28.6.10

António Manuel Couto Viana – Breve evocação de António José de Brito

António Manuel Couto Viana – Breve evocação


A 8 de Junho do presente mês, a nossa socrática e admirável televisão noticiou secamente “faleceu o poeta António Manuel Couto Viana”. Há mais de dez dias que não conseguia comunicar com ele, sabendo-o internado no eficiente (em especial, em oftalmologia) Hospital de Santa Maria. Claro que a esperança é sempre a última coisa a desaparecer, mas temia imenso um desenlace fatal. Que infelizmente se verificou. O meu coração e a minha mente tombaram numa imensa tristeza. A memória recuou dezenas de anos, recordando os tempos alegres em que o conheci. Chamado a prestar serviço militar em Mafra, no começo de Agosto, todos os fins de semana corria até Lisboa, que ia aprendendo a conhecer e a amar.
Lisboa, ao contrário do que dizem agora alguns imbecis, não era, nessa altura, uma cidade sombria, cinzenta, cujas mulheres trajavam de negro ou escuro, vivendo toda a gente num pesado ambiente de terror sob a facinorosa opressão da PIDE. Ao invés, ressumava despreocupação e alegria, com uma luminosidade belíssima, raparigas encantadoras de vestidos claros (principalmente de Verão), em que toda a gente circulava ligeira e desembaraçada. Os turistas maravilhavam-se com as nossas deambulações por Alfama, por exemplo, a altas horas da noite, e confidenciavam-nos como era bom verem-se livres das greves e das desordens.
Em vários cafés reuniam-se grupos dos chamados intelectuais. Os comunistas com Ferreira de Castro, Leão Penedos e outros, entre os quais Franco Nogueira, frequentavam o Avenida; na Brasileira do Chiado, via-se de uma maneira geral, a oposição clássica; no Gelo, estavam os surrealistas; e no Martinho, frente à estação do Rossio (não confundir com o Martinho da Arcada) apareciam Couto Viana, David Mourão-Ferreira e mais uns tantos, predominantemente do grupo da
Távola Redonda.
O poeta Júlio Evangelista, nesses tempos meu bom amigo – distanciamo-nos, depois, devido aos seus entusiasmos marcelistas – que também cumpria o seu serviço militar em Mafra, uma tarde levou-me ao Martinho e apresentou-me a António Manuel Couto Viana. Este acolheu com a sua habitual gentileza o modesto escrevinhador na “folhas ultras” que era eu – veja-se sobre o assunto o excelente livro de Riccardo Marchi com esse título –. Surgiu, então, uma amizade que se prolongou até aos dias de hoje. Couto Viana, destacando-se sempre como altíssimo vulto da nossa literatura com uma personalidade múltipla, para além de grande poeta, era crítico literário, contista, actor, declamador, desenhista e, até especialista em gastronomia.
Pelo meu lado, lenta e penosamente, cheguei a obscuro catedrático de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, continuando sempre o ultra que fora na minha juventude e hei-de continuar a ser até à morte.
Regressado a Coimbra, concluído o curso e o chamado Sexto Ano (hoje Mestrado), embarcamos ambos, capitaneados por Fernando Guedes, ao lado de Goulart Nogueira e de Caetano de Mello Beirão, na aventura da revista “Tempo Presente”, claramente fascistizante, escandalizando os conservadores e a esquerda que se proclamava progressista e repetia, incriticamente, os velhíssimos lugares comuns de 1789 e do marxismo. Sem ressentimentos nem invejas, juntaram-se a nós, firmemente, o Amândio César e o Carlos Eduardo de Soveral.
“Tempo Presente” conseguiu influenciar alguns elementos da juventude académica lisboeta e coimbrã. Por triste coincidência veio a desaparecer na altura da vergonha de Goa, em que o exército português mostrou, claramente, não querer sacrificar-se por honra da bandeira, - atitude aplaudidíssima mais tarde pelos abrilinos.
Nos tempos marcello-caetanistas, Couto Viana seguia com preocupação os acontecimentos.
E, finalmente, a grande catástrofe sobreveio. A ignomínia tornou-se regra, a traição era aclamada por princípio. Foi o “fim histórico de Portugal” na expressão de Amorim de Carvalho, a sua substituição por um rectângulo anárquico em que multidões alucinadas só pensavam em proveitos e conveniências. Nessa altura trágica, uma mutação se verifica em Couto Viana. Perante a espécie de exaltado suicídio colectivo uma transformação na sua obra poética se deu. Todo o seu ser se revoltou, desde a mais íntima raiz, e a sua poesia passou a ser de protesto militante unindo, à sua perene perfeição formal, um cunho veemente de indignação e fervor sem limites. Ele, até aí, alinhava obviamente no sector nacionalista, mas era predominante lírico-intimista. Depois, perante uma abjecção generalizada que se arvorava em salvação genial não pôde conter a sua repulsa e condenação.
