15.12.11

Traição em Moçambique - IV

«(…) O que Jorge Jardim desejava era que o novo Governo tivesse metade de elementos da Frelimo e que a outra metade fosse constituída por elementos por si escolhidos entre as forças vivas de Moçambique que nele acreditavam. Fiquei espantado com a sua aceitação dos elementos que tinham aterrorizado populações indefesas durante os últimos dez anos.» (P. 211)
«Mais tarde jantámos com o capitão Vítor Caldeira e pela sua conversa fiquei esclarecido. Tinha-se transformado em mais um apoiante das doutrinas do MFA para Moçambique. Tal como centenas de outros oficiais, apoiava a entrega incondicional do território exclusivamente à Frelimo. Isto podia ser descrito como uma típica atitude dos portugueses. Em determinadas ocasiões revelava-se um povo estranho. Estava preparado para aceitar ideias teóricas sem tomar em consideração as implicações práticas. Os portugueses estavam preparados para se desfazer incondicionalmente de parte do seu país.» (P. 214)
«Enquanto os “libertadores” da Frelimo eram aliciados a avançar em todas as frentes para acelerar a retirada das tropas portuguesas, os seus compagnons de route do MFA, infiltrados nas Forças Armadas, conseguiam desmotivar ainda mais os militares de todas as unidades de tropa “macaca” e mesmo alguns, felizmente que poucos, das tropas especiais. Já era normal os soldados partirem de licença e não regressarem às suas unidades. (…)
Entretanto, os soldados recém-chegados de Lisboa recusavam-se a ir para Zonas Operacionais e chegavam mesmo a coagir os militares de recrutamento local que entravam em “estado de choque”. Muitos deste, de forma desordenada, entregaram armas e restante equipamento militar de maneira a regressarem às suas povoações ou cidades.» «Havia desertores que até regressavam a Lisboa por contra própria! Era o caos completo. O pessoal estava confuso, desorientado, sentia-se traído e, sobretudo, tinha medo do futuro. Os que tinham vindo de Portugal não viam necessidade da sua presença em África. A “temperatura” estava a subir rapidamente e permanecer em Moçambique podia significar uma bala…(Pp. 222/223)

12.12.11

Petição para a manutenção do feriado oficial do 1.º de Dezembro

A Sociedade Histórica da Independência de Portugal já tem online a petição para a manutenção do feriado oficial do 1.º de Dezembro, evocativo da Restauração da Independência de Portugal.

http://www.peticaopublica.com/?pi=SHIP

Traição em Moçambique - III

«(…) No dia anterior estivera em Nampula, com o colega Bruce Loudon do Daily Telegraph de Londres. “É um jornalista muito especial”, disse o Luiz. “Tinha uma ligação bem conhecida com muitos políticos e militares antes do 25 de Abril”. Perguntei-lhe qual seria, agora, o seu relacionamento com o MFA.
- Tens de te lembrar, Giancarlo, que em 1973, quando o Jorge Jardim e os zambianos jogaram a cartada de “Wiriamu”, foi o Bruce Loudon e o fotógrafo francês Patricke “qualquer coisa” que apoiou o plano deles. Lixaram o coronel Videira e outros oficiais superiores mas, mais importante, forçaram o Jaime Neves a colaborar com os revoltosos por este ter sido ameaçado com um Conselho de Guerra no futuro.
- Sim, compreendo. Mas agora o que está o Jorge Jardim a fazer? – perguntei.
- Está no seu ocaso… mas espera um pouco… Toma isto. Trouxe-te alguns papéis “interessantes” para o teu livro.
Era a formação do Gabinete do MFA junto do Comando-Chefe (CC) em Nampula. Dei uma olhadela às cópias que Luiz me entregou. Estava escrito:

A. FUNCIONAMENTO
1. O Gabinete do MFA junto do CC trabalha paralelamente com o CCP (Comissão Coordenadora do Programa)-MFA em íntima coordenação com este e está orientado essencialmente para assuntos de natureza militar.
2. A constituição do Gabinete é a seguinte:
Cap. ten. Rui Pereira Cruz
Ten. Cor. Nuno Alexandra Lousada
Maj. Mário Tomé
Maj. Nuno Mira Vaz
Cap. Aniceto Afonso
3. O Gabinete funciona em regime permanente no Gab. Plan. CCM (…) Nota: o regime permanente é assegurado pela presença de pelo menos um elemento do Gab. (…)
4. Todos os militares podem e devem apresentar sugestões (…)

