14.8.07

Carlos Eduardo de Soveral: testemunho de A. J. Brito

CARLOS EDUARDO DE SOVERAL

As minhas relações com Carlos Eduardo de Soveral datam de umas boas dezenas de anos, quando fui a Lisboa repetir, no Centro Nacional de Cultura, uma conferência que fizera em Coimbra sobre a “Essência da Monarquia”.
O ambiente era tenso. A maior parte dos assistentes, que se diziam “integralistas” (mas não o eram a sério), preparavam-se para me acolher do pior modo, embebidos como estavam dos absurdos preconceitos neo-liberais, personalistas, anti-totalitários, democrafizantes. Quando terminei a minha modesta palestra houve um silêncio. E foi, nessa altura, que Carlos Eduardo de Soveral se ergueu mostrando a sua concordância e aprovação.
Eu já lera trabalhos seus mas nunca travara conhecimento com ele. Só nessa altura é que o vi em carne y hueso como diria Unamuno. Nasceu, então, uma longa e duradoura amizade até ao trágico momento em que a morte o veio chamar (07-08-2007).
Carlos Eduardo de Soveral era dotado de raras qualidades. Poucos possuíam dotes tão intelectuais em tão elevado grau. Em primeiro lugar, dispunha de uma surpreendente eloquência natural e espontânea. Um empregado de restaurante ficava encantado a ouvi-lo (ainda há poucas semanas no Gambamar, no Porto, me perguntavam se ainda vivia aquele senhor com quem às vezes eu almoçava e que falava tão bem) e tanto quanto um aluno na Faculdade ou um escritor ou um colega docente. Um destes, apesar de ideologicamente nos antípodas, não deixava de aludir, várias vezes, ao brilho das suas lições, que escutara enquanto discente.
Depois, Carlos Eduardo de Soveral escrevia num estilo primoroso, de índole erudita e culta. Não há página dele que não ostente um toque de distinção e apuramento.
Neste triste rectângulo, em que é regra redigir mal, a começar pelo celebrado Prémio Nobel, Saramago, ficamos a dever a Soveral lições de bom e escorreito português, em poesia e prosa.
E que dizer do Saber que perpassa pelos seus cerca de trinta volumes? Carlos Eduardo de Soveral conhecia os nossos clássicos e os do país vizinho de modo aprofundado. Leitor em Barcelona, Salamanca e Santiago de Compostela, dominava primorosamente a cultura espanhola contemporânea, deixando-nos o seu testemunho acerca da mesma numa série de saborosíssimas crónicas com o pseudónimo de Jaume Lloset. A Psicologia, a Sociologia, as novas ciências, a História, a Filosofia eram-lhe familiares. Neste derradeiro domínio patenteava uma forte influência do Mestre Ortega y Gasset que tanto estimava, ainda que substituísse o rácio-vitalismo por um espiritualismo vitalista, de coloração católica.
Mas, acima de tudo isto, legou-nos a lição de um indefectível, intransigente patriotismo, pelo qual, hoje em dia, paga o preço costumado – a condenação a ser silenciado e ignorado.
Tendo começado a vida intelectual ao lado de alguns membros da chamada terceira geração do Integralismo (melhor seria dizer do ex-integralismo) Soveral, quando viu que aqueles estavam a alinhar com os que se dedicavam ao desmembramento da Nação, não hesitou em romper com eles. E esteve no 7 de Setembro, em Moçambique, no protesto contra os que queriam entregar essa nossa província ultramarina aos marxistas da Frelimo. Teve, depois do fracasso desse movimento de exilar-se para a África do Sul onde trabalhou manualmente para sustentar-se e aos seus. Quando conseguiu reformar-se – com uma bem modesta pensão – não quis mais viver no rectângulo anárquico a que os vencedores do 25A reduziram o que foi Portugal. E fixou-se, julgou que definitivamente, em Bayona, na Galiza. A desvalorização do escudo obrigou-o, a contagosto e com desgosto, a retornar a este canto da Ibéria, onde viveu uma existência de exilado do interior, tal como eu o sou, também. O que não quer dizer que se remetesse ao silêncio. Ao invés, continuou a repudiar a infâmia e a traição nos livros publicados por uma pequena editora, que resolveu acolhê-lo.
As grandes massas e os novos senhores, que as exploram, impudicamente, desconhecem os seus trabalhos, tão valiosos. Não importa, Soveral optara, firme e intolerantemente, pela fidelidade que era a sua honra. Por isso, o saudamos com o belo grito da Falange Española, que ele tanto admirava e amava: Carlos Eduardo de Soveral – presente!
António José de Brito

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