12.12.11

Traição em Moçambique - III

«(…) No dia anterior estivera em Nampula, com o colega Bruce Loudon do Daily Telegraph de Londres. “É um jornalista muito especial”, disse o Luiz. “Tinha uma ligação bem conhecida com muitos políticos e militares antes do 25 de Abril”. Perguntei-lhe qual seria, agora, o seu relacionamento com o MFA.
- Tens de te lembrar, Giancarlo, que em 1973, quando o Jorge Jardim e os zambianos jogaram a cartada de “Wiriamu”, foi o Bruce Loudon e o fotógrafo francês Patricke “qualquer coisa” que apoiou o plano deles. Lixaram o coronel Videira e outros oficiais superiores mas, mais importante, forçaram o Jaime Neves a colaborar com os revoltosos por este ter sido ameaçado com um Conselho de Guerra no futuro.
- Sim, compreendo. Mas agora o que está o Jorge Jardim a fazer? – perguntei.
- Está no seu ocaso… mas espera um pouco… Toma isto. Trouxe-te alguns papéis “interessantes” para o teu livro.
Era a formação do Gabinete do MFA junto do Comando-Chefe (CC) em Nampula. Dei uma olhadela às cópias que Luiz me entregou. Estava escrito:

A. FUNCIONAMENTO
1. O Gabinete do MFA junto do CC trabalha paralelamente com o CCP (Comissão Coordenadora do Programa)-MFA em íntima coordenação com este e está orientado essencialmente para assuntos de natureza militar.
2. A constituição do Gabinete é a seguinte:
Cap. ten. Rui Pereira Cruz
Ten. Cor. Nuno Alexandra Lousada
Maj. Mário Tomé
Maj. Nuno Mira Vaz
Cap. Aniceto Afonso
3. O Gabinete funciona em regime permanente no Gab. Plan. CCM (…) Nota: o regime permanente é assegurado pela presença de pelo menos um elemento do Gab. (…)
4. Todos os militares podem e devem apresentar sugestões (…)

Assim, na prática, o documento dizia que quem mandava na “guerra” era o MFA.» (Pp. 148/149)



«Durante o jantar, o Luiz compartilhou connosco muitas “novidades quentes”! Disse-nos que os primeiros grupos armados da Frelimo estavam a ser introduzidos por elementos portugueses em muitas localidades isoladas para evitar o receio por parte das populações. Por outro lado, muitos militares portugueses estavam a ir ao mato buscar guerrilheiros que depois transportavam para as pequenas vilas e cidades onde seriam recebidos como heróis da libertação. As Forças Armadas Portuguesas (com excepção das Forças Especiais que se mantiveram em total estado de alerta) deixaram de combater logo em Maio. Pelo contrário, a Frelimo ordenou aos seus combatentes que redobrassem os esforços de continuar a guerra e não aceitassem um cessar-fogo antes do colapso total dos portugueses. Para tentar integrar todas as unidades no “comboio da paz”, a Força Aérea Portuguesa tinha gasto dezenas de horas de voo com a “Operação Panfleto”, deitando milhares de folhetos de papel, montados e impressos pela 5.ª Repartição do QG em Nampula. Nesses folhetos era aclamado o fim da guerra e apoiadas todas as iniciativas de contacto que viessem a estabelecer um clima de paz entre a Frelimo e as Forças Armadas. Havia a esperança que a “guerra do folheto” ajudasse a desmobilizar os combatentes da Frelimo, sendo que a maior quantidade destes impressos fora lançada sobre as chamadas “zonas livres” ou fora de controlo das autoridades administrativas portuguesas. Existiam também rumores de que os aviões utilizados tinham sido abonados com o fogo das anti-aéreas do “ex-inimigo” e que até um dos aviões tivera de fazer uma aterragem de emergência… As principais vítimas deste “ataque” de propaganda eram os próprios militares portugueses, muitos dos quais foram aliciados a deixar-se fotografar ao lado dos frelimos, para benefício dos Serviços de Imprensa e Informações Militares. Os elementos que se apresentavam como representantes da Frelimo pareciam mais modelos de revista de moda quando comparados com os seus irmãos que viviam no mato. Todos eles pareciam ter saído da recepção de um hotel de luxo e vestidos com equipamento nunca antes utilizado e uniformes camuflados de estilo chinês. Tudo polido e a brilhar!
Em Lisboa, os novos chefes da guerra estavam sem dúvida alguma muito contentes com tudo isto! A Frelimo preparava-se para receber as rédeas do país e como tal, devia dar a impressão de estar em condições de o vir a fazer. Do ponto de vista puramente militar, Moçambique estava agora completamente perdido para Portugal.» (Pp 198/199)

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