Assim, na prática, o documento dizia que quem mandava na “guerra” era o MFA.» (Pp. 148/149)



«Durante o jantar, o Luiz compartilhou connosco muitas “novidades quentes”! Disse-nos que os primeiros grupos armados da Frelimo estavam a ser introduzidos por elementos portugueses em muitas localidades isoladas para evitar o receio por parte das populações. Por outro lado, muitos militares portugueses estavam a ir ao mato buscar guerrilheiros que depois transportavam para as pequenas vilas e cidades onde seriam recebidos como heróis da libertação. As Forças Armadas Portuguesas (com excepção das Forças Especiais que se mantiveram em total estado de alerta) deixaram de combater logo em Maio. Pelo contrário, a Frelimo ordenou aos seus combatentes que redobrassem os esforços de continuar a guerra e não aceitassem um cessar-fogo antes do colapso total dos portugueses. Para tentar integrar todas as unidades no “comboio da paz”, a Força Aérea Portuguesa tinha gasto dezenas de horas de voo com a “Operação Panfleto”, deitando milhares de folhetos de papel, montados e impressos pela 5.ª Repartição do QG em Nampula. Nesses folhetos era aclamado o fim da guerra e apoiadas todas as iniciativas de contacto que viessem a estabelecer um clima de paz entre a Frelimo e as Forças Armadas. Havia a esperança que a “guerra do folheto” ajudasse a desmobilizar os combatentes da Frelimo, sendo que a maior quantidade destes impressos fora lançada sobre as chamadas “zonas livres” ou fora de controlo das autoridades administrativas portuguesas. Existiam também rumores de que os aviões utilizados tinham sido abonados com o fogo das anti-aéreas do “ex-inimigo” e que até um dos aviões tivera de fazer uma aterragem de emergência… As principais vítimas deste “ataque” de propaganda eram os próprios militares portugueses, muitos dos quais foram aliciados a deixar-se fotografar ao lado dos frelimos, para benefício dos Serviços de Imprensa e Informações Militares. Os elementos que se apresentavam como representantes da Frelimo pareciam mais modelos de revista de moda quando comparados com os seus irmãos que viviam no mato. Todos eles pareciam ter saído da recepção de um hotel de luxo e vestidos com equipamento nunca antes utilizado e uniformes camuflados de estilo chinês. Tudo polido e a brilhar!
Em Lisboa, os novos chefes da guerra estavam sem dúvida alguma muito contentes com tudo isto! A Frelimo preparava-se para receber as rédeas do país e como tal, devia dar a impressão de estar em condições de o vir a fazer. Do ponto de vista puramente militar, Moçambique estava agora completamente perdido para Portugal.» (Pp 198/199)

9.12.11

Traição em Moçambique - II

«Ainda estava a tentar esquecer-me do cônsul e da carta do Luiz quando um conjunto de fotografias foi reproduzido na primeira página do jornal Notícias de Lourenço Marques do dia 20 de Junho. Na folha laurentina via-se o que se dizia serem “soldados” da Frelimo vindos do mato para apertar a mão aos militares portugueses. Eu tinha conhecimento de que a 5.ª Repartição do QG em Nampula estava directamente envolvida na reprodução das fotografias destes encontros entre pseudo-adversários. Os alferes milicianos do coronel Passos, responsável da APSIC, a Acção Psicológica, estavam eufóricos com este golpe publicitário. Tudo era pré-combinado e envolvia alguns ex-Frelimo que os agentes da DGS diziam ser “guerrilheiros em part time ou “recuperados”. A verdade é que nem mesmo a Frelimo autorizara estes encontros e, além disso, nenhum verdadeiro guerrilheiro se deixaria fotografar com tanta facilidade. Tal seria um salvo-conduto para a sua própria morte!
Esta farsa tão bem montada que, antes de serem apresentados à frente das objectivas, os “pseudofrelos”, como os alferes da APSIC os chamavam, eram devidamente preparados para poderem representar os mais ferozes combatentes do mundo, sorrindo condescentemente para as fotografias tiradas de diferentes ângulos. Sabe-se que a 5.ª Rep. aproveitou várias destas imagens e que depois as espalhou por todas as zonas de combate. Uma coisa era certa: com esta acção de marketing masoquista tinha sido possível desmobilizar muitos dos melhores combatentes. A excepção, dentro dos Comandos, foi a actuação do Mota, que se prestara a tirar as fotografias e que por isso terá sido duramente punido, até com conhecimento do general Costa Gomes mas sem a aprovação consensual da Junta em Lisboa. Porquê Costa Gomes? Sabia-se que em Maio ele tinha enviado a todas as unidades uma nota do CEMGFA que dizia: “Considero todos os militares integrados doravante no Movimento das Forças Armadas”. Poucos notaram que esta inteligente e astuta decisão do general terá sido para diluir a força dos revoltosos. Se todos eram doravante membros do MFA, não havia diferença entre aqueles que, no dia do golpe, estavam ou não estavam com os revolucionários.» (P. 148)

