9.12.11

Traição em Moçambique - II

«Ainda estava a tentar esquecer-me do cônsul e da carta do Luiz quando um conjunto de fotografias foi reproduzido na primeira página do jornal Notícias de Lourenço Marques do dia 20 de Junho. Na folha laurentina via-se o que se dizia serem “soldados” da Frelimo vindos do mato para apertar a mão aos militares portugueses. Eu tinha conhecimento de que a 5.ª Repartição do QG em Nampula estava directamente envolvida na reprodução das fotografias destes encontros entre pseudo-adversários. Os alferes milicianos do coronel Passos, responsável da APSIC, a Acção Psicológica, estavam eufóricos com este golpe publicitário. Tudo era pré-combinado e envolvia alguns ex-Frelimo que os agentes da DGS diziam ser “guerrilheiros em part time ou “recuperados”. A verdade é que nem mesmo a Frelimo autorizara estes encontros e, além disso, nenhum verdadeiro guerrilheiro se deixaria fotografar com tanta facilidade. Tal seria um salvo-conduto para a sua própria morte!
Esta farsa tão bem montada que, antes de serem apresentados à frente das objectivas, os “pseudofrelos”, como os alferes da APSIC os chamavam, eram devidamente preparados para poderem representar os mais ferozes combatentes do mundo, sorrindo condescentemente para as fotografias tiradas de diferentes ângulos. Sabe-se que a 5.ª Rep. aproveitou várias destas imagens e que depois as espalhou por todas as zonas de combate. Uma coisa era certa: com esta acção de marketing masoquista tinha sido possível desmobilizar muitos dos melhores combatentes. A excepção, dentro dos Comandos, foi a actuação do Mota, que se prestara a tirar as fotografias e que por isso terá sido duramente punido, até com conhecimento do general Costa Gomes mas sem a aprovação consensual da Junta em Lisboa. Porquê Costa Gomes? Sabia-se que em Maio ele tinha enviado a todas as unidades uma nota do CEMGFA que dizia: “Considero todos os militares integrados doravante no Movimento das Forças Armadas”. Poucos notaram que esta inteligente e astuta decisão do general terá sido para diluir a força dos revoltosos. Se todos eram doravante membros do MFA, não havia diferença entre aqueles que, no dia do golpe, estavam ou não estavam com os revolucionários.» (P. 148)

«Falando com alguns doentes, maioritariamente soldados pretos, cheguei à conclusão de que muitos apoiantes da Frelimo não tinham uma opinião precisa sobre o 25 de Abril, muito menos tinham conhecimento do “programa” do MFA ou sequer sabiam quem eram os membros do movimento entre os militares estacionados em Moçambique. Aqui não havia nem bons nem maus. Os militares faziam todos parte da máquina do adversário. O interessante era que enquanto os portugueses iniciavam o “desmoronamento” das suas defesas, Samora Machel incitava os seus homens a levarem a guerra até à “derrota total do inimigo”. Três dias depois das fotografias serem publicadas no Notícias (Domingo, 23 de Junho), Samora Machel repetiu em Dar-es-Salam que o seu objectivo era a independência total de Moçambique; até esta ser conseguida dizia, “a guerra não iria parar”. Claro que a Frelimo nunca aceitaria parar a guerra e ir a votos ou a referendo, como se propunha em Portugal. Os seus dirigentes não eram parvos e queriam receber de bandeja o futuro Governo. Tudo fariam para correrem com os portugueses de Moçambique. “Paz” e “cessar-fogo” foram palavras nunca mencionadas pela liderança da Frelimo nos contactos efectuados com o MFA. Luiz disse-me muitas vezes que quanto menos portugueses ficassem em Moçambique, mais fácil seria para a “escumalha” branca e os comunistas tomarem conta do Governo.
(…) Três meses mais tarde, em Lusaka, o MFA e os governantes de Lisboa desistiram de negociar o que quer que fosse e aceitaram todas as condições impostas pela Frelimo que incluíam um acordo autónomo para Cabora Bassa e um outro, de carácter militar, que exigia que a defesa e segurança de Moçambique fossem asseguradas por Portugal até ao dia marcado para a data da independência, 25 de Junho de 1975! O acordo principal, assinado entre as duas partes na capital da Zâmbia, foi tornado público mas os outros dois, considerados “reservados”, ficaram no segredo dos deuses. Na prática, Machel disse aos portugueses: “Foram vocês que fizeram aquele muro (Cabora Bassa). É vosso, fiquem com ele”. O acordo militar que criou a Comissão Militar Mista foi apenas parcialmente divulgado. Nele, as Forças Armadas Portuguesas eram obrigadas a defender as fronteiras terrestres e marítima moçambicanas de qualquer invasão ou incursão por parte de forças “hostis” à Frelimo. Em mente tinha-se as agressões vindas da África do Sul e da Rodésia. Os acordos “reservados” ditavam que também a segurança interna de Moçambique seria uma responsabilidade de Lisboa.
Até hoje, ninguém foi capaz de compreender como é que o orgulho lusitano se deixou envolver nesta armadilha que, por ironia política, obrigava os portugueses a proteger o antigo inimigo? Na altura em que os Acordos de Lusaka foram firmados era ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal o Dr. Mário Soares. A sua sombra do MFA era o major Ernesto Melo Antunes. Do team faziam também parte: Almeida Santos, Victor Crespo, Almeida Costa e Casanova Ferreira. De Moçambique vieram Antero Sobral, representando o “Governo” e o coronel Nuno Alexandre Lousada, delegado do MFA do QG de Nampula. Todos eles, debaixo dos flashes da imprensa internacional, assinaram por Portugal. Pela Frelimo, “bastou” a assinatura de Samora Machel!» (Pp. 150/151)

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