31.3.10

Blogue de interesse: Império, Nação, Revolução

Império, Nação, Revolução é um "blogue para despertar as memórias das testemunhas e as críticas dos leitores, porque escrever História é sempre uma obra comunitária."
As memórias, as críticas, as correcções e os comentários podem ser enviadas para riccardo.marchi@ics.ul.pt.

Pintura de Olga Nagornaya

Ancients

30.3.10

Crítica de Barroso da Fonte ao livro Folhas Ultras de Riccardo Marchi

"O académico italiano Riccardo Marchi entusiasmou-se de tal modo com o tema que preparou para doutoramento que, mal editou a tese, logo preparou uma espécie de anexo dessa época ao qual chamou Folhas Ultras - As ideias da direita radical portuguesa (1939-1950). Foi patrocinado pela Imprensa de Ciências Sociais que o inseriu na colecção Breve História (2009). Em 256 páginas reúne autores e doutrinas que em Portugal nunca haviam merecido tanta atenção, apesar de se diabolizar o Estado Novo e se falar no fascismo português. Foi preciso vir um italiano indagar este tema que a muitos repugna mas que a muitos outros agrada. É que urge banir o preconceito de que só as esquerdas são cultas, sérias, competentes, ao invés das direitas que, para os seus contrários, são portadores de todos os males da espécie.
Sem complexos Riccardo Marchi fez os estudos básicos em Itália. Mas em 2001 fez uma viagem a Portugal, no âmbito da pesquisa para a tese de licenciatura. Reuniu «material documental sobre a direita radical portuguesa no segundo pós-guerra». Acabou por ficar por cá, investigando esse tema que resultou no volume Império, Nação, Revolução... e com o sobrante elaborou um estudo complementar que acaba de nos chegar, com amável dedicatória do autor.
Marchi escolheu para orientador António Costa Pinto. António José de Brito, Alfredo Pimenta, Jaime Nogueira Pinto, José Pequito Rebelo, Caetano Beirão, Amândio César, António Sardinha, Plínio Salgado e Henrique Barrilaro Ruas foram autores recorrentes. Mas esta excelente obra sobre as ideias da direita radical portuguesa é uma espécie de homenagem a um dos mais plumitivos pensadores desta ala doutrinária: Alfredo Pimenta. Já numa altura em que ele era conservador da Torre do Tombo. Desta sua última década de vida dá este livro conta, a par de um discípulo que honrou o mestre e que ainda está vivo e declaradamente intelectual de direita: o Prof. Doutor António José de Brito.
Riccardo Marchi não se ficou pela licenciatura e pelo doutoramento com esta temática doutrinária. No Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa está a fazer um pós-doutoramento, o que mais abona este investigador que em Portugal não tem imitadores. Talvez por complexos ou receios de ser apodado de fascista radical."

Barroso da Fonte
In jornal Poetas&Trovadores, n. º 51, Janeiro/Março de 2010, p. 11.

Crítica de Barroso da Fonte ao livro Império, Nação e Revolução de Riccardo Marchi

"Riccardo Marchi é um jovem investigador italiano (n. Pádua, 1974). No ano 2000 licenciou-se com uma tese sobre o Estado Novo e o Fim do Império Português (1945-1975). Continuou a interessar-se pela dinâmica das direitas radicais no fim do Estado Novo, tema que em 2005 acolheu para tese de doutoramento no ISCTE. Desde Abril de 2008 é investigador de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, retomando o projecto das direitas radicais na democracia portuguesa.
Nestas 440 páginas, resumo da tese de doutoramento, condensa figuras e pensamentos de muitos políticos e ideólogos do Estado Novo que colocaram todas as suas energias a defender as ideias do estado-novismo. Alfredo Pimenta, João Ameal, Fernando Pacheco Amorim, Caetano Beirão, António José de Brito, Fernando Campos, Amândio César, João Bigotte Chorão, Freitas da Costa, Guilherme Braga da Cruz, Rodrigo Emílio, Pinharanda Gomes José Miguel Júdice, Luís Amado, Goulart Nogueira, Jaime Nogueira Pinto, Lucas Pires, António da Cruz Rodrigues, Vítor Manuel de Aguiar e Silva e António M. Couto Viana são alguns dos autores portugueses citados. Mas cita também muitos tratadistas estrangeiros. Um trabalho notável deste jovem docente e investigador que conhecemos pessoalmente em Guimarães, onde veio beber nas obras de Alfredo Pimenta. Teve a gentileza de também mencionar o nosso projecto de investigação sobre Alfredo Pimenta: da práxis Libertária à doutrinação nacionalista. Texto Editores, Novembro de 2009."
Barroso da Fonte
In jornal Poetas&Trovadores, n. º 51, Janeiro/Março de 2010, p. 13.

29.3.10

Pintura de Vsevolod Ivanov

Perun`s Grandchildren - 2006
Abandoned Portage. Way to Stargorod - 2005
Clicar nas imagens para aumentar.

26.3.10

Beija-(Balse)mão

"O fundador do PSD convidou Paulo Rangel para o encontro deste ano do grupo de reflexão de elite Bilderberg, soube o Económico.
O presidente da Impresa quer levar consigo Paulo Rangel, um dos quatro candidatos à liderança social-democrata, à reunião deste ano da sociedade 'secreta' Bilderberg, marcada para Junho.
Isto não significa, contudo, que Balsemão apoia o eurodeputado para suceder a Ferreira Leite na liderança do partido que ajudou a fundar.
Manuel Pinho, Aguiar-Branco, Santana Lopes, José Sócrates e Durão Barroso são outras personalidades portuguesas que já marcaram presença na conferência anual da Bilderberg, que reúne habitualmente a elite empresarial e política mundial."

Está no papo

"O candidato à liderança social-democrata Paulo Rangel foi convidado pelo fundador do PSD Francisco Pinto Balsemão para participar no encontro anual do grupo Bilderberg, marcado para Junho, disse à Lusa fonte próxima do eurodeputado, noticia a Lusa.
Em Maio do ano passado, a presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, participou como convidada na conferência anual do grupo Bilderberg, na Grécia."

Sobre este grupo mundialista, aconselho a leitura das obras de Daniel Estulin:
Publicações Europa-América
2008. 368 págs.

