«Como observa, e com inteira pertinência, o nosso autor de hoje: se o General Spínola não existisse, talvez razão não houvesse — não havia, seguramente, razão alguma — para que este livro se tivesse escrito. Simplesmente, acontece que Spínola existiu mesmo, e — ai de nós! — com ele e a par dele existiu, também e sobretudo, esse abundante viveiro de renegados, que o mesmo Spínola foi deixando criar à sua volta, por pura imbecilidade. Adiante.
Da África do Sul nos chega este livro, já hoje em 5.ª edição. E bem pode dizer-se que o mesmo é natural de Joanesburgo, uma vez que foi lá que Saavedra — ou o exilado que quiseram que ele seja — o escreveu e publicou. A primeira tiragem do trabalho data de há mais de um ano e esgotou-se logo em dois dias, ficando a constituir o maior best-seller de expressão portuguesa até hoje editado no continente africano.
Da reportagem se trata, e empolgante. E nem o facto de ser conduzida em bases e em termos preponderantemente emocionais — com a descarga dos nervos a sentir-se sempre à flor da pele da narrativa —, nem isso chega para molestar a objectividade desta, que é da ordem dos cem-por-cento. Assim, toda e qualquer semelhança de figuras ou factos focados no livro com personagens e ocorrências verídicas está longe de ser mera coincidência.
De facto, tudo o que por aqui se relata desgraçadamente aconteceu em coordenadas de tempo e espaço bastante precisas. Saavedra transporta-nos a Moçambique e ao dia 7 do mês de Setembro de 1974, para nos contar a história maravilhosa — e também indecorosa — do que foi, minuto a minuto, o dia mais longo de toda a existência de Portugal no Índico. Afinal, o dia para sempre inapagável, em que uma população inteira, no limite do insulto que estava prestes a receber em rosto, e com o jugo do cativeiro mais selvagíneo que conceber se possa quase a assentar-lhe em cheio na cerviz, opôs o seu veto sagrado à operação-bandeja pela qual estavam a almoedá-la a essas horas — e se alevantou em peso contra o latrocínio diplomático de cinco safados, especializados em tramar «conversações secretas, em locais esconsos, sem resultados conhecidos».
Se a população concorda ou não concorda, não é da sua conta: é aguentar e calar. Só que Moçambique não aguentou nem calou, quando, «na corrida da melhor oferta, ministros de feira, disfarçados em vendilhões, percorrem o mundo, em segredo ou às escâncaras, e vendem os Guineenses em Argel e os Moçambicanos em Lusaka» — mais tarde, Alvor, será a vez dos Angolanos — «como quem negoceia porcos bastardos de quinta alentejana. Vendem, contudo, ao pior preço e ao pior comprador. Daí que os feirantes de Lisboa» — conclui Saavedra — «entreguem a mercadoria, pelo preço do sangue, aos terroristas (...)». No caso vertente, seria a Frelimo a grande contemplada. Talvez, atendendo a que se fartou de dar tiro e matou gente à brava!...
Foi isto a 7 de Setembro de 74. O dia, afinal, em que um povo unido acabou por ser vendido pelo preço do sangue ao seu pior inimigo, arrostando, ainda por cima, com o criminoso indiferentismo ou com a sonsa cumplicidade, quando não com a bestialidade expressa e declarada, de todas as fardas da traição estacionadas no território às ordens do M.F.A. Revela, a propósito, Ricardo de Saavedra, já então aquartelado à sombra de Rádio Moçambique Livre, onde foi dos primeiros a aparecer e dos últimos a sair: «internamente, palpa-se a traição vinda do exterior. Um oficial do Exército diz-nos sem titubeios: Nada vos resta. O Movimento (de Moçambique Livre-M.M.L.) confiou na palavra dos meus camaradas. Mas quase todos eles têm os olhos postos na Metrópole, no regresso aos apartamentos que, graças às comissões no Ultramar, foram adquirindo. Além disso, é lá que desejam assegurar os seus lugares. Estão vendidos. O Exército (...) recusa conscientemente a última oportunidade de sair desta guerra com honra! «Este oficial» — escusado será dizê-lo — «foi dias depois passado à situação de reserva». Compulsivamente, está claro.
Todo o processo da degradação histórica de Portugal em África, que tivera início com o mapa cor-de-rosa, veio seguindo o seu curso inelutável; e, a 7 de Setembro de 1974, desaguou num mapa cor-de-sangue, consumado à razão de cem-mortos-à-hora! E o que ficou, no fim de todo aquele «arraial, arraial, por Portugal», que há dois anos se viveu em Moçambique, desde Mocímboa do Rovuma até à Ponte do Ouro, foi um sem-número de cidades lavadas em lágrimas e uma província inteirinha de luto pesado... com muita da tropa expedicionária paradinha a ver, e ali a assistir, impassível e negligente, a toda a aquela hecatombe humana, a todo aquele hediondo espectáculo de atrocidades sobre atrocidades... Mas, do que foi mesmo o comportamento da generalidade dos militares portugueses, nos passos mais dolorosos da paixão de Moçambique como terra lusíada, diz bem, e só por si, a nota de «Agradecimento e Justificação» que pode ler-se logo no átrio da obra. Reza assim: «O editor e autor deste livro desejam esclarecer os leitores de que, apesar de todos os esforços desenvolvidos, não conseguiram obter na África do Sul computadores programados com tis e cedilhas. (...) Daí resulta que, se por mero acaso, aparecer qualquer expressão onde se leia “As Forcas Armadas fizeram isto ou aquilo”, se deve interpretar, por muito lógica que a expressão pareça, Forças e não Forcas»
Ora, sucede que enquanto as gentes de Moçambique assim lançavam publicamente para as actas da História o seu protesto lancinante, algures, num fojo da Zâmbia, cinco carrascos de chancelaria passavam por cima da vontade delas. À mesa do convénio, só teoricamente se pode aceitar que houvesse portugueses: no fundo, e em termos práticos, tudo minha gente ali assinou pelo lado da Frelimo. E, uma vez fechado o negócio, eis que «Samora Machel, o novo Presidente (...) sintoniza o Rádio Club de Moçambique, para escuta as aclamações previsíveis». Pessoalmente, dava bom dinheiro — palavrinha que dava! — para ter assistido à cena que se seguiu: «Samora irrompeu na sala das sessões, onde se encontravam ainda os portugueses, como um furacão. Aos berros de «traidores, traidores», declara que mandava prender todos os delegados do Governo de Lisboa e que possuía soldados, milhares de soldados, nos cinturões das principais cidades de Moçambique, prontos a atacar. Perante o espanto dos portugueses, foi explicada a situação. O major Melo Antunes, ali presente, não hesitou em pedir protecção pessoal ao senhor presidente da Frelimo, garantindo que também eles haviam sido traídos».
Os leitores já imaginaram bem o que é o Melo Antunes com cara de Melo atónito?!...
Até por isso, o 7 de Setembro valeu a pena. Até por isso, meu velho Ricardo...
Da África do Sul nos chega este livro, já hoje em 5.ª edição. E bem pode dizer-se que o mesmo é natural de Joanesburgo, uma vez que foi lá que Saavedra — ou o exilado que quiseram que ele seja — o escreveu e publicou. A primeira tiragem do trabalho data de há mais de um ano e esgotou-se logo em dois dias, ficando a constituir o maior best-seller de expressão portuguesa até hoje editado no continente africano.
Da reportagem se trata, e empolgante. E nem o facto de ser conduzida em bases e em termos preponderantemente emocionais — com a descarga dos nervos a sentir-se sempre à flor da pele da narrativa —, nem isso chega para molestar a objectividade desta, que é da ordem dos cem-por-cento. Assim, toda e qualquer semelhança de figuras ou factos focados no livro com personagens e ocorrências verídicas está longe de ser mera coincidência.
De facto, tudo o que por aqui se relata desgraçadamente aconteceu em coordenadas de tempo e espaço bastante precisas. Saavedra transporta-nos a Moçambique e ao dia 7 do mês de Setembro de 1974, para nos contar a história maravilhosa — e também indecorosa — do que foi, minuto a minuto, o dia mais longo de toda a existência de Portugal no Índico. Afinal, o dia para sempre inapagável, em que uma população inteira, no limite do insulto que estava prestes a receber em rosto, e com o jugo do cativeiro mais selvagíneo que conceber se possa quase a assentar-lhe em cheio na cerviz, opôs o seu veto sagrado à operação-bandeja pela qual estavam a almoedá-la a essas horas — e se alevantou em peso contra o latrocínio diplomático de cinco safados, especializados em tramar «conversações secretas, em locais esconsos, sem resultados conhecidos».
