«Houve quem achasse excessivamente dura a recensão crítica publicada por ‘O Diabo’ ao seu livro “Império Nação Revolução”, recentemente apresentado ao público…
Antes de mais, agradeço a atenção que ‘O Diabo’ prestou à obra, mas gostava de sublinhar, ao lado de algumas verdades, falsidades desnecessárias. É, sem dúvida, verdadeira a existência de erros linguísticos no texto, cuja responsabilidade é só e exclusivamente minha e das minhas lacunas na língua portuguesa, a começar pelo “inaceitável serrar fileiras”, que nem sequer foi um lapso freudiano. Também é verdadeira a presença de “erros factuais”: são os perigos do ofício de historiador, por muito rigor que se use. Os amigos que me ajudaram com os seus testemunhos já me alertaram para isso, mas também referiram a irrelevância dos erros na economia da obra. Não me resta mais que considerá-los uma boa oportunidade para futuros trabalhos “revisionistas”… sempre bem aceites quando rigorosos.
E quanto às críticas mais opinativas?
O meu crítico lamenta a falta de “uma boa introdução sobre o pensamento nacionalista português do século XX”. Esta foi uma escolha metodológica minha. Optei por me concentrar exclusivamente no nacionalismo radical do pós-guerra. O tema, de facto, só por si, oferece pano para mangas para uma investigação que ao ser definida como “superficial” parece-me, no mínimo, pouco generoso, visto o estado da arte em que se encontravam tais estudos. Opinável é também definir o trabalho como “uma monumental maçada cronológica”. Cada leitor, como é óbvio, tem a sua sensibilidade. Certo é que um trabalho de história sobre um período ainda inexplorado não pode eximir-se de uma minuciosa contextualização e colocação temporal dos eventos. Quanto ao facto de o livro resultar “sem alma e sem chama”, posso apenas dizer que eu não sou um romancista, nem um poeta, nem um apologista e que não vivi, nem sequer de longe, os factos narrados, para poder sentir as suas almas e chamas. Para isso servem as obras de memórias, que, pelos vistos, os detentores de almas e chamas deste “tema empolgante” nunca se preocuparam em legar às gerações vindouras. A mim, coube-me apenas relatar as ocorrências, da maneira mais científica possível.
Mas é na parte factual que parecem surgir mais dúvidas…
Sim. O crítico afirma ter eu “enveredado por um estudo cómodo”, com base apenas no material impresso (publicações dos movimentos). É falso. A análise necessária e exaustiva das publicações dos movimentos da direita revolucionária é apenas uma das fontes utilizadas. A reconstrução historiográfica baseia-se, principalmente, nas várias entrevistas realizadas com 25 destacados militantes e dirigentes da direita revolucionária da altura; nos 8 arquivos particulares pertencentes a líderes dos movimentos; nas centenas de pastas (com alguns milhares de documentos) guardadas nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (Salazar, PIDE, Censura, Marcello Caetano, Legião Portuguesa, Ministério da Administração Interna). Tudo rigorosamente registado em notas de rodapé.
Antes de mais, agradeço a atenção que ‘O Diabo’ prestou à obra, mas gostava de sublinhar, ao lado de algumas verdades, falsidades desnecessárias. É, sem dúvida, verdadeira a existência de erros linguísticos no texto, cuja responsabilidade é só e exclusivamente minha e das minhas lacunas na língua portuguesa, a começar pelo “inaceitável serrar fileiras”, que nem sequer foi um lapso freudiano. Também é verdadeira a presença de “erros factuais”: são os perigos do ofício de historiador, por muito rigor que se use. Os amigos que me ajudaram com os seus testemunhos já me alertaram para isso, mas também referiram a irrelevância dos erros na economia da obra. Não me resta mais que considerá-los uma boa oportunidade para futuros trabalhos “revisionistas”… sempre bem aceites quando rigorosos.
E quanto às críticas mais opinativas?