Círculo de Leitores/Temas&Debates
2005. 300 págs.

Em Nome da Pátria de Brandão Ferreira. Crítica de Barroso da Fonte

"O Tenente-Coronel, piloto Aviador, Comandante de Linha e Mestre em Estratégia, João José Brandão Ferreira é um dos autores militares que merece palmas por não se enfeudar ao espírito corporativista da geração que renegou os seus deveres e traiu o juramento que fez em relação à guerra do Ultramar. Ainda está por escrever a História do golpe militar que de cobardes fez heróis e de golpistas fez mitos que começam, agora, a desdizer-se em obras de saldo que se inspiram umas nas outras, não para cada qual aperfeiçoar a verdade, mas para se defenderem das recíprocas acusações e contradições que se avolumam e que, daqui a cem ou duzentos anos, quando já não existirem o medo e o complexo, vão reduzir-se ao oportunismo primário.
O autor começa por explicar a motivação desta obra: «decidi enveredar pela carreira das armas quando terminei o antigo 5º ano, no Liceu de Oeiras. Estávamos no ano de 1969. Preparei-me e entrei para a Academia Militar em 20 de Outubro de 1971. Foi aí que o 25 de Abril me apanhou (…) Nunca me conformei com a perda das nossas províncias ultramarinas, que na altura representavam cerca de 95% do território nacional e 65% da população portuguesa. Sobretudo pela forma iníqua e desastrosa como tudo se processou, já para não falar dos indecorosos comportamentos políticos e militares que então se registaram. Mais: até hoje, nunca houve a coragem de se assumir isso, nem de retirar as respectivas consequências. Em seguida, assisti ao desmantelamento de umas magníficas Forças Armadas que chegaram a dispor de 220 mil homens espalhados por quatro continentes e outros tantos oceanos. Motivado por todas estas perplexidades, decidi estudar o que se tinha passado, bem como a verdadeira razão que estava por trás dos acontecimentos. O objecto deste livro é a justiça da guerra e o direito de fazê-la».
O autor cita Melo Antunes que «pouco antes de morrer acabou por reconhecer que se tinha tratado de uma tragédia». E também Almeida Santos que publicou uma obra onde declara «reconhecer que toda uma série de coisas que tinham corrido mal - obviamente por causa dos militares, que não quiseram combater mais». Por outro lado, os combatentes começaram por ser execrados e condenados por lutarem numa guerra «imperialista», ao serviço dos «colonialistas» e de um «governo fascista»... «Cerca de um milhão de homens ficou arrumado nas prateleiras do esquecimento e da ignomínia. Exaltaram-se desertores». E Brandão Ferreira é mais claro: «Este livro pretende demonstrar que Portugal fez uma guerra justa e, além disso, tinha toda a razão do seu lado!». Editado pelas Publicações D. Quixote, Outubro de 2009, 600 páginas."
In jornal Poetas&Trovadores, n. º 51, Janeiro/Março de 2010, p. 17.

24.3.10

Quem semeia ventos colhe tempestades

Como era expectável, a Comissão Disciplinar da Liga, presidida pelo dr. Ricardo Costa, viu anulada e reduzida a vergonhosa decisão de punir os jogadores Hulk e Sapunaru com quatro e seis meses para três e quatro jogos, pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol.
Será de bom tom que o SLB fique reconhecido à Comissão Disciplinar da Liga e, em Assembleia Geral, atribua a categoria de Sócio de Mérito a cada um dos membros desta comissão bem como lhes ofereça bilhetes de ingresso para os jogos do Benfica na Liga dos Campeões na próxima época.
Como disse o ex-presidente da Liga, Dr. Hermínio Loureiro: "entendo que o facto de o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol ter hoje dado, em parte, provimento aos recursos dos jogadores da FC Porto, Futebol SAD, Hulk e Sapunaru, tem implicações que ultrapassam a justiça desportiva", é de prever que os senhores da Comissão Disciplinar sejam alvo de justíssimos processos judiciais quer do F.C. Porto quer dos seus atletas a fim de ser ressarcidos com uma indemnização avultada.
Pois, senhores da Comissão Disciplinar da Liga, aguentem-se à bronca!

Sempre era verdade


Adolf Hitler, o controverso III Reich da Alemanha, é o autor de um portfolio de desenhos que serão leiloados pela Mullocks, em Shropshire, no Reino Unido.
Sobre dois dos esboços que constam no portfolio composto por doze obras, sabe-se que um foi elaborado mediante recurso a pastel castanho e vermelho. Relativamente ao outro, supõe-se que a mulher retratada seja a mãe de Hitler, uma vez que a imagem se assemelha a fotografias suas, e o trabalho se encontra datado de 1908, ano em que morreu vítima de cancro.
Nos desenhos abundam figuras humanas, nus, objectos, edifícios e paisagens.
Richard Westwood-Brookes, da leiloeira Mullocks, responsável pela venda do legado artístico, afirmou que, naquela época, Hitler ‘estaria a tentar entrar numa escola de artes e experimentou vários estilos e pintar um nu teria sido um pré-requisito’.
Brookes referiu ainda que se sabe que o Führer foi rejeitado pela Academia de Belas Artes de Viena. ‘Da segunda vez, em 1908, ele nem foi convidado a fazer exame. Estes trabalhos fazem parte de uma colecção que ele teria submetido’, acrescentou.
De acordo com o jornal espanhol ‘ABC’, as vendas esperam arrecadar cerca de seis mil libras (cerca de 7500 euros) por cada um dos doze esboços disponíveis.

Sem comentários!

Não, não é 1 de Abril!
Donativos do IRS para gays e lésbicas!!!

Em nome dos Direitos Humanos

Alemão condenado a prisão perpétua aos 88 anos
Antigo membro das SS condenado pela morte de três holandeses

Afinal...