«Falando com alguns doentes, maioritariamente soldados pretos, cheguei à conclusão de que muitos apoiantes da Frelimo não tinham uma opinião precisa sobre o 25 de Abril, muito menos tinham conhecimento do “programa” do MFA ou sequer sabiam quem eram os membros do movimento entre os militares estacionados em Moçambique. Aqui não havia nem bons nem maus. Os militares faziam todos parte da máquina do adversário. O interessante era que enquanto os portugueses iniciavam o “desmoronamento” das suas defesas, Samora Machel incitava os seus homens a levarem a guerra até à “derrota total do inimigo”. Três dias depois das fotografias serem publicadas no Notícias (Domingo, 23 de Junho), Samora Machel repetiu em Dar-es-Salam que o seu objectivo era a independência total de Moçambique; até esta ser conseguida dizia, “a guerra não iria parar”. Claro que a Frelimo nunca aceitaria parar a guerra e ir a votos ou a referendo, como se propunha em Portugal. Os seus dirigentes não eram parvos e queriam receber de bandeja o futuro Governo. Tudo fariam para correrem com os portugueses de Moçambique. “Paz” e “cessar-fogo” foram palavras nunca mencionadas pela liderança da Frelimo nos contactos efectuados com o MFA. Luiz disse-me muitas vezes que quanto menos portugueses ficassem em Moçambique, mais fácil seria para a “escumalha” branca e os comunistas tomarem conta do Governo.
(…) Três meses mais tarde, em Lusaka, o MFA e os governantes de Lisboa desistiram de negociar o que quer que fosse e aceitaram todas as condições impostas pela Frelimo que incluíam um acordo autónomo para Cabora Bassa e um outro, de carácter militar, que exigia que a defesa e segurança de Moçambique fossem asseguradas por Portugal até ao dia marcado para a data da independência, 25 de Junho de 1975! O acordo principal, assinado entre as duas partes na capital da Zâmbia, foi tornado público mas os outros dois, considerados “reservados”, ficaram no segredo dos deuses. Na prática, Machel disse aos portugueses: “Foram vocês que fizeram aquele muro (Cabora Bassa). É vosso, fiquem com ele”. O acordo militar que criou a Comissão Militar Mista foi apenas parcialmente divulgado. Nele, as Forças Armadas Portuguesas eram obrigadas a defender as fronteiras terrestres e marítima moçambicanas de qualquer invasão ou incursão por parte de forças “hostis” à Frelimo. Em mente tinha-se as agressões vindas da África do Sul e da Rodésia. Os acordos “reservados” ditavam que também a segurança interna de Moçambique seria uma responsabilidade de Lisboa.
Até hoje, ninguém foi capaz de compreender como é que o orgulho lusitano se deixou envolver nesta armadilha que, por ironia política, obrigava os portugueses a proteger o antigo inimigo? Na altura em que os Acordos de Lusaka foram firmados era ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal o Dr. Mário Soares. A sua sombra do MFA era o major Ernesto Melo Antunes. Do team faziam também parte: Almeida Santos, Victor Crespo, Almeida Costa e Casanova Ferreira. De Moçambique vieram Antero Sobral, representando o “Governo” e o coronel Nuno Alexandre Lousada, delegado do MFA do QG de Nampula. Todos eles, debaixo dos flashes da imprensa internacional, assinaram por Portugal. Pela Frelimo, “bastou” a assinatura de Samora Machel!» (Pp. 150/151)

5.12.11

Movimento Falcata no 1.º de Dezembro, nos Restauradores

Petição contra a extinção do feriado do 1.º de Dezembro, dia da Restauração de Portugal.

