7.9.08

Livro: Os Dias do Fim de Ricardo Saavedra


«Apresentado como romance, Os Dias do Fim, do jornalista Ricardo de Saavedra (n. 1941), é uma reportagem sobre a descolonização de Moçambique, apoiada em factos, variada documentação, fontes jornalísticas e apontamentos diarísticos, mas não, como pretende o editor, uma obra de ficção literária. Publicado pela primeira vez em 1995, surge agora em edição revista.
(...) Montado sob a forma de diário, intercalando textos de maior fôlego com anexos sintéticos, Os Dias do Fim segue passo a passo os dias que vão de Abril a Outubro de 1974, detendo-se com particular minúcia na tentativa secessionista de 7 de Setembro. Com larga soma de detalhes, e abundante informação sobre os movimentos e partidos políticos (e seus líderes) que formaram a malograda coligação anti-Frelimo, é a parte menos interessante da obra. Não obstante, os quatro dias de ocupação do Rádio Clube de Moçambique, em Lourenço Marques (actual Maputo), bem como o controlo do aeroporto da cidade, são recuperados com precisão: a puerilidade de grande parte dos manifestantes, a esperança gorada em Spínola, os equívocos ideológicos, os choques de personalidade, o armamento sul-africano que não chegou e, last but not least, o acto falhado, nunca devidamente explicado, da omissão de Jorge Jardim. Como sabido, acabou em tragédia: milhares de mortos, êxodo de dezenas de milhares de brancos para a África do Sul (as fronteiras foram abertas), recidiva mais violenta em Outubro. O Anexo 6 faz uma síntese perturbadora dos dias de brasa que assolaram a periferia da cidade: «O dono de um talho aparece pendurado pelas costas num dos ganchos do próprio estabelecimento. Noutros açougues foram encontradas crianças [...]». Ricardo de Saavedra é autor de Aqui Moçambique Livre (1975), que não li, mas presumo seja a principal fonte no que ao 7 de Setembro respeita. O seu conhecimento dos meandros da política local permite-lhe traçar perfis consistentes dos líderes negros que se opuseram à doutrina do partido único, casos de Joana Simeão, Uria Simango, Lázaro Kavandame, Miguel Morrupa e outros. Neste e noutros aspectos, a falta de índice remissivo constitui óbice flagrante.
Escrito num estilo enxuto, sem grande adjectivação, e mantendo a cadência adequada, Os Dias do Fim dão testemunho de um período concreto da história de Moçambique, com referências bem fundamentadas a alguns dos episódios (e personalidades) que precipitaram a borrasca imperial.

In jornal Público, A borrasca imperial, in Ípsilon, 25-7-2008, pp. 34-35.»

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