18.6.08

Salazar e a Monarquia vista por Alfredo Pimenta

«Salazar, na sua Nota Oficiosa de 26 de Março de 1938, escreveu que perante os dois centenários da Fundação e da Restauração, não devíamos «alhear-nos das figuras centrais daqueles dois grandes factos históricos - D. Afonso Henriques e D. João IV», cumprindo-nos honrá-los «de modo especial».
Temos, pois, os factos - a Fundação e a Restauração; e temos as suas personagens centrais - D. Afonso I e D. João IV.
Um e outro foram Reis de Portugal. Como Reis de Portugal entraram nos dois acontecimentos históricos. E estes devem à sua qualidade de Reis de Portugal, a direcção que tomaram, e o resultado que obtiveram.
Manda a justiça que se preste homenagem ao Presidente do Conselho pela independência de espírito, pela clarividência de critério, e pela nobreza intelectual que revelou, impondo à nossa admiração e ao nosso culto, a figura do Duque de Bragança, tão deformada, tão traiçoeiramente caluniada pelo Liberalismo político, e pela História enfeudada a esse Liberalismo.
Bem haja Salazar, pela coragem intelectual que deu, passando por cima dos velhos dogmas da História oficial e consagrada, e repelindo os manipanços académicos serventuários dessa História.»1
«... Imaginem Salazar, este Salazar grave e sério, consagrado inteiramente às coisas sérias e graves do seu País - alvo da chacota de nulidades parlamentares! Nem dois segundos se conservaria no Poder.
Ora a orgânica política dentro que Salazar actua, e que é a conditio sine qua non da sua obra; a orgânica política do Estado actual que se não pode separar de Salazar, porque ela e ele se completam, justifica e esclarece a minha asserção de que, ao julgarmos os Reis da Fundação e da Restauração, não podemos abstrair da Realeza que eles personificam.
Se Salazar é o Estado Novo - e ninguém contesta que o seja, os Reis são a Realeza.
Consagrar os Reis é consagrar a Realeza. Exaltá-los é exaltar esta. Prestar-lhes culto, é prestar culto à Realeza. Ninguém compreenderia que a consagração dos Reis se traduzisse em homenagem à República.»2

