10.9.08

Traição em Angola pelo General Silva Cardoso

«Killoran, o Cônsul norte-americano, tinha-me deixado um alerta. Também por essa altura, exactamente a 14 de Abril, este diplomata fizera uma visita ao Zé Valente que registou na sua agenda da qual nunca se separava: “Manhã cedo – 0700 – sem se anunciar previamente na 2.ª RA, onde já me encontrava o Cônsul-Geral norte-americano em Luanda. Veio dizer-me que os norte-americanos tinham deixado cair Angola ao terem considerado inevitável a sua transferência para a zona de influência russa. Disse que Angola iria ser um país comunista. Ingenuamente disse-lhe que isso não iria acontecer, até por atavismo dos povos….» (p. 591)

«Pretender que da Metrópole enviassem meios para controlar todo o território de Angola onde apenas dispúnhamos de 20.000 homens altamente desmotivados, e em Lisboa se gritava: “Nem mais um soldado para África”, era uma completa alucinação. E foram estes homens que, ligados aos MPLA e dirigidos por Lisboa, pretenderam conduzir o processo de descolonização de Angola, boicotando, sabotando, travando, deturpando as poucas iniciativas que ainda era possível tomar para alterar o rumo dos acontecimentos e livrar o povo angolano. Julgaram-se importantes e pretendiam apanhar um comboio que lhes passou à frente, à espera de louros que nunca conseguiriam pelas chamadas virtudes militares que incluem todo um conjunto de capacidades que ninguém lhes reconhecia. Com o poder que lhes foi dado poderiam ter sido hoje figuras respeitadas; ao escolherem o oportunismo que conduz à traição, nem como poeira da História serão referidos!» (p. 660)

«E o fim do Império iria terminar com a cerimónia, envergonhadamente simples, do arrear da Bandeira Nacional na centenária fortaleza de S. Miguel, dando por finda a nossa presença naquelas paragens durante mais de 500 anos! Assistiram o Alto-Comissário almirante Leonel Cardoso, o comandante do COPLAD, Heitor Almendra, entretanto graduado em General para desempenhar as funções de Comandante-Chefe adjunto e o secretário-geral, Coronel Gonçalves Ribeiro.
De Lisboa, nem a Presidência, nem o Governo, nem Conselho da Revolução, nem Comissão Nacional de Descolonização, nem Mário Soares, nem Rosa Coutinho, nem Pezarat Correia, nem também outros estiveram presentes ou se fizeram representar. Tudo se limitou a um simples arrear da Bandeira Nacional! Os próceres fugiram todos, nem um só esteve presente. Afinal era esta a solução que a grande maioria dos seus promotores defendera e desejara. Que sentimentos os mantiveram afastados naquele momento tão grande para Angola e o seu Povo? Remorso, vergonha, medo, cobardia, sentimento de traição? Isto tudo e ainda mais. Na realidade o que se passou é que as grandes consciências descolonizadoras, quer sejam comunistas, socialistas ou mesmo cristãs de esquerda, nunca se preocuparam com os povos ultramarinos. As suas lamentações hipócritas não tinham outro objectivo senão dissimular o verdadeiro carácter de maquinação mundial cuja cobertura ideológica asseguravam. Uma vez obtido o sucesso de tal maquinação, logo passavam à prática de outros exercícios. O povo angolano?
A esse povo apenas haviam prometido a independência; a felicidade ou a tragédia não faziam partes do seu compromisso. Em 11 de Novembro de 1975 eles tinham realizado a obra da sua vida. A partir daí, podiam de consciência tranquila continuar a passear-se pelo mundo, afivelando na face o sorriso imbecil com que vêm mascarando-se o seu horroroso crime. (p. 683/684)

«Os anos passaram. Muitos outros hão-de ainda e a História, como se diz, fará o seu juízo. Durante aqueles anos, aguardei que os mentores da descolonização de Angola, libertos do fervor revolucionário e amadurecidos pela sensatez dos anos, viessem dizer a verdade nua e crua ao País, e assumissem as responsabilidades que lhes cabem na tragédia permanente em que Angola passou a viver. Isso não aconteceu e assim ficámos a conhecer melhor a estrutura mental desses personagens. Pelo contrário, manipulando despudoradamente a opinião pública, conseguiram cativá-la para as suas teses e atravessaram incólumes este quarto de século.
Naquilo que me diz respeito, afirmo que a descolonização, tal como se cumpriu, será considerada como o episódio mais catastrófico, mais desprezível e mais estúpido de toda a História de Portugal; naquilo que me diz respeito, e que é Angola, sei que é meu dever contribuir para a formulação do juízo da História.
Este livro será o meu contributo.» (pp. 689/690)

In General Silva Cardoso,
Angola, Anatomia de uma tragédia, Oficina do Livro, 2000.

1 comentário:

sergio disse...

a verdade enfim a aparecer, obrigado!