituição, com o Parlamento ou contra o Parlamento, com a Lei ou contra a Lei? Credo! Seria magoar a Democracia. Seria ofender a Democracia.
Diante de uma casa a arder, não se discutem teorias: apaga-se o fogo, a bem ou a mal. A sociedade portuguesa está a arder. Acudam-lhe enquanto é tempo. Arrumem para o lado os incendiários ou os coniventes, encontrem-se eles onde se encontrarem, — no Parlamento, nos jornais, nas Secretarias, nas ruas e nas alfurjas — e salvem isto da derrocada!»(4)

Notas:
(1) - In Acabemos com isto, in «A Época», n.º 1749, p. 1, 01.06.1924.
(2) - In Política Monárquica, p. 18, Empresa Lusitana Editora, 1920.
(3) - In Aristocracias, in «A Ideia Nacional», n.º 12, p. 363, 24.04.1915.
(4) - In Acabemos com isto, in «A Época», n.º 1749, p. 1, 01.06.1924.

3.9.10

Pensamentos de Alfredo Pimenta - I

«... O sr. Gaston Jèze é uma das mais altas autoridades do mundo universitário francês, e o seu nome ultrapassou, há muito tempo, as fronteiras da França. Em ciência financeira, e mesmo em Direito Administrativo e Direito Político, as suas opiniões formam escola, e impõem-se com autoridade. Politicamente, o sr. Gaston Jèze, é radical: pertenceu ao famoso cartel das esquerdas, e vejo-o figurar no célebre volume La Politique Républicaine, que é uma espécie de Programa do Radicalismo. Por sinal que no seu estudo consagrado às Finanças francesas, o sr. Gaston Jèze tem esta paradoxal sentença: o que deve guiar os governos é a ciência financeira e o ideal democrático - como se este ideal democrático fosse capaz de se ajeitar com qualquer ciência, e muito menos com a ciência financeira.
Ora o sr. Jèze acaba de escrever num jornal francês, palavras preciosíssimas que demonstram que o seu espírito nem sempre está perturbado, a sua visão das coisas nem sempre é deformada.
Pergunta ele: «Acaso as assembleias legislativas são compostas de seres superiores, mais inteligentes ou melhores do que outros homens?»
E responde com esta clareza e esta justeza: «Nada disso. A Democracia não tem a pretensão de ter, como governantes, super-homens, os governantes de uma Democracia são medíocres; tomam-se, um pouco ao acaso, na massa. Seria preciso ter os olhos fechados para não ver que os colégios eleitorais não escolhem nem os melhores, nem os mais inteligentes, nem os mais honestos, nem os mais cuidadosos pela coisa pública. A intriga, as promessas excessivas, mesmo as mentiras, a pressão e a corrupção desempenham um grande papel nas eleições dos países democráticos. Isto não oferece dúvidas a ninguém. Nenhuma reforma eleitoral mudará grande coisa nisto. Não tenhamos ilusões a esse respeito».
De acordo. Não tenhamos ilusões. Nós não as temos. As reformas eleitorais, para nós, os sistemas eleitorais, para nós, têm bem medíocre importância. Eleição directa ou indirecta, sufrágio restrito ou universal; recenseamento obrigatório ou facultativo, sistema maioritário ou proporcional; com representação ou sem representação de minorias; círculo único ou muitos círculos - é tudo a mesma burla monstruosa - porque o vício fundamental da eleição não está na maneira como ela se realiza, mas em si própria. O carácter específico da eleição é o Número, e o Número é a antinomia da Qualidade. À medida que o Número aumenta, a Competência restringe-se. Se alguém tem autoridade para limitar o Número, esse tem autoridade para escolher logo o que o Número vai eleger. Uma vez que se adopte o critério do Número, em boa lógica, só o Sufrágio Universal tem defesa. Eu compreendo os partidários deste Sufrágio; não compreendo os que limitam, os que querem segurá-lo, com reformas, com habilidades.
Eu só compreendo o Sufrágio Universal, com recenseamento obrigatório e voto obrigatório. O resultado é mais democrático, mas é mais característico. Quanto mais errado mais democrático, mais puramente democrático, mais dentro do critério da soberania nacional.
Aparte aquela de a Democracia não ter a pretensão de possuir, por governantes, super-homens, tudo quanto sr. Gaston Jèze diz é luminoso.
«Os governantes de uma Democracia são medíocres» - diz ele. Nem podem deixar de ser. A massa eleitoral, o rebanho humano só escolhe os que estão ao alcance da sua inteligência. Ora a inteligência da multidão é tudo o que há de mais frágil. A multidão não sugere ideias: move-se por palavras, determina-se por gritos, dirige-se por imagens. E não é necessário que seja uma multidão ignara de incultos patriotas.»(1)
«... Continuando o seu desenho, o sr. Gaston Jèze diz que os colégios eleitorais não escolhem nem os melhores, nem os mais honestos, nem os mais cuidadosos pela coisa pública. Certíssimo. Como estamos longe daqueles que diziam que era apanágio da Democracia, a virtude! Mas se não são os melhores; se não são os mais cuidadosos pela coisa pública, os que a Democracia chama para a alta função do governo - que demónio de simpatia, de apoio ou aplauso nos pode merecer a mesma Democracia, com a sua remonta dos piores, dos estúpidos, dos patifes e dos desleixados, sr. Gaston Jèze?
A Democracia, aos melhores, desgosta-os; aos mais inteligentes, persegue-os; aos mais honestos, calunia-os; aos mais cuidadosos da coisa pública, afasta-os. É de hoje. É de ontem. É de sempre. Que fica, então? Fica o bando dos malfeitores, dos sem consciência nem vergonha - profissionais da honra, profissionais do Dever, profissionais do patriotismo, profissionais da justiça, profissionais de tudo, fazendo de tudo profissão, até da infâmia!
Entre a sentença clara de Gaston Jèze, homem de indiscutível valor intelectual, e as leviandades dos doutores da Democracia que, envenenando a toda a hora o sentimento público e o espírito público, com as suas campanhas a favor da mais perigosa mentira, da mais hedionda burla que é a Democracia - entre a sentença de Gaston Jèze e as leviandades dos doutores da Democracia - quem pode hesitar?
Não. Se queremos salvar esta pobre Pátria, não nos atemorizemos diante de nada, e não abandonemos o combate salutar à comédia democrática, à fraude democrática - numa palavra à Democracia que é, por definição, mentira, fraude, comédia, e que só pode captar aqueles que não são incompatíveis com o Erro.»(2)
«...Não era preciso que o sr. Faguet viesse dizer que as democracias, na concepção sua vulgar, corrente e geral, levariam à vitória da mediocridade e constituiriam o culto dos incompetentes.»(3)



Notas:
(1) - In Novos Estudos Filosóficos e Críticos, pp. 163/165, Imprensa Nacional, 1935.
(2) - In Novos Estudos Filosóficos e Críticos, pp. 165/166, Imprensa Nacional, 1935.
(3) - In Aristocracias, in «A Ideia Nacional», n.º 12, p. 363, 24.04.1915.