O Diabo publicou hoje, na coluna "O Diabo a sete", um artigo assinado por Walter Ventura, de quem tenho a honra e o prazer de ser amigo.
«(Também eu) “Pessoalmente não sou assim”
Eu bem avisei vocências que esta coisa de se porem a votar Salazar como o maior dos portugueses ainda acabaria por dar chatices de monta.
E deu.
Desde logo, esta coisa de ver um dos maiores vultos da nossa História à compita com esse estrénuo defensor das “amplas liberdades”, amante do sol moscovita e de outras barbaridades estrangeiradas, é seguramente um opróbrio que jamais conseguirei engolir – e olhem que ao longo destes alegres anos tenho engolido sapos e outras repugnâncias muito para além do admissível.
Menos, muito menos, me tem custado os malabarismos da nossa amável televisão estatal que anda a gastar um ror de massa nesta patacoada que lhe tem saído pela culatra. Para a rapaziada daquela santa casa, D. Maria Elisa à cabeça, o concurso era trigo limpo. Ganhasse Cunhal, ganhasse o inefável Aristides do senhor Júdice, ganhasse o Eusébio, o Camões, o ilustre Pinto da Costa ou abortadeira com mais cotação no mercado, a coisa pouco lhes importava.
Salazar, certamente, nem lhes passou pelo bestunto e, às primeiras ameaças, levaram a coisa a bem: o “ditador” angariaria os votos de meia dúzia de velhinhos, empedernidos fascistas, e ficaria lá pelo fim da lista o que até seria uma espécie de justiça poética assaz edificante.
De repente, um qualquer contabilista dos votos deu o alarme: Salazar estava não só muito bem colocado como parecia ir ganhar folgadamente. Foi aí que, ao que parece, algum chico esperto entendeu mudar as regras do jogo: uma segunda volta só para os “dez mais” e quanto à classificação dos ditos na primeira volta, moita carrasco.
Entretanto, analistas profundos, mais ou menos escandalizados, desataram a explicar o “sentido do voto” dos tugas em geral, esforçando-se desalmadamente por meterem num mesmo saco as figuras de Salazar e de Cunhal. Esqueceram um pequeno ponto que, a mim, não parece despiciendo: é que Cunhal, muito ao contrário de Salazar, tem a máquina (um pouco anquilosada, é certo), dos comunistas e afins. E só por isso, até custa a crer que não tenha ganho logo à primeira, ficando-se por um quarto ou quinto lugar e obrigando-nos a toda esta fantochada.
Entretanto, sondagens rigorosas, como aquelas que fazem do senhor Sócrates o melhor primeiro-ministro do actual governo, dão a entender que Salazar poderá estar outra vez à frente e a largos metros do seu seguidor mais esforçado, o bom do senhor Cunhal.
Uma maçada!
Mesmo assim, tenho para mim que Salazar acabará vencido o que, em nada lhe diminui a estatura só comprometida por o envolverem neste carnaval.
Aliás, como talvez vocências já o tenham percebido, a TV a que temos direito (de pagar), nem conseguiu um “salazarista” para lhe defender o nome.
O doutor Jaime Nogueira Pinto já se apressou a esclarecer não ser um salazarista e, de facto, tenho para mim que nunca o foi. Nem salazarista nem outra coisa: um jaimista, quando muito.
Poderão pensar que se trata de um mera estratégia para levar a água ao seu moinho. “Olhem que não, olhem que não”, como uma vez disse o dr. Cunhal ao dr. Soares (esse, coitado, injustamente relegado lá para o fim dos cem, depois de tudo o que fez por nós e por “este país”. Já nos idos de 71, Jaime Nogueira Pinto não se sentia muito salazarista embora ainda se lhe vislumbrasse na prosa um encantamento que o tempo terá feito fenecer:
“Nunca fui um salazarista, pelo menos na acepção corrente do termo. Cumpre explicar porquê, pois adivinho laivos de escândalo nalguns, e acrescentar, que talvez venha um dia a sê-lo. Não posso dizer que fui salazarista na medida em que não fui, nem sou incondicional de ninguém. Só da minha Fé e das minhas Ideias. De Deus e dos Valores. E se é bom guardar a lucidez e o espírito crítico perante os grandes deste mundo, tenho uma certa pena por não ter sentido aquela devoção cega a um Chefe, a dádiva sem limites, a gloriosa loucura da abdicação de nós, que faz as grandes fidelidades, os grandes e silenciosos sacrifícios”. J. N. P. – “Que nunca tenhamos de o chorar”, in Política, 1971.
Outros tempos, quando a vaga aprilina ainda não ameaçava vidas e haveres. Aquele doce tempo em que o jovem Jaime Nogueira Pinto pontificava, qual menino entre os doutores, nas mesas do café Aviz e arredores, onde graves senhores um tanto ou quanto “fascistas” se extasiavam ante tanta inteligência e tanta dedicação. Hoje por hoje, Jaime Nogueira Pinto não só não é salazarista como não deseja, “em Janeiro de 2007, restaurar o regime autoritário em Portugal” .
Fico mais descansado. Que maçada inaudita seria encontrar um “autoritário” neste ano de desgraça. Por mais que me esforce, a verdade é que não consigo avançar um nome mesmo apenas “autoritariozinho”. Jaime Nogueira Pinto, que está contra a ideia, não serviria para o cargo mesmo que, não sei porque bulas, mudasse de ideias. Porque hoje, provavelmente, não lhe ouviremos na sua “defesa” televisiva, arrebatamentos destes:
“Salazar é para mim e para os da minha geração (os que pensamos, cremos e queremos por igual medida) nascidos depois da Segunda Guerra, formados nos anos sessenta quando a Europa e o Ocidente, se arrependeram e culparam do melhor que foram, o Homem das apostas contra a Decadência, da Vontade inflexível perante os factos, ao serviço constante da Verdade. É Vida. Exemplo. Raiz. Deus, as Pátrias, os outros homens assim: que vivam para os seu ministério, a privarem-se das coisas que para o comum (e não só) importam: um Lar, uma Família, Filhos, bens palpáveis, pequenas ou grandes não interessa, mas de sua pertença exclusiva, afectos certos, que são nossos, se fazem e se perpetuam, que são esperança, e depois razão, e depois vