23.6.10

Aquela morte naquele dia, poema de António Manuel Couto Viana

Aquela morte naquele dia

Os castelos e as quinas começam a sangrar.
Macau, em lágrimas, comove.
Vai engoli-la o céu? Vai naufragá-la o mar?
A névoa esconde a cor das bandeiras no ar.
Chove.

Paira o fantasma de uma igreja. Um sino
Põe-se, lento, a dobrar, moribundo e pesado.
Nenhum Natal acode. A estrela do destino
Não anuncia o Nascimento do Menino,
Mas o Nome de Deus crucificado.

Só os cemitérios, cinzas, sombras vagas…
«Não suspireis. Não respireis.» (Alguém murmura?)
Escorrem solidão as faces e as chagas.
A nau-espectro afunda-se nas vagas.
Apagou-se o farol. É noite escura.

O poeta rasgou o alvor da epopeia.
Dela, aqui, não restará lembrança…
O heróico ritmar de uma túmida veia
Extinguiu-se na vaza da pátria agora alheia:
Já não pode rimar futuro com esperança.

Cinco séculos quase a existir Portugal,
Macau, em sangue e lágrimas, desfalece e comove.
Mão assassina assina, na pedra sepulcral,
Um nome ateu, traidor, sobre a data final:
Aos 20 de Dezembro. Ano 99!


António Manuel Couto Viana
19.04.1987
In “Sou quem fui – Antologia Poética”, p. 139.

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