9.9.08

O 15 de Março e Helena Matos

Helena Matos escreveu ontem estas indignações despropositadas onde se mostra indignada com o decreto de dia nacional angolano o 15 de Março e revela porquê.
«Não percebo a comoção pátria com a atitude do governo de Angola face a alguns jornalistas portugueses. Luanda age como sempre agiu. Lisboa é que se está agora a fazer de novas. Afinal o que tínhamos de melhor entre a classe civil e militar não aprovou isto em Fevereiro de 1975?:
“Sobreviventes e ignorados: Dois relatórios oficiais, nunca tornados públicos, contam como os portugueses sobreviveram aos massacres do norte de Angola, em 1961, abandonados por Salazar” – assim começa uma reportagem sobre os ataques às fazendas, em Angola, no ano de 1961, publicada pelo semanário “Expresso”. Esse ataque contra civis fossem eles brancos ou pretos, em que os atacantes, longe de apresentarem qualquer reivindicação de carácter político, se limitaram a violar, queimar e esventrar quem lhes apareceu pela frente, particularmente as mulheres, as crianças e os trabalhadores bailundos foi uma data mais difícil para os portugueses do que para o salazarismo. Este último soube tirar dividendos políticos deste ataque, mesmo que isso implicasse, como implicou, não questionar a atitude negligente do governo português perante a segurança dos seus cidadãos. Infelizmente estes portugueses não foram apenas ignorados por Salazar. Eles foram também vexados pela democracia. Por mais grotesco que tal possa parecer, um governo português entendeu por bem fazer do dia 15 de Março de 1961, data do início do massacre nas fazendas, um dia que Angola devia festejar. Em Fevereiro de 1975, ou seja muito antes da independência de Angola e numa fase em que o governo português nomeava ministros para o governo de transição de Angola, em que o Conselho de Estado, reunido em Portugal, determinava que o Alto-Comissário designado para Angola teria “categoria e honras idênticas às do Primeiro-Ministro do Governo Português”, achou o nosso governo apropriado e honroso que o dia 15 de Março de 1961 integrasse o calendário dos feriados de Angola, na qualidade de data festiva. Confesso que não sei o suficiente de História Universal para garantir que é inédito este gesto dos governantes, militares e civis, dum país, assinarem um decreto que transforma em dia de glória a data em que os seus cidadãos foram massacrados mas tenho a certeza que, em matéria de colonização e descolonização, os grandes crimes dos portugueses não constam apenas dos “relatórios oficiais, nunca tornados públicos” e que começam agora, felizmente, a sair do segredo e da poeira dos arquivos. Os crimes estão também aí diante dos nossos olhos, onde aliás sempre estiveram: na linguagem burocrático-enfatuada dos decretos que enchem diários e boletins oficiais.»

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