Hitler queria alcançar "relações cordiais" com o Reino Unido

Livro: Antologia Poética de Rodrigo Emílio: crítica de Fernando Paixão

"Este homem de cultura e cidadão probo, neto e bisneto de intelectuais dos mais puros das suas gerações, nasceu e viveu para dar testemunho do orgulho de ser Português. As suas muitas e fecundas obras, são tijolos indestrutíveis de um nacionalismo impoluto e transcendental. Nasceu em Lisboa, em 1944 e faleceu 60 anos depois, tendo vivido ao ritmo do país que serviu com tanto orgulho e que viu definhar. Dir-se-ia que definhou com a doença da Pátria que vem, morrendo em sobressaltos abruptos. Bruno Oliveira Santos escreveu o prefácio que é elucidativo dos méritos literários e patrióticos de Rodrigo Emílio. Diz logo a abrir que «esta antologia reúne poemas de uma voz única, alheia a escolas e correntes literárias. Não precisaria de influências extra-familiares para se tornar poeta de corpo inteiro. Era-o já de nascença. Veio da poesia para a poesia». Até a sua prosa era sobremaneira poética. Além de poeta foi também ensaísta, polemista e tradutor. Em 1968 foi até Moçambique, como alferes miliciano. Dessa vivência africana nasceram dois livros. Com quinze dias de vida morreu uma sua filha. Mais um tema inevitável que esta antologia insere integralmente. Em dedicatórias e citações de rodapé desfilam nomes grandes da cultura portuguesa que o Poeta conheceu, em carne e osso ou pela leitura sistemática. Não da esquerda auto-convencida do saber absoluto, mas daquela linha tradicionalista que seguiu os ditames do Império Português que capitulou, vergonhosamente, na sua e minha geração.
Bem andou a Associação Cultural e Editorial, Areias do Tempo que assumiu a edição e distribuição deste volume de quase 300 páginas, enriquecido com uma carta poética do comum Amigo António Manuel Couto Viana."

Fernando Paixão
In jornal Poetas&Trovadores, n. º 51, Janeiro/Março de 2010, p. 11.

21.3.10

Quando Lobo Antunes escreveu a Céline por Isabel Coutinho

Quando Lobo Antunes escreveu a Céline…

Isto começou assim: António Lobo Antunes tinha 14 ou 15 anos quando o pai lhe deu para ler, na versão original, “Morte a Crédito”, de Louis-Ferdinand Céline. Era um médico a dar um livro escrito por um médico a um filho que viria a ser médico. António leu-o e teve um dos seus “primeiros deslumbramentos”. Mais tarde leu “Viagem ao Fim da Noite” e Céline foi vital. “É um dos grandes escritores do século XX e, em Portugal, é muito mal conhecido ou então não é compreendido”, diz ao Ípsilon o autor de “Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?”.
Depois, o adolescente de calções escreveu uma carta Céline. Enviou-a para a morada da editora em França e pedia-lhe uma fotografia. “Está a ver a ingenuidade? Como se ele fosse um actor de cinema”, conta.
Louis-Ferdinand “perdeu tempo com o miúdo” e respondeu-lhe. Era uma carta escrita à mão, num papel A4 amarelo, com uma letra torcida mas fácil de ler.
“Eu dizia-lhe que queria ser escritor, que tinha 15 anos e ele respondeu-me com uma carta de uma imensa ternura: ‘Não tenho fotografia porque não sou actor de cinema. Mas se queres ser escritor vê lá porque depois não podes ir ao cinema, não podes ter namoradas, não podes não sei lá o quê… Porque escrever é uma coisa muito difícil e exige muito tempo, tens que passar a vida agarrado ao livro…’ Tinha toda a razão no que estava a dizer. Eu aos quinze anos sabia lá o que era escrever! Escrevia porcarias como qualquer miúdo, tinha dentro de mim a certeza de que ninguém ia escrever coisas como as que eu havia de escrever e só escrevia merda. E fiquei maravilhado. Lembro-me de ter andado todo o tempo que pude com o envelope daquela carta porque tinha o meu nome escrito pela mão dele. Nunca tinha tido contacto com nenhum escritor e até à saída da ‘Memória de Elefante’ também não conhecia ninguém.”
Ainda tem essa carta? “Tenho mas não mostro. O envelope desapareceu-me. Perdi-o, também já estava tão gasto, todo dobradinho. Também não mostrava a ninguém porque os meus colegas de liceu sabiam lá quem era o Céline!”
Um desses colegas de liceu era Eduardo Prado Coelho, que mais tarde escreveu no seu diário: “Em Céline, o segredo íntimo de cada ser está nessa humidade viscosa e agoniada, nessa baba intestina, nessa espuma aviltante das tripas e mucosas - o nuclear é o excremencial (…) O universo de Céline é um inferno visceral. - É aqui que eu entendo melhor a repugnância liminar que me suscita uma escrita que é feita de roncos, perdigotos e metáforas viscosas.” Com Céline não há meio-termo: ou há paixão ou repúdio.