Se a população concorda ou não concorda, não é da sua conta: é aguentar e calar. Só que Moçambique não aguentou nem calou, quando, «na corrida da melhor oferta, ministros de feira, disfarçados em vendilhões, percorrem o mundo, em segredo ou às escâncaras, e vendem os Guineenses em Argel e os Moçambicanos em Lusaka» — mais tarde, Alvor, será a vez dos Angolanos — «como quem negoceia porcos bastardos de quinta alentejana. Vendem, contudo, ao pior preço e ao pior comprador. Daí que os feirantes de Lisboa» — conclui Saavedra — «entreguem a mercadoria, pelo preço do sangue, aos terroristas (...)». No caso vertente, seria a Frelimo a grande contemplada. Talvez, atendendo a que se fartou de dar tiro e matou gente à brava!...
Foi isto a 7 de Setembro de 74. O dia, afinal, em que um povo unido acabou por ser vendido pelo preço do sangue ao seu pior inimigo, arrostando, ainda por cima, com o criminoso indiferentismo ou com a sonsa cumplicidade, quando não com a bestialidade expressa e declarada, de todas as fardas da traição estacionadas no território às ordens do M.F.A. Revela, a propósito, Ricardo de Saavedra, já então aquartelado à sombra de Rádio Moçambique Livre, onde foi dos primeiros a aparecer e dos últimos a sair: «internamente, palpa-se a traição vinda do exterior. Um oficial do Exército diz-nos sem titubeios: Nada vos resta. O Movimento (de Moçambique Livre-M.M.L.) confiou na palavra dos meus camaradas. Mas quase todos eles têm os olhos postos na Metrópole, no regresso aos apartamentos que, graças às comissões no Ultramar, foram adquirindo. Além disso, é lá que desejam assegurar os seus lugares. Estão vendidos. O Exército (...) recusa conscientemente a última oportunidade de sair desta guerra com honra! «Este oficial» — escusado será dizê-lo — «foi dias depois passado à situação de reserva». Compulsivamente, está claro.
Todo o processo da degradação histórica de Portugal em África, que tivera início com o mapa cor-de-rosa, veio seguindo o seu curso inelutável; e, a 7 de Setembro de 1974, desaguou num mapa cor-de-sangue, consumado à razão de cem-mortos-à-hora! E o que ficou, no fim de todo aquele «arraial, arraial, por Portugal», que há dois anos se viveu em Moçambique, desde Mocímboa do Rovuma até à Ponte do Ouro, foi um sem-número de cidades lavadas em lágrimas e uma província inteirinha de luto pesado... com muita da tropa expedicionária paradinha a ver, e ali a assistir, impassível e negligente, a toda a aquela hecatombe humana, a todo aquele hediondo espectáculo de atrocidades sobre atrocidades... Mas, do que foi mesmo o comportamento da generalidade dos militares portugueses, nos passos mais dolorosos da paixão de Moçambique como terra lusíada, diz bem, e só por si, a nota de «Agradecimento e Justificação» que pode ler-se logo no átrio da obra. Reza assim: «O editor e autor deste livro desejam esclarecer os leitores de que, apesar de todos os esforços desenvolvidos, não conseguiram obter na África do Sul computadores programados com tis e cedilhas. (...) Daí resulta que, se por mero acaso, aparecer qualquer expressão onde se leia “As Forcas Armadas fizeram isto ou aquilo”, se deve interpretar, por muito lógica que a expressão pareça, Forças e não Forcas»
Ora, sucede que enquanto as gentes de Moçambique assim lançavam publicamente para as actas da História o seu protesto lancinante, algures, num fojo da Zâmbia, cinco carrascos de chancelaria passavam por cima da vontade delas. À mesa do convénio, só teoricamente se pode aceitar que houvesse portugueses: no fundo, e em termos práticos, tudo minha gente ali assinou pelo lado da Frelimo. E, uma vez fechado o negócio, eis que «Samora Machel, o novo Presidente (...) sintoniza o Rádio Club de Moçambique, para escuta as aclamações previsíveis». Pessoalmente, dava bom dinheiro — palavrinha que dava! — para ter assistido à cena que se seguiu: «Samora irrompeu na sala das sessões, onde se encontravam ainda os portugueses, como um furacão. Aos berros de «traidores, traidores», declara que mandava prender todos os delegados do Governo de Lisboa e que possuía soldados, milhares de soldados, nos cinturões das principais cidades de Moçambique, prontos a atacar. Perante o espanto dos portugueses, foi explicada a situação. O major Melo Antunes, ali presente, não hesitou em pedir protecção pessoal ao senhor presidente da Frelimo, garantindo que também eles haviam sido traídos».