O meu crítico lamenta a falta de “uma boa introdução sobre o pensamento nacionalista português do século XX”. Esta foi uma escolha metodológica minha. Optei por me concentrar exclusivamente no nacionalismo radical do pós-guerra. O tema, de facto, só por si, oferece pano para mangas para uma investigação que ao ser definida como “superficial” parece-me, no mínimo, pouco generoso, visto o estado da arte em que se encontravam tais estudos. Opinável é também definir o trabalho como “uma monumental maçada cronológica”. Cada leitor, como é óbvio, tem a sua sensibilidade. Certo é que um trabalho de história sobre um período ainda inexplorado não pode eximir-se de uma minuciosa contextualização e colocação temporal dos eventos. Quanto ao facto de o livro resultar “sem alma e sem chama”, posso apenas dizer que eu não sou um romancista, nem um poeta, nem um apologista e que não vivi, nem sequer de longe, os factos narrados, para poder sentir as suas almas e chamas. Para isso servem as obras de memórias, que, pelos vistos, os detentores de almas e chamas deste “tema empolgante” nunca se preocuparam em legar às gerações vindouras. A mim, coube-me apenas relatar as ocorrências, da maneira mais científica possível.
Mas é na parte factual que parecem surgir mais dúvidas…
Sim. O crítico afirma ter eu “enveredado por um estudo cómodo”, com base apenas no material impresso (publicações dos movimentos). É falso. A análise necessária e exaustiva das publicações dos movimentos da direita revolucionária é apenas uma das fontes utilizadas. A reconstrução historiográfica baseia-se, principalmente, nas várias entrevistas realizadas com 25 destacados militantes e dirigentes da direita revolucionária da altura; nos 8 arquivos particulares pertencentes a líderes dos movimentos; nas centenas de pastas (com alguns milhares de documentos) guardadas nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (Salazar, PIDE, Censura, Marcello Caetano, Legião Portuguesa, Ministério da Administração Interna). Tudo rigorosamente registado em notas de rodapé.
Esse “mistério” poderia ter sido resolvido com uma sua investigação, esta sim bastante “cómoda”, na internet ou, ainda mais “cómoda”, na bibliografia do livro (página 414). Teria descoberto que, ao mesmo tempo que “Império, Nação, Revolução”, publiquei o livro “Folhas Ultras” (Ed. ICS) que cobre o período 1939-1950, dedicado a Alfredo Pimenta, ao grupo de ‘A Nação’ e também ao grupo da ‘Mensagem’ (Caetano Beirão, Amândio César, António José de Brito). Quanto às “frequentes remissões para trabalhos de autores esquerdistas”, deixe-me dizer, em primeiro lugar, que o “rotulismo” é-me indigesto tanto quando provém de certa cultura antifascista, como de qualquer outra cultura política. Dito isto, as “frequentes remissões” denunciadas, reduzem-se a… duas, em 400 páginas, nomeadamente nas notas de rodapé n.º 1 da página 14 e n.º 2 da página 387. Demasiada esquerda num livro sobre as direitas?
O seu trabalho de investigação sobre os movimentos de Direita em Portugal é, de alguma forma, pioneiro. Porque acha que os investigadores portugueses não se têm dedicado a este campo de estudos?
Posto que os interesses de investigação têm muito a ver com o foro interior de cada investigador, na minha opinião são duas as razões principais que concorreram a alhear a atenção dos cientistas deste campo de estudos. A primeira tem a ver com a relativa proximidade cronológica do regime autoritário que causa ainda uma reductio ad unum de tudo o que é direitas ou nacionalismos à figura de Salazar. Isso esbate a policromia de uma área rica em pensamento político e história dos movimentos e prejudica o seu interesse. A segunda tem a ver com a auto-exclusão, no regime democrático, das direitas e dos nacionalismos do debate das ideias. Tiradas algumas excepções (por exemplo “Futuro Presente” nos anos 80), esta área temeu as contaminações, recusou-se a enxertar as suas raízes com os novos desafios da modernidade e renunciou a produzir novas sínteses. Acabou, assim, por contentar-se em sobreviver no limbo dos “êxules em pátria”, importando amiúde ideias simples cunhadas no estrangeiro para o combate partidário (por sua essência pouco útil à elaboração de princípios com peso). Esta retirada da batalha das ideias contribuiu em afastar os investigadores da procura das raízes profundas desta área. Dito isto, eu não me preocuparia muito com a quantidade de investigações dedicadas ao tema, mas sim com a sua qualidade, muito mais importante para abrir trilhos seguros.
Consultou inúmeros arquivos, particulares e públicos. Ficou surpreendido com a quantidade ou a qualidade dos documentos que teve ao seu dispor?
Fiquei mais surpreendido com a descontinuidade dos documentos, que denota como as direitas radicais do segundo pós-guerra, apesar de sempre presentes, nunca conseguiram (ou nunca procuraram) um projecto orgânico de longa duração. Tratou-se de experiências isoladas, pontuais, amiúde com boa qualidade intelectual, mas efémeras e, por isso, pouco frutíferas do ponto de vista do legado a deixar. Este limite parece-me reproduzir-se também no período democrático.
Encontrou disponibilidade para depor por parte dos muitos participantes nos movimentos de Direita no período de que se ocupa?
Disponibilidade incondicional por parte de muitos, uma certa reticencia por parte de alguns, recusa total de colaboração por parte de poucos, felizmente.
Algumas das pessoas que participaram nesses movimentos encontram-se hoje inseridas na sociedade democrática, e algumas ocupam mesmo cargos de relevo na vida política e social. Sentiu que isso as inibiu de falarem abertamente sobre o seu passado?
Creio que as inibições deveram-se mais ao facto de eu ser estrangeiro. Isso gerou o preconceito, não totalmente injustificado, que dificilmente poderia ter compreendido as razões profundas da militância deles de há 40 anos. Mas devo dizer que também as figuras actualmente com cargos de relevo, foram, no que decidiram contar-me, bastante sinceras, honestas e até orgulhosas das lutas que travaram nos seus 20 anos. Isso não lhes impediu de rever algumas posições e criticar certos limites ínsitos no radicalismo de então, graças à distância cronológica e aos respectivos percursos de maturação intelectual. Gostei dos depoimentos deles e fiquei com a vontade de os interrogar mais a fundo, ultrapassando finalmente as omissões iniciais. Como historiador, e como homem, teria ficado muito mais decepcionado em ouvir uma ladainha de arrependimentos, justificações, mea culpa. Não foi o caso, com nenhum deles.
Sabemos que em breve inaugurará um ‘site’ sobre o tema na Internet. Tenciona continuar a dedicar-se à investigação e à publicação no âmbito da Direita portuguesa?
Sim, o site disponibilizará na internet a documentação original que recolhi no decurso das minhas investigações e tenciona ser um instrumento de trabalho para os futuros investigadores e apaixonados da matéria. Em relação às minhas actuais investigações, dedico-me agora à história das direitas radicais na transição democrática, entre 25 de Abril de 1974 e, sensivelmente, o princípio da década de 80. A este respeito gostava de aproveitar a colaboração de “O Diabo” para lançar uma “operação memória”, convidando todos os leitores que participaram directamente naqueles eventos em contactar-me (riccardo.marchi@ics.ul.pt) para deixar o seu testemunho ou disponibilizar-me o acesso aos seus arquivos particulares. Na minha profissão, “memento” é de facto um imperativo, visto que a reconstrução histórica, assim como a história em si, é sempre uma obra comunitária.»
O seu trabalho de investigação sobre os movimentos de Direita em Portugal é, de alguma forma, pioneiro. Porque acha que os investigadores portugueses não se têm dedicado a este campo de estudos?