Maldito até para a PIDE

Aníbal Fernandes estava em Luanda nos anos 60 quando foi contactado por Vítor Silva Tavares para traduzir “Viagem ao fim da noite” para a Ulisseia. Havia já uma tradução em Portugal, feita por Campos Lima para a Século, em 1944, mas não era a versão integral e estava “muito cortada e suavizada”.
Não foi fácil. A obra tem “um calão muito especial” e na altura não existiam os dicionários de “argot” que existem hoje, explica Aníbal Fernandes. Além de ser uma obra difícil de traduzir, algumas passagens não podiam ter a força que tinham no original porque a censura não deixava passar e mesmo assim o livro foi retirado.
Mais tarde, em 1997, quando Aníbal Fernandes reviu a tradução para a editora de Paulo da Costa Domingos, a Frenesi, modificou não só o estilo da sua primeira tradução como verificou que algumas coisas não queriam dizer bem o que ele tinha pensado. “Nessa altura fiz a nova tradução já em condições especiais porque tinha os elementos todos, tinha mais anos de leitura daquilo, conhecia bem o Céline e foi no início da minha reforma, tinha o tempo todo livre.” Esta tradução é a versão reeditada agora pela Ulisseia e o tradutor não lhe voltou a mexer desde aí.
O primeiro editor da versão integral foi Vítor Silva Tavares, da “& etc”, que em 1966 estava na Ulisseia. O editor não só teve dificuldades em conseguir os direitos na Gallimard (estavam congelados pelos brasileiros) como era “politicamente incorrecto” publicar um autor conotado com o anti-semitismo e se dizia que tinha ligações nazis. “Eu sabia isso tudo mas também sabia que se tratava de um gigante da língua francesa”, explica Silva Tavares. E avançou. Mas nada decorreu em águas mansas. Não só o tradutor e editor tiveram atritos e divergências por causa da tradução, como depois de o livro estar publicado foi retirado do mercado pela PIDE.
Como era um autor bem visto pela direita, para Vítor Silva Tavares foi “uma grande surpresa” quando a PIDE “assaltou” a sua editora para confiscar o romance. Só poderia haver uma razão: “‘Viagem ao Fim da Noite’ é um libelo contra a guerra, ao fim e ao cabo é um livro anti-bélico”, diz o editor lembrando que naquela época, 1966, se estava no auge da Guerra Colonial e do ponto de vista político não interessava ao governo de então que as pessoas lessem um livro com esse ponto de vista.
“Quando ‘Viagem ao Fim da Noite’ apareceu foi uma novidade total. Nunca ninguém tinha escrito assim, nunca ninguém tinha violado as regras do francês daquela maneira para fazer a música, ‘la petite musique’, que ele queria. Além de um grande talento que, na minha opinião, nunca mais mostrou a um nível tão alto como nesse livro”, afirma o tradutor Aníbal Fernandes, para quem “Viagem…” tem uma estrutura de romance perfeita.
A mesma opinião tem António Lobo Antunes: o romance é de “uma inovação espantosa” até mesmo ao nível da estrutura. “Parece uma estrutura descuidada e não é.” Considera-a uma obra-prima. “O francês dele é inteiramente novo. Mais tarde Céline disse que a única coisa que tinha descoberto era uma teoria de corantes, que se limitava a colorir as coisas de maneira diferente. O que acho curioso é que ele não tem seguidores.”
Para Lobo Antunes o francês de Céline é de tal maneira pessoal que é impossível de traduzir. “Qualquer tradução de um grande livro é uma fotografia a preto e branco de um quadro. O trabalho do Aníbal Fernandes é sério e é honesto. Simplesmente é impossível traduzir aquilo, uma pessoa fica com uma vaga ideia. A própria novidade radical da linguagem no ano em que aparece, 1932, ainda se mantém hoje novidade radical. Ele reinventa um francês. É impossível dar a extraordinária novidade daquela prosa”, acrescenta.
“Aquilo é tudo uma novidade visceral. Mas depois o que é que o Eduardo [Prado Coelho] dizia? Que a prosa era viscosa, que aquilo era uma coisa horrorosa, nojenta quase comparada a fezes ou a tripas. Não é nada disso. Aqueles livros, toda a obra dele, mesmo os grandes delírios finais, em que ele já estava diminuído, são epopeias líricas.”
“É evidente que Céline teve um comportamento nojento mas aqueles livros, até certo ponto, são quase ficções porque é de tal maneira delirante. A prosa dele - é muito curioso - é um delírio estruturado. Acho que o que ele queria era fazer arte. Depois, claro que teve compromissos de vária ordem. Porque como homem tinha um carácter muito discutível. Mas realmente tem uma obra que não só é única, como é inclassificável. Rompe com todos os padrões até então. Sem dúvida alguma penso que nos franceses, os grandes inovadores do século XX são: Proust, Céline e mais tarde, o Samuel Beckett, do ‘Molloy’”, conclui Lobo Antunes.
Edição de 2010.
N. de páginas: 464. PVP - 22€

Edição de 1983.
N. de páginas: 474.

De pesadelo em pesadelo com Céline até ao fim da noite por José Riço Direitinho



Revista Ípsilon, 19.032010, pp. 19/20.
Clicar nas imagens para aumentar.

17.3.10

Lançamento do livro: Alma, Sonho, Poesia de Fernanda de Castro

No próximo Domingo, dia 21 de Março, pelas 15 horas, nas instalações da Arte na Linha (Av. General Carmona n.º 11, no Estoril), a Fundação António Quadros irá apresentar o livro de uma selecção de poemas da poetisa Fernanda de Castro: Alma, Sonho, Poesia. Gonçalo Sampaio e Mello apresentará a obra, Joana Bonvalot declamará poemas da obra apresentada e as vozes de Maria João Quadros, Gonçalo da Câmara Pereira e José Campos e Sousa interpretarão poemas de Fernanda de Castro e de António Quadros.

N.º de páginas: 72.
PVP: 9 €.

15.3.10

14.3.10

Livro: Memórias de Raul Brandão


Magnífica edição das "Memórias de Raul Brandão", pela Relógio d`Água, em 1999. Ao longo de 276 páginas, Raul Brandão dá-nos o ambiente caótico do fim da Monarquia e o início da bandalheira republicana. PVP - 14€.

10.3.10

Agora, foi de vez!

Pedro Varela detido pelos
Mossos d`Esquadra, em Abril de 2006.
O proprietário da Libreria Europa, Pedro Varela, foi condenado a dois anos e nove meses de prisão por difusão de "ideias genocidas" e "contra os direitos fundamentais". Um ano e três meses por delito de difusão de ideias genocidas e outro ano e meio por atentar contra os direitos fundamentais e as liberdades públicas garantidas pela Constituição.
Foi, igualmente, condenado a pagar uma multa de 2.880€ e à destruição dos livros apreendidos.
Já em 1998, o último presidente do CEDADE, tinha sido condenado a uma pena de cinco anos de prisão mas o Tribunal Constitucional espanhol declarou que a negação do holocausto não era delito.

9.3.10

Fundação António Quadros

A Fundação oficialmente reconhecida pela Presidência do Conselho de Ministros, no dia 8 de Janeiro de 2009, tem por fim o estudo e divulgação do Pensamento e da Obra de António Quadros, de seus pais Fernanda de Castro e António Ferro e, de quaisquer outras personalidades de mérito, bem como a prossecução de acções de carácter cultural, artístico, científico, educativo e social com enfoque nas áreas da cultura popular, literária, histórica, social, e do estudo do pensamento filosófico em Portugal.

Fonte: Fins.