Os leitores já imaginaram bem o que é o Melo Antunes com cara de Melo atónito?!...
Até por isso, o 7 de Setembro valeu a pena. Até por isso, meu velho Ricardo...
Rodrigo Emílio»
In A Rua, n.º 34, pág. 21, 25.11.1976.
In A Rua, n.º 34, pág. 21, 25.11.1976.
2 comentários:
O que se passou em África não tem perdão, seja qual for o ângulo porque seja observado. A questão primordial não era descolonizar ou não descolonizar. Se isso algum dia tivesse que acontecer teria que forçosamente verificar-se com o acordo tácito das populações dos respectivos territórios - populações que até nem queriam desvincular-se de Portugal, segundo os próprios afirmaram repetidamente, eram portugueses e assim queriam continuar - e de uma forma transparente, limpa e leal, èticamente correcta e respeitando os direitos internacionalmente consignados para o efeito, para bem de todos os povos envolvidos no processo. Fora isto processado com honestidade, rigor e método - caso tivesse tido a aprovação de todos os portugueses sem excepção - e ter-se-ia evitado esta hecatombe. Mas o que se passou foi exactamente o oposto disto, cometeu-se um crime monstruoso sem justificacão possível. Tratou-se da maior traição vil e secretamente executada contra os portugueses residentes nas províncias ultramarinas e contra a Pátria no seu todo. O que se passou foi de uma crueldade sem nome, um acto cobardemente levado à prática à revelia do povo português. O que aconteceu foi um genocídio de proporções bíblicas, premeditado e minùciosamente planeado por psicopatas estrangeiros e coadjuvado e executado por governantes "portugueses", criminosos de alto coturno, a seu mando. E estes últimos são duplamente criminosos porque, depois de diabólica e calculìsticamente terem anuido um ano antes em Paris com o massacre de milhões de portugueses indefesos, mais tarde, já em Lisboa, foram ordenando fria e cobardemente a execução sistemática dos mesmos no terreno.
E esta crueldade de dimensões aterradoras, foi motivada por pura maldade, oportunismo, desejo insaciável de poder, inveja, ganância e uma sede desmesurada de vingança, só concebível em seres intrìnsecamente maus.
Todos quantos estiveram na origem desta catásfrofe sem precedentes na História de Portugal, deveriam pagar com a vida os crimes cometidos. Mas pagarem-na muito devagarinho, para sentirem na pele o mesmo sofrimento inumano que infligiram aos milhões que morreram na altura e aos que continuaram a morrer nas guerras subsequentes e todos aqueles que até HOJE têm perecido por doenças desenvolvidas em consequência delas e ainda aos muitos milhares de estropiados, aqueles que sobrevivem sem braços, sem pernas, sem alma. Enquanto isso não acontecer não se encerrará este capítulo tenebroso da nossa História escrito com o sangue derramado dessas vítimas. Enquanto isso não acontecer as almas dos milhões bàrbaramente assassinados não terão o descanso merecido.
Maria
Não houve descolonização nenhuma, o que houve foi os comunistas portugueses, a entregar Moçambique aos comunistas moçambicanos, Angola aos comunistas Angolanos e o mesmo com os restantes territórios ultramarinos, tudo sob a tutela dos comunistas soviéticos, que afinal também tinham colónias (14), como depois se viu com o fim da URSS.
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