«... Acaba, Salazar, de nos restituir Deus. Praza à Padroeira do Reino, que nos restitua também a Realeza!
Como português falo, como português que primou sempre por dizer claro o que pensa - porque só assim entendo que devo servir o meu País.
E se falo assim, se penso assim, é porque extraio dos actos e dos pensamentos de Salazar, o que há, neles, de profundo e substancial, o que há, neles, para além das formas expressionais que todos ouvem, mas nem todos compreendem.
Reparem, Senhores: o pensamento político de Salazar que se denuncia nas Festas centenárias que idealizou e promoveu, que raízes tem? De que sangue se alimenta? Em que doutrinas se funda? Numa palavra, - de onde emana, o Pensamento político de Salazar? 3
(…) Veja-se a orgânica política do Estado Novo - obra de Salazar: a Assembleia política, reduzida ao mínimo, no tempo, e nas funções; quase só consultiva e esclarecedora, é a versão actual das nossas Côrtes tradicionais; a Câmara corporativa é o reconhecimento legal dos grandes elementos tradicionais da Nação - desde a Família à Província, desde as Corporações aos ofícios; o predomínio da Autoridade, benéfico para todos, sobre a Liberdade, prejudicial para todos; o predomínio do Bem comum sobre o Bem individual; o conceito da Família primando sobre o conceito do Indivíduo; o Social preferido ao Individual; o Bem de cada um consequência do Bem de todos, em vez do Bem de todos consequência do Bem de cada um - tudo isto que é se não de origem tradicional, obra da Realeza secular da nossa terra?
E se isto não bastasse, tínhamos no princípio da reeleição presidencial sem limites, garantindo na Constituição em vigor, o reconhecimento da grande virtude da Realeza, - como adopção da minha velha lei: «a República é tanto mais perfeita quanto mais se aproximar da Monarquia, sem nunca a atingir».
Qual tem sido o grande fundamento da obra de Salazar?
A continuidade no Poder.
Há perto de trinta anos que eu formulei, diante do público, as condições essenciais de um governo fecundo: estabilidade, continuidade e homogeneidade - características específicas da Realeza hereditária.
Têm essas características sido o instrumento feliz da política de Salazar. Estabilidade: - há mais de dez anos que governa o País; Continuidade: - promete e realiza, porque a Estabilidade lho permite; Homogeneidade: - com todas as suas falhas e desvios, os elencos ministeriais têm-se, mais ou menos, adaptado ao pensamento director do Presidente do Conselho.
A sua política, quer nas directrizes de técnica constitucional, quer nos processos realistas da execução, é de pura inspiração monárquica, e anda manifestamente distante do Estado de coisas que preparou o regime de 5 de Outubro.
E Salazar, o homem profundamente nacionalista, católico como o Portugal de sete séculos; ele que proclamou D. Afonso I «fundador do nacionalismo» português; Salazar, o espírito culto e reflectido que é, não podia sonhar para os tempos novos que idealiza, para o futuro português que prepara, outros alicerces morais que não fossem os do Catolicismo, e outros alicerces políticos que não fossem os da Realeza hereditária, matriz admirável em que se criou Portugal: ou sejam - o Trono e o Altar.
Portugal foi durante sete séculos um Estado hierarquizado, vertebrado - imagem do Homem ou imagem de Deus: um pensamento a mandar; órgãos a executar; e o corpo a obedecer.
Só assim o Rei D. Afonso I pôde fundar Portugal, e o Rei D. João IV pôde restaurar a sua Independência.
Só assim Portugal pôde realizar a grande obra de seus descobrimentos e do seu Império.
Pulverizem a Autoridade de um só; invertam as funções, e ponham o dirigente à mercê dos votos ou caprichos dos dirigidos - e nem Portugal se teria fundado, nem Portugal se teria restaurado, nem o Império português se criaria.
Como podia Salazar inspirar-se no Portugal acéfalo ou anárquico, invertebrado e catastrófico da Demência parlamentar e liberal que a Revolução de 1820 introduziu entre nós, e a de 5 de Outubro consagrou, se tudo nele é propósito realizador, dentro do mais estreme nacionalismo?
Não fosse, Salazar, a Inteligência que eu defino, o Pensamento que eu revelo, a Intenção que eu formulo - que nunca se celebrariam as datas sublimes da Fundação e da Restauração, - obra de dois Reis, e da Realeza que eles corporizam. Nunca a Nação seria convidada a prestar as honras do seu culto, e a afirmar a sua gratidão aos Antepassados que estivessem para além dos Gomes Freire, dos Josés Estevãos, dos Mata-frades, de outros sujeitos da mesma natureza, com a única excepção do Marquês de Pombal, inimigo da Igreja católica, e anunciador das doutrinas equívocas em que havia de gerar-se o Liberalismo dissolvente.
Não fosse, Salazar, o Homem que eu defino e o Pensamento que eu traduzo, e nunca poderíamos, no Ano Áureo de 1940, fazer subir na torre de Menagem do Castelo de Guimarães, a bandeira da Fundação do Estado - ou seja a de D. Afonso I, nem erguer, em frente do Palácio Ducal de Vila Viçosa, a estátua consagradora de D. João IV.
Não fosse, Salazar, o Homem que eu vejo, que não teríamos agora o Estado reconciliado com a Santa Sé, revogada, felizmente, a Lei sacrílega da Separação.
Não fosse, Salazar, o Homem que eu descrevo - que não poderia estar eu, Senhores, nesta Sala, e investido do honroso encargo de orador oficial da Câmara Municipal de Guimarães, a proclamar-lhes as verdades eternas da Nação, aquelas verdades, à luz das quais Balzac confessava ter escrito a sua obra, aquelas verdades que são a razão de ser de todos os Impérios do Mundo - desde os Impérios da mais afastada antiguidade até ao Império português; a verdade de Deus, e a verdade da Realeza.
Indicou-nos, o sr. Presidente do Conselho, como dever imperativo, o de nos juntarmos todos no mesmo Sentimento de admiração e gratidão diante do Rei que fundou o Estado Português, e do que restaurou a sua Independência.
Levou bem mais longe a sua compreensão da missão histórica que desempenha, pois convidou para se fazer representar nas Festas Centenárias, o herdeiro legítimo e directo de D. Afonso I e de D. João IV, - e é, hoje, assim, reconhecido oficialmente como chefe indiscutido da muito nobre casa de Bragança.
De lastimar é que as trágicas circunstâncias presentes da Europa privem Guimarães de, neste momento, ter o prazer e a honra de apresentar as homenagens do seu respeito a Sua Alteza Real a Senhora Infanta D. Filipa de Bragança, a quem Seu Augusto Irmão, o Senhor D. Duarte II confiou tão alta representação.
Então isto não significa nada, Senhores?
Tudo isto significa superiormente o culto do Passado - mas um culto que não é inerte, antes se quer que seja vivo e fecundo.
Saibamos compreender plenamente a lição que Salazar nos dá; aproveitemo-la, na integralidade do seu significado; façamos o acto de contrição sincera, confessando os nossos erros, as nossas alucinações, os nossos desvairos, e, de olhos postos na bandeira da Fundação, juremos, Senhores, inspirar-nos sempre no amor exclusivo da Pátria - da Pátria católica, e não paganizada e materialista; da Pátria portuguesa, obediente à voz dos mortos que D. Afonso I e D. João IV simbolizam, e não da Pátria bastarda que dá ouvidos às indicações da III Internacional e ainda hoje confia na vitória das Democracias ocidentais para voltar a reger os destinos de todos nós.»4

Notas:
1 - In Alfredo Pimenta, A Fundação e a Restauração de Portugal, p. 30. Edição C. M. de Guimarães, 1940.
2 - In Idem, Ibidem, p. 33.
3 - In Id., Ib., p. 34.
4 - In Id., Ib., pp. 35/38.

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