4.3.10

Coisas do Facebook

Exército israelita anula bombardeamento por causa do Facebook

Robert Brasillach e Garcia Lorca por Saint-Paulien

O nosso amigo Mário Casa Nova Martins, n` A Voz Portalegrense, dá-nos mais um exemplo exemplar sobre a mistificação da morte de Frederico Garcia Lorca, qual mártir antifascista da Guerra Civil de Espanha.
No meu arquivo encontrei este brilhante texto de Saint-Paulien, editado no caderno cultural do Diário da Manhã, que reproduzo na íntegra, dando assim o meu singelo contributo para o fim de mais uma mentira
p(r)egada dos antifascistas profissionais!
***
"A obra de Frederico Garcia Lorca é bem conhecida: a televisão, a rádio, as revistas, os jornais têm-na vulgarizado. Pode dizer-se que nenhum poeta contemporâneo beneficiou duma publicidade tão magistralmente orquestrada, pois é notório que Lorca é uma vítima do fascismo.
Mesmo antes de ser possível fazer-se um juízo sobre os poemas de Lorca, ou as suas peças de teatro, Yerma, As Bodas de Sangue, A Casa de Bernarda Alva, é-se prevenido de que não se trata dum escritor como os outros, mas dum mártir da resistência espanhola a Franco; é exigido que aceitemos esse postulado: Vítima do seus ideal socialista - outros dizem comunista - Frederico Garcia Lorca, foi assassinado pelos falangistas, em Granada, a 19 de Agosto de 1936. É, acima de tudo um herói político.
Estes pseudofactos são hoje universalmente admitidos, mas constituem uma mistificação tão prodigiosa como a da Zapatera. Lorca, que não era um militante comunista, não foi de forma alguma vítima das suas ideias políticas. Em Granada, os falangistas não o fuzilaram: esconderam-no, protegeram-no e fizeram todo o possível para o salvar.
Falei com homens de diversas opiniões políticas que conheceram Lorca em Madrid, em Barcelona ou em Granada. Todos são concordes num ponto: Lorca era um indivíduo absolutamente anormal. Filho dum lavrador e duma professora primária, teve de partir para a América na primavera de 1929, «a fim de sair das trevas sentimentais em que se achava». Tinha então trinta e um anos. Cartas de Lorca foram publicadas na Revista de las Indias de Bogotá, e, por Gonzalez Caballero, na Vida, Obra y Muerte de F. Garcia Lorca, publicada em Santiago do Chile em 1938, J. L. Schenberg, que cita algumas passagens destas missivas no seu livro Frederico Garcia Lorca (Paris, 1956), conclui:
«Lendo objectivamente tais cartas, como não descobrir aí a confissão do amor secreto com a vergonha e a resolução de o combater; mas também o testemunho de repulsa que na sociedade cria o vácuo em torno do homossexual... Como não ver finalmente, nestes sofrimentos, conflitos e terrores a razão evidente da fuga para a América?».
O exílio durou pouco. Nos finais de 1931, Lorca dirige La Barraca, espécie de teatro ambulante cuja tradição foi retomada pelo S. E. U. (Sindicato Espanhol Universitário) dos bárbaros falangistas. Lorca é realizador, compositor - como excelente músico -, encenador, actor. O que apresenta? Clássicos espanhóis: Tirso, Lopo, Cervantes. Participa de qualquer forma nas lutas políticas, ou chega a tomar partido, assina alguns manifestos a favor do governo da Frente Popular que subsidia La Barraca? Não. Recusa enfileirar à esquerda. E se tem amigos e parentes desse lado, não lhe faltam do outro, entre os falangistas, cujo chefe, José António, considera o poeta como um dos mestres da juventude espanhola.
Existe uma correspondência entre Lorca e José António e uma carta do pretenso Aragon espanhol ao chefe da Falange começa por «Meu grande amigo». No princípio de 1936 a direcção da Falange oferece a Lorca um posto importante. Ele reserva a sua resposta.
Todos estes pormenores são quase desconhecidos, pelo que não se pode compreender as razões da viagem do poeta a Granada a 16 de Julho de 1936. Partiu de Madrid na companhia do seu amigo Luís Rosales, um dos chefes da Falange de Granada, dirigindo-se primeiro à residência da família, na Huerta San Vicente, depois a Granada, à rua d`Angulo, casa dos Rosales.
Se abandonou Madrid, nessa altura em pleno delírio revolucionário, foi porque pensava estar em perfeita segurança na Andaluzia. Com efeito, desde 10 de Junho que o alcaide de Granada era seu cunhado, o Dr. Manuel Fernandez Montesinos, socialista. Do outro lado, José e António Rosales, irmão de Luís, eram, com Muñoz e Iturriaga, os chefes do movimento falangista, sofrivelmente revolucionário em Granada. Portanto sucedesse o que sucedesse, Lorca julgava-se protegido dos dois lados.
Um dos chefes do movimento nacional de Granada, P. C..., contou-me uma noite, como, a 20 de Julho, Muñoz, Miguel, António e José Rosales, Henrique de Iturriaga, Cecílio Cirre à frente duma centena de homens decididos, se apoderaram da cidade. Os seus adversários dos sindicatos vermelhos tinham tudo para vencer: dinheiro, poder, número. Faltaram-lhe armas, isto é audácia. Os Falangistas - uns quarenta - apoderaram-se das espingardas, metralhadoras e munições com um quarto de hora de avanço. A 10 de Julho, à noite, tinham armado quinhentos homens; a 23 eram cerca de cinco mil, enquadrados, organizados, senhores da cidade. Foi Miguel Rosales que tomou de assalto a colina de Albaícin, onde viviam milhares de ciganos. Os que conhecem Granada, podem imaginar o significado deste feito.
A partir de 28 de Julho, a cidade, nas mãos dos nacionalistas, é cercada pelas forças inimigas. Jaen ao norte, Baeza a oeste, Montril e Málaga ao sul, Leja a leste permanecem em poder dos vermelhos. Queipo Llano, que dispõe em Sevilha de forças ridículas, tem de se contentar com o envio de algumas belas mensagens aos aventureiros granadinos. Três velhos aviões que andam dum lado para o outro, e estafetas trepando a mais de três mil metros para atravessar a Serra Nevada, asseguram uma precária ligação. A 24 de Julho, Rádio-Madrid anuncia que os «fascistas de Granada pediram a rendição». Notícia falsa. Mas a situação dos revoltosos nem por isso deixa de ser crítica. Proclama-se a Lei Marcial. Começa a repressão. É impiedosa. É a guerra civil. Conhecemos o significado desta expressão sinistra. Recordemos André Chenier que, nas Reflexions sur l`Esprit escreveu em Abril de 1791: «Todos os dias algum novo crime, algum novo perigo é pateticamente revelado aos mais crédulos para os ensinar a inquietar, a atormentar à sorte os que lhe são designados como inimigos...».
Contudo Lorca não vai ser escolhido à sorte. Encontrou refúgio em casa dos Rosales, na rua d`Angulo. Esta solução foi preferida a uma evasão que comportava muitos riscos. De resto como teria sido, Lorca acolhido no outro lado?
Na rua d`Angulo, o poeta vive sossegadamente. Trabalha. Compõe a música dum Hino da Falange cuja letra foi escrita por Luís Rosales. É preciso ver aqui nenhuma ideia de salvaguarda pessoal da parte de Lorca, mas sobretudo a vontade de dar a José António, então frente à morte, a resposta que ele pedira.
Julgando encontrar na Andaluzia a paz, eis o autor do Romancero no centro da batalha. Aceitando a hospitalidade dos Rosales, tomou partido.
Que teria acontecido se, nessa noite, os Vermelhos tivessem dominado a cidade? Poder-se-ia pensar que a família Rosales teria sido poupada? Que Lorca, descoberto em casa dos chefes falangistas, não sofreria nada? Tudo o leva a crer que o renegado fosse também considerado fascista e tratado como 110.000 civis espanhóis executados pelos tchekistas e similares.
