5.12.11

Traição em Moçambique - I

«Nos últimos dias de Maio, a situação em Moçambique agravou-se. Muitos militares recusavam-se a sair para o mato. Não queriam fazer operações ofensivas para não provocar feridos e mortos. Não poucos homens das milícias desertavam com armas ao mesmo tempo que as populações fugiam ao controle das autoridades coloniais. Dezenas de colonos começavam a abandonar Moçambique. A maioria deles fugia para a Rodésia.
Um mês depois do golpe, os soldados pediam à Frelimo para cessar-fogo, sobretudo nas zonas de maior actividade operacional. O poder colonial português estava em derrocada.
Os serviços de informação e de propaganda já não podiam “tapar o sol com a peneira”. Ao mesmo tempo, Aquino de Bragança, conselheiro pessoal de Samora Machel, andava por Lisboa. Aí foi apresentado à figura-chave do golpe: o major Ernesto Melo Antunes. Oficial “anti-colonialista” desde o início dos anos sessenta. Melo Antunes era o poder por detrás do trono e o verdadeiro “cérebro” do golpe. Melo Antunes sabia que era a altura para Portugal acabar com as guerras africanas. Tinha o apoio de muitos… incluindo do general Costa Gomes. Tinha de facto muito mais peso na nova administração portuguesa do que muitos julgavam, e prometeu ao Aquino de Bragança que o Exército não iria mais combater a Frelimo. (…) Na prática, o objectivo era permitir o avanço da Frelimo, dando assim a impressão de que já controlava todo o país. Esta era a razão porque o QG em Nampula tinha dado ordem para as Forças Armadas não abrirem fogo contra as guerrilhas a não ser em caso de legítima defesa. Assim, pode considerar-se que todo o sangue dos soldados mortos depois de Maio, mancham as mãos dos “golpistas”… que nunca dão a cara.» (P. 91)

«Inicialmente, militares como o major Freitas não queriam acreditar na hipótese do general Spínola ser desautorizado por elementos do MFA com ligações ao PCP, o Partido Comunista Português. Mas, em finais de Maio, quando os chefes do Estado Maior dos três ramos das Forças Armadas transmitiram ordens, pouco apropriadas para o momento que se vivia na metrópole e nas províncias ultramarinas, tiveram que aceitar que se tinham enganado redondamente.
As ordens de serviço foram despachadas logo a seguir à partida de Portugal do major Artur Freitas. Embora estas fossem secretas, a maior parte dos oficiais superiores tinha conhecimento do seu teor.
A primeira era a de que as Forças Portuguesas se deviam abater de tomar a iniciativa de ataque à Frelimo. Todos os patrulhamentos dentro das zonas de que eram responsáveis deviam assim cessar. As patrulhas só deviam acontecer por força de uma deslocação dos pontos A para B e com uma missão superiormente pré-definida. As únicas reacções justificadas seriam as baseadas no factor defesa pessoal. Por outras palavras, a Frelimo teria que abrir fogo primeiro para que fossem autorizados a defenderem-se!
As razões por detrás deste volte-face nas instruções dadas eram claras. Para começar, o Governo em Lisboa tinha decidido que a guerra contra a Frelimo iria terminar. Isto acontece menos de um mês após o golpe. Sendo este o caso, os guerrilheiros da Frelimo deviam ser autorizados a penetrar onde desejassem fazê-lo.
Com uma boa dose de apoio na retaguarda em Lisboa, a Frelimo tinha deixado repentinamente de ser o inimigo; era agora o bem-vindo herói da libertação. Havia três importantes políticos que desejavam que Moçambique fosse entregue apenas à Frelimo: Mário Soares, líder dos socialistas; Almeida Santos, ex-laurentino e “socialista independente”, e Álvaro Cunhal, o mais pró-moscovita líder comunista europeu.
Era um dado adquirido que o chefe máximo do comunismo em Lisboa só fazia o que os soviéticos lhe ordenassem. O objectivo dele era retirar Portugal da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e transformar o país num ponto para os soviéticos no flanco ocidental da Europa.
Esta troika lisboeta desejava entregar as colónias aos movimentos nacionalistas pró-soviéticos o mais rapidamente possível e transformar Portugal num servil aliado.» (P. 101/102)

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