Posto que os interesses de investigação têm muito a ver com o foro interior de cada investigador, na minha opinião são duas as razões principais que concorreram a alhear a atenção dos cientistas deste campo de estudos. A primeira tem a ver com a relativa proximidade cronológica do regime autoritário que causa ainda uma reductio ad unum de tudo o que é direitas ou nacionalismos à figura de Salazar. Isso esbate a policromia de uma área rica em pensamento político e história dos movimentos e prejudica o seu interesse. A segunda tem a ver com a auto-exclusão, no regime democrático, das direitas e dos nacionalismos do debate das ideias. Tiradas algumas excepções (por exemplo “Futuro Presente” nos anos 80), esta área temeu as contaminações, recusou-se a enxertar as suas raízes com os novos desafios da modernidade e renunciou a produzir novas sínteses. Acabou, assim, por contentar-se em sobreviver no limbo dos “êxules em pátria”, importando amiúde ideias simples cunhadas no estrangeiro para o combate partidário (por sua essência pouco útil à elaboração de princípios com peso). Esta retirada da batalha das ideias contribuiu em afastar os investigadores da procura das raízes profundas desta área. Dito isto, eu não me preocuparia muito com a quantidade de investigações dedicadas ao tema, mas sim com a sua qualidade, muito mais importante para abrir trilhos seguros.
Consultou inúmeros arquivos, particulares e públicos. Ficou surpreendido com a quantidade ou a qualidade dos documentos que teve ao seu dispor?
Fiquei mais surpreendido com a descontinuidade dos documentos, que denota como as direitas radicais do segundo pós-guerra, apesar de sempre presentes, nunca conseguiram (ou nunca procuraram) um projecto orgânico de longa duração. Tratou-se de experiências isoladas, pontuais, amiúde com boa qualidade intelectual, mas efémeras e, por isso, pouco frutíferas do ponto de vista do legado a deixar. Este limite parece-me reproduzir-se também no período democrático.
Encontrou disponibilidade para depor por parte dos muitos participantes nos movimentos de Direita no período de que se ocupa?
Disponibilidade incondicional por parte de muitos, uma certa reticencia por parte de alguns, recusa total de colaboração por parte de poucos, felizmente.
Algumas das pessoas que participaram nesses movimentos encontram-se hoje inseridas na sociedade democrática, e algumas ocupam mesmo cargos de relevo na vida política e social. Sentiu que isso as inibiu de falarem abertamente sobre o seu passado?
Creio que as inibições deveram-se mais ao facto de eu ser estrangeiro. Isso gerou o preconceito, não totalmente injustificado, que dificilmente poderia ter compreendido as razões profundas da militância deles de há 40 anos. Mas devo dizer que também as figuras actualmente com cargos de relevo, foram, no que decidiram contar-me, bastante sinceras, honestas e até orgulhosas das lutas que travaram nos seus 20 anos. Isso não lhes impediu de rever algumas posições e criticar certos limites ínsitos no radicalismo de então, graças à distância cronológica e aos respectivos percursos de maturação intelectual. Gostei dos depoimentos deles e fiquei com a vontade de os interrogar mais a fundo, ultrapassando finalmente as omissões iniciais. Como historiador, e como homem, teria ficado muito mais decepcionado em ouvir uma ladainha de arrependimentos, justificações, mea culpa. Não foi o caso, com nenhum deles.
Sabemos que em breve inaugurará um ‘site’ sobre o tema na Internet. Tenciona continuar a dedicar-se à investigação e à publicação no âmbito da Direita portuguesa?
Sim, o site disponibilizará na internet a documentação original que recolhi no decurso das minhas investigações e tenciona ser um instrumento de trabalho para os futuros investigadores e apaixonados da matéria. Em relação às minhas actuais investigações, dedico-me agora à história das direitas radicais na transição democrática, entre 25 de Abril de 1974 e, sensivelmente, o princípio da década de 80. A este respeito gostava de aproveitar a colaboração de “O Diabo” para lançar uma “operação memória”, convidando todos os leitores que participaram directamente naqueles eventos em contactar-me (riccardo.marchi@ics.ul.pt) para deixar o seu testemunho ou disponibilizar-me o acesso aos seus arquivos particulares. Na minha profissão, “memento” é de facto um imperativo, visto que a reconstrução histórica, assim como a história em si, é sempre uma obra comunitária.»
In O Diabo, n.º 1731, 02.03.2010, págs. 16/17.
1 comentário:
Muito bom.
Ouvi dizer que vai ser lançado a médio prazo um livro sobre o pós 25 de abril. nacionalistas, ns´s. etc..
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