A Tcheka da direita em Granada chama-se Escuadra Negra. Trata-se, precisa o Boletim de Informações da Direcção-Geral da Imprensa de Madrid (15 de Setembro de 1954) dum bando actuando sob a capa do Movimento - como outros actuaram, por exemplo, sob a capa da Resistência que não só não obedecia a ninguém mas desobedecia às ordens de todos. O chefe desta Esquadra, tão parecida como a famosa Esquadra de Amanhecer dos vermelhos madrilenos, não era outra senão um conselheiro municipal de Granada, deputado democrata-cristão às Cortes, Ramon Ruiz Alonso. Ainda hoje tal personagem permanece envolta em trevas. O que dele se sabe parece provar que se trata dum sinistro indivíduo gozando em Granada da reputação de uranista de segunda ordem.
Eis o retrato que faz de Alonso - «sobre quem dois depoimentos deixam pesar a suspeita de invasão sexual» - Jean Louis Schenberg no seu Lorca.
«O homem, um indivíduo sem escrúpulos, bem constituído, falador, estúpido e ambicioso, tinha-se em tempos vendido a Gil Robles. Era um antigo tipógrafo do jornal granadino El Ideal e, através dele, imbuído de literatura. O partido católico utilizava-o como propaganda para mostrar o seu democratismo. Pelo contrário, José António Primo de Rivera considerava-o pouco. Tinham-lhe posto a alcunha de obrero amestrado, isto é, de operário domesticado».
Assim é o homem que comanda a Escuadra. É um adversário político. É principalmente o instrumento de vingança da ciganada invertida, da liga dos maricas. Verlaine, depois de dois tiros de revólver, corrige o presidente do tribunal que fala de «sodomistas». «Diz-se sodomita, senhor presidente».
Ao fim da tarde de 19 de Agosto, a Escuadra bloqueia a rua d`Angulo. Lorca, no pátio, em pijama, lê o jornal. Nem Luís, nem António, tesoureiro da Falange, nem José Rosales, amigo pessoal e adjunto do governador, o general Valdez estão lá. Onde estão? A cidade, repito-o, encontra-se em estado de sítio. Os Rosales mais velhos acham-se nos locais de combate que nessa tarde lhes foram indicados. Os homens de Ruiz Alonso não têm dificuldade nenhuma em prender Lorca para simples interrogatório. Na verdade prender um homem em pijama que num pátio, lê o jornal fumando um cigarro!
Lorca veste-se, é conduzido perto, à rua de Duqueza, ao Governo Civil, Miguel Rosales, prevenido, discute, protesta, fala ao governador, que lhe promete que Lorca não sofrerá nenhuma violência: trata-se só de o interrogar sobre a situação madrilena. Miguel não é ingénuo, mas que fazer? Está para todos os efeitos sozinho. Como se pôde criticar este rapaz. Ele compreende que não é capaz de tirar Lorca de sarilhos: precisa de encontrar os irmãos, principalmente José, trazê-los em força com outros falangistas ao palácio do governador. Parte.
Disseram-me que nessa noite José Rosales teve de vigiar um local difícil. Miguel só pôde juntar-se ao irmão depois da meia-noite. Quando voltaram do carro à rua de Duqueza, era muito tarde: A Esquadra tinha conduzido Lorca à ravina de Viznar, para lá do caminho da Fonte. Como foi assassinado? Nada se sabe.
Que Lorca persistisse, aos trinta e oito anos, no abominável pecado, não era motivo para o matarem. Bem longe de fuzilarem André Gide, homossexual oportunista e triunfante, atribuiram-lhe o Prémio Nobel.
Sem dúvida, o pretexto da execução de Lorca foi político. Meio cento de rapazes tinham arrancado a cidade aos vermelhos; era preciso que o seu partido não se tornasse muito poderoso. A Falange era e continua a ser considerada por certos políticos do centro e da direita muito suspeita, revolucionária, susceptível de acolher homens vindos de todos os horizontes políticos. Isto é de tal forma verdadeiro que ela foi prontamente adormecida. O programa nacional-sindicalista da Falange é muito mais arrojado do que o dos radicais da Frente Popular. Repetimos também que hoje mal se pode imaginar o eco que teria tido, em 1936, e não apenas em Granada um hino da juventude espanhola composto pelo autor das Bodas de Sangue. A execução de Lorca foi portanto uma parada aceite (e encorajada talvez) pela direita e pela democracia-cristã, sempre caritativas. Para empregar a gíria política, a vasta operação à esquerda preparada pelos falangistas, que, um pouquinho mais inteligentes do que os bispos e certos generais, tinham sido mais rápidos, tornava-se daqui em diante muito mais difícil.
Mas o fulcro do assunto foi um ajuste de contas em nível muito abaixo de sórdido.
É portanto ridículo que se possa dizer que Lorca foi assassinado porque era comunista ou socialista. Que se compare a sua morte à de Robert Brasillach constitui uma blasfémia. «No hay derecho». Não há direito.
É possível comparar a morte de Brasillach e as de José António, da Ramiro de Maetzu, José Maria Albiñana, Muñoz Seca, Victor Pradera, Manuel Bueno, Mateo Milla, Jaime de Aledo, do Padre Ferreres e de uns 40 espanhóis assassinados por causa das suas ideias. Tenho a lista completa. É longa! A maior parte destes homens, antes de morrer, teve tempo de gritar: «Viva a Espanha! Viva Cristo Rei!». São mártires duma ideia. Qualquer que seja o seu talento - e é grande - Lorca não é um deles.
Em qualquer lado, em condições idênticas, excepto em Granada, teria talvez podido escapar. Em Granada, cidadezinha provinciana, austera, que Lorca tinha, não só escandalizado, mas abalado, era impossível. Granada, «cidade púdica e prudente», como ele dizia, tinha-o repelido com desagrado.
Há entre o poeta do Romancero e o poeta do Jugement des Juges um abismo que nada poderá jamais preencher. É preciso dizê-lo neste aniversário do assassinato de Robert Brasillach. Porque se tratou, tanto no Vaznir como em Montrouge, de assassinatos da pior espécie.
Tive o cuidado na narrativa que fiz, de apresentar os factos verificáveis, historicamente provados, que podiam ser decentemente publicados. Julgo preferível esquecer os outros.
Não conheci Lorca mas conheci Robert Brasillach. Tinhamos a mesma idade. Escrevemos nos mesmos jornais, com Thierry Maulnier e J. P. Maxence, por exemplo: falámos mais tarde nas tribunas dos círculos populares franceses, na companhia de Abel Bonnard, Jacques Boulanger, Ramon Fernandez e de alguns outros. Partilhámos o pão e o vinho, a amizade sincera - embora não estivéssemos sempre de acordo - e alguns riscos; porque nos tempos a que me refiro, dizer a verdade custou a vida a mais do que um dos nossos. Brasillach foi meu camarada. Nesta ocasião, tenho o direito e o dever de falar dele.
A sua morte tão clara como a vida. Combateu. A ideologia que defendia foi momentâneamente vencida por conjura fantástica. Foi julgado por esta razão. Perante adversários políticos arvorados em juízes pronunciou estas memoráveis palavras:
«Se vos dissesse que me arrependia do que escrevi, pensariéis todos que era para salvar a pele, e desprezar-me-ieís com todo o direito, posso ter-me enganado quanto aos factos e às pessoas, mas não tenho nada a lamentar quanto à intenção que me fez agir».
Nesta época - Janeiro de 1945 - quando não se julgava o passado, mas o futuro dum combatente de ideias, estas palavras, na boca do acusado, equivaliam para ele a uma sentença de morte. Brasillach não o ignorava.
A grande diferença entre Lorca e Robert Brasillach é que o segundo não é apenas um magnífico poeta, um notável ensaísta, um dos romancista mais comovedores da nossa época. Este grande escritor ocidental é acima de tudo um homem."
Saint-Paulien
In Diário da Manhã, 11/18.02.1965