Mal Manuel Maria Múrias saiu das “prisões da liberdade” e, indomável como sempre, lançou a público um semanário contra o statu quo. Couto Viana logo o acompanhou calorosamente acompanhado por Goulart Nogueira e por mim - últimos vestígios de “Tempo Presente” -.
As pequenas reacções contra o triunfo da Anti-Nação pouco a pouco foram desaparecendo. Couto Viana que nunca falhava ao jantar comemorativo do 28 de Maio, em Lavadores, no restaurante Casa Branca, partiu para uma longa estadia em Macau que acabou, com as desonras da praxe, por ser entregue à China comunista.
No cinquentenário da morte do inesquecível Mestre Alfredo Pimenta, Couto Viana foi um dos conferencistas. Os restantes, se a memória me não falha, além de mim próprio, eram Goulart Nogueira, Ruy Alvim, Rodrigo Emílio, Carlos Eduardo de Soveral e Pinharanda Gomes. A sessão teve lugar na Sociedade Histórica da Independência de Portugal.
Eu ia mantendo com mais ou menos frequência os meus contactos com Couto Viana, sempre activo em inesgotáveis trabalhos.
Veio o momento em que por desgraça teve de ser amputado. As nossas relações estreitaram-se. Passamos momentos divertidos, rindo para não termos de chorar com o estado do rectângulo que fora Portugal chegara. Lembrávamos os personagens do Eça de Queiroz – o solene Acácio, o Pacheco imortal, o conselheiro Gama Torres (ele há muitas questões, questões terríveis), o Conde de Gouvarinho e concluíamos que afinal a realidade excedia a ficção. Eça não foi capaz de inventar o Sr. Sócrates de Sousa a falar um castelhano, a fazer exames ao Domingo (há alguma lei que o proíba?), o Durão Barroso – o Cherne – a achar que o PEC estava perfeito e depois a exigir-lhe mudanças, com o Sr. Sampaio em êxtase saloio o Palácio do Oriente, o Sr. Mário Lino a proclamar o Alentejo um deserto e outros geniais vultos. Nem Eça, nem Dickens, nem os grandes humoristas europeus. Só Abril era capaz de gerar tão geniais figuras que ofuscavam as do Grão Ducado de Gerolstein de Offenbach.
Com grande força de ânimo, Couto Viana, bradava que tinha ainda muito que fazer, que o esperavam novas criações. Eu só fazia votos para que tivesse razão. Ai de mim, enganei-me.
Velho amigo, deixaste este mundo repelente e ascendeste ao Panteão dos Poetas Imortais e das mais ricas naturezas artísticas nascidas no Portugal que foi.
Eu continuo por cá, não sei por quanto tempo – espero que pouco – contemplando com serenidade – já nada me espanta – a imensa Legião dos Vira Casacas, dos ignorantes que se proclamam e são proclamados sábios, dos agentes da CIA que se arvoram em mestres do nacionalismo, dos vigaristas transformados em grandes jornalistas, dos chicos-espertos que garantem salvar a pátria em dois tempos e três movimentos.
Mas tu que és poeta, e dos autênticos e grande poetas, sabes que a serenidade rima com fidelidade. Por isso, entre os turbilhões dos erros e disparates continuo fiel à Verdade.
Fascista me mantenho porque fascista e porque fascista monárquico a sério, desdenhando as pseudo-realezas à sueca, à espanhola, ou à U.K.
Persisto em venerar a memória dos chefes que aqueles que os exalçavam ontem, hoje cobrem de insultos e ignomínias – Mussolini, o Führer, Franco e porque não Salazar, que não era a perfeição das perfeições mas tinha o sentido da Honra e da Grandeza.
Evidentemente, me mantenho anti-democrático, anti-liberal, anti-marxista, rindo-me com gosto dos esforços de “pensadores” da moda contorcendo-se para encobrirem as imensas contradições dessas velhas doutrinas.
E, claro, não acredito nem um bocadinho no dogma do holocausto com os seus “milhões” de vítimas a subirem e a baixarem à vontade do freguês. Dogma, sim, porque imposto com penalidades a quem o discutir. A Incarnação, a Trindade, a existência de Deus podem toda a gente as contestar sem perigo. Ai de quem se atreve a pôr em causa o holocausto. Repete-se que em História há permanentes revisões, que não há nada de definitivo, de absoluto. Mas quando se chega ao holocausto repentinamente não se pode dizer uma palavra de dúvida. Estamos perante algo de sobrenatural? Quanto mais querem que o aceite de olhos fechados menos inclinado me sinto a considerá-lo uma certeza.
Sou um permanente descrente, meu velho amigo Couto Viana, dessa religião que nos impõem.
É a altura de acabar.
Adeus Couto Viana. Ou, com mais exactidão, até breve.

António José de Brito
In O Diabo, págs.10/11, 22.06.2010
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2 comentários:

José Lima disse...

Espectacular a imagem de Couto Viana em Veneza! Parece um desenho de Hugo Pratt! Quem é o autor dela?

nonas disse...

Chama-se Carlos Barradas e é português.