Petição contra a extinção do feriado do 1.º de Dezembro, dia da Restauração de Portugal.

Traição em Moçambique - I

«Nos últimos dias de Maio, a situação em Moçambique agravou-se. Muitos militares recusavam-se a sair para o mato. Não queriam fazer operações ofensivas para não provocar feridos e mortos. Não poucos homens das milícias desertavam com armas ao mesmo tempo que as populações fugiam ao controle das autoridades coloniais. Dezenas de colonos começavam a abandonar Moçambique. A maioria deles fugia para a Rodésia.
Um mês depois do golpe, os soldados pediam à Frelimo para cessar-fogo, sobretudo nas zonas de maior actividade operacional. O poder colonial português estava em derrocada.
Os serviços de informação e de propaganda já não podiam “tapar o sol com a peneira”. Ao mesmo tempo, Aquino de Bragança, conselheiro pessoal de Samora Machel, andava por Lisboa. Aí foi apresentado à figura-chave do golpe: o major Ernesto Melo Antunes. Oficial “anti-colonialista” desde o início dos anos sessenta. Melo Antunes era o poder por detrás do trono e o verdadeiro “cérebro” do golpe. Melo Antunes sabia que era a altura para Portugal acabar com as guerras africanas. Tinha o apoio de muitos… incluindo do general Costa Gomes. Tinha de facto muito mais peso na nova administração portuguesa do que muitos julgavam, e prometeu ao Aquino de Bragança que o Exército não iria mais combater a Frelimo. (…) Na prática, o objectivo era permitir o avanço da Frelimo, dando assim a impressão de que já controlava todo o país. Esta era a razão porque o QG em Nampula tinha dado ordem para as Forças Armadas não abrirem fogo contra as guerrilhas a não ser em caso de legítima defesa. Assim, pode considerar-se que todo o sangue dos soldados mortos depois de Maio, mancham as mãos dos “golpistas”… que nunca dão a cara.» (P. 91)

«Inicialmente, militares como o major Freitas não queriam acreditar na hipótese do general Spínola ser desautorizado por elementos do MFA com ligações ao PCP, o Partido Comunista Português. Mas, em finais de Maio, quando os chefes do Estado Maior dos três ramos das Forças Armadas transmitiram ordens, pouco apropriadas para o momento que se vivia na metrópole e nas províncias ultramarinas, tiveram que aceitar que se tinham enganado redondamente.
As ordens de serviço foram despachadas logo a seguir à partida de Portugal do major Artur Freitas. Embora estas fossem secretas, a maior parte dos oficiais superiores tinha conhecimento do seu teor.
A primeira era a de que as Forças Portuguesas se deviam abater de tomar a iniciativa de ataque à Frelimo. Todos os patrulhamentos dentro das zonas de que eram responsáveis deviam assim cessar. As patrulhas só deviam acontecer por força de uma deslocação dos pontos A para B e com uma missão superiormente pré-definida. As únicas reacções justificadas seriam as baseadas no factor defesa pessoal. Por outras palavras, a Frelimo teria que abrir fogo primeiro para que fossem autorizados a defenderem-se!
As razões por detrás deste volte-face nas instruções dadas eram claras. Para começar, o Governo em Lisboa tinha decidido que a guerra contra a Frelimo iria terminar. Isto acontece menos de um mês após o golpe. Sendo este o caso, os guerrilheiros da Frelimo deviam ser autorizados a penetrar onde desejassem fazê-lo.
Com uma boa dose de apoio na retaguarda em Lisboa, a Frelimo tinha deixado repentinamente de ser o inimigo; era agora o bem-vindo herói da libertação. Havia três importantes políticos que desejavam que Moçambique fosse entregue apenas à Frelimo: Mário Soares, líder dos socialistas; Almeida Santos, ex-laurentino e “socialista independente”, e Álvaro Cunhal, o mais pró-moscovita líder comunista europeu.
Era um dado adquirido que o chefe máximo do comunismo em Lisboa só fazia o que os soviéticos lhe ordenassem. O objectivo dele era retirar Portugal da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e transformar o país num ponto para os soviéticos no flanco ocidental da Europa.
Esta troika lisboeta desejava entregar as colónias aos movimentos nacionalistas pró-soviéticos o mais rapidamente possível e transformar Portugal num servil aliado.» (P. 101/102)