2.3.10

O Diabo: Entrevista a Riccardo Marchi

«Houve quem achasse excessivamente dura a recensão crítica publicada por ‘O Diabo’ ao seu livro “Império Nação Revolução”, recentemente apresentado ao público
Antes de mais, agradeço a atenção que ‘O Diabo’ prestou à obra, mas gostava de sublinhar, ao lado de algumas verdades, falsidades desnecessárias. É, sem dúvida, verdadeira a existência de erros linguísticos no texto, cuja responsabilidade é só e exclusivamente minha e das minhas lacunas na língua portuguesa, a começar pelo “inaceitável serrar fileiras”, que nem sequer foi um lapso freudiano. Também é verdadeira a presença de “erros factuais”: são os perigos do ofício de historiador, por muito rigor que se use. Os amigos que me ajudaram com os seus testemunhos já me alertaram para isso, mas também referiram a irrelevância dos erros na economia da obra. Não me resta mais que considerá-los uma boa oportunidade para futuros trabalhos “revisionistas”… sempre bem aceites quando rigorosos.

E quanto às críticas mais opinativas?
O meu crítico lamenta a falta de “uma boa introdução sobre o pensamento nacionalista português do século XX”. Esta foi uma escolha metodológica minha. Optei por me concentrar exclusivamente no nacionalismo radical do pós-guerra. O tema, de facto, só por si, oferece pano para mangas para uma investigação que ao ser definida como “superficial” parece-me, no mínimo, pouco generoso, visto o estado da arte em que se encontravam tais estudos. Opinável é também definir o trabalho como “uma monumental maçada cronológica”. Cada leitor, como é óbvio, tem a sua sensibilidade. Certo é que um trabalho de história sobre um período ainda inexplorado não pode eximir-se de uma minuciosa contextualização e colocação temporal dos eventos. Quanto ao facto de o livro resultar “sem alma e sem chama”, posso apenas dizer que eu não sou um romancista, nem um poeta, nem um apologista e que não vivi, nem sequer de longe, os factos narrados, para poder sentir as suas almas e chamas. Para isso servem as obras de memórias, que, pelos vistos, os detentores de almas e chamas deste “tema empolgante” nunca se preocuparam em legar às gerações vindouras. A mim, coube-me apenas relatar as ocorrências, da maneira mais científica possível.

Mas é na parte factual que parecem surgir mais dúvidas…
Sim. O crítico afirma ter eu “enveredado por um estudo cómodo”, com base apenas no material impresso (publicações dos movimentos). É falso. A análise necessária e exaustiva das publicações dos movimentos da direita revolucionária é apenas uma das fontes utilizadas. A reconstrução historiográfica baseia-se, principalmente, nas várias entrevistas realizadas com 25 destacados militantes e dirigentes da direita revolucionária da altura; nos 8 arquivos particulares pertencentes a líderes dos movimentos; nas centenas de pastas (com alguns milhares de documentos) guardadas nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (Salazar, PIDE, Censura, Marcello Caetano, Legião Portuguesa, Ministério da Administração Interna). Tudo rigorosamente registado em notas de rodapé.

A crítica questionava também a opção de fundo de ter iniciado o estudo em 1959...
Esse “mistério” poderia ter sido resolvido com uma sua investigação, esta sim bastante “cómoda”, na internet ou, ainda mais “cómoda”, na bibliografia do livro (página 414). Teria descoberto que, ao mesmo tempo que “Império, Nação, Revolução”, publiquei o livro “Folhas Ultras” (Ed. ICS) que cobre o período 1939-1950, dedicado a Alfredo Pimenta, ao grupo de ‘A Nação’ e também ao grupo da ‘Mensagem’ (Caetano Beirão, Amândio César, António José de Brito). Quanto às “frequentes remissões para trabalhos de autores esquerdistas”, deixe-me dizer, em primeiro lugar, que o “rotulismo” é-me indigesto tanto quando provém de certa cultura antifascista, como de qualquer outra cultura política. Dito isto, as “frequentes remissões” denunciadas, reduzem-se a… duas, em 400 páginas, nomeadamente nas notas de rodapé n.º 1 da página 14 e n.º 2 da página 387. Demasiada esquerda num livro sobre as direitas?

O seu trabalho de investigação sobre os movimentos de Direita em Portugal é, de alguma forma, pioneiro. Porque acha que os investigadores portugueses não se têm dedicado a este campo de estudos?
Posto que os interesses de investigação têm muito a ver com o foro interior de cada investigador, na minha opinião são duas as razões principais que concorreram a alhear a atenção dos cientistas deste campo de estudos. A primeira tem a ver com a relativa proximidade cronológica do regime autoritário que causa ainda uma reductio ad unum de tudo o que é direitas ou nacionalismos à figura de Salazar. Isso esbate a policromia de uma área rica em pensamento político e história dos movimentos e prejudica o seu interesse. A segunda tem a ver com a auto-exclusão, no regime democrático, das direitas e dos nacionalismos do debate das ideias. Tiradas algumas excepções (por exemplo “Futuro Presente” nos anos 80), esta área temeu as contaminações, recusou-se a enxertar as suas raízes com os novos desafios da modernidade e renunciou a produzir novas sínteses. Acabou, assim, por contentar-se em sobreviver no limbo dos “êxules em pátria”, importando amiúde ideias simples cunhadas no estrangeiro para o combate partidário (por sua essência pouco útil à elaboração de princípios com peso). Esta retirada da batalha das ideias contribuiu em afastar os investigadores da procura das raízes profundas desta área. Dito isto, eu não me preocuparia muito com a quantidade de investigações dedicadas ao tema, mas sim com a sua qualidade, muito mais importante para abrir trilhos seguros.

Consultou inúmeros arquivos, particulares e públicos. Ficou surpreendido com a quantidade ou a qualidade dos documentos que teve ao seu dispor?
Fiquei mais surpreendido com a descontinuidade dos documentos, que denota como as direitas radicais do segundo pós-guerra, apesar de sempre presentes, nunca conseguiram (ou nunca procuraram) um projecto orgânico de longa duração. Tratou-se de experiências isoladas, pontuais, amiúde com boa qualidade intelectual, mas efémeras e, por isso, pouco frutíferas do ponto de vista do legado a deixar. Este limite parece-me reproduzir-se também no período democrático.

Encontrou disponibilidade para depor por parte dos muitos participantes nos movimentos de Direita no período de que se ocupa?
Disponibilidade incondicional por parte de muitos, uma certa reticencia por parte de alguns, recusa total de colaboração por parte de poucos, felizmente.

Algumas das pessoas que participaram nesses movimentos encontram-se hoje inseridas na sociedade democrática, e algumas ocupam mesmo cargos de relevo na vida política e social. Sentiu que isso as inibiu de falarem abertamente sobre o seu passado?
Creio que as inibições deveram-se mais ao facto de eu ser estrangeiro. Isso gerou o preconceito, não totalmente injustificado, que dificilmente poderia ter compreendido as razões profundas da militância deles de há 40 anos. Mas devo dizer que também as figuras actualmente com cargos de relevo, foram, no que decidiram contar-me, bastante sinceras, honestas e até orgulhosas das lutas que travaram nos seus 20 anos. Isso não lhes impediu de rever algumas posições e criticar certos limites ínsitos no radicalismo de então, graças à distância cronológica e aos respectivos percursos de maturação intelectual. Gostei dos depoimentos deles e fiquei com a vontade de os interrogar mais a fundo, ultrapassando finalmente as omissões iniciais. Como historiador, e como homem, teria ficado muito mais decepcionado em ouvir uma ladainha de arrependimentos, justificações, mea culpa. Não foi o caso, com nenhum deles.

Sabemos que em breve inaugurará um ‘site’ sobre o tema na Internet. Tenciona continuar a dedicar-se à investigação e à publicação no âmbito da Direita portuguesa?
Sim, o site disponibilizará na internet a documentação original que recolhi no decurso das minhas investigações e tenciona ser um instrumento de trabalho para os futuros investigadores e apaixonados da matéria. Em relação às minhas actuais investigações, dedico-me agora à história das direitas radicais na transição democrática, entre 25 de Abril de 1974 e, sensivelmente, o princípio da década de 80. A este respeito gostava de aproveitar a colaboração de “O Diabo” para lançar uma “operação memória”, convidando todos os leitores que participaram directamente naqueles eventos em contactar-me (riccardo.marchi@ics.ul.pt) para deixar o seu testemunho ou disponibilizar-me o acesso aos seus arquivos particulares. Na minha profissão, “memento” é de facto um imperativo, visto que a reconstrução histórica, assim como a história em si, é sempre uma obra comunitária.»
In O Diabo, n.º 1731, 02.03.2010, págs. 16/17.

Entrevista de Riccardo Marchi ao jornal O Diabo




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A república em perigo!

Sábado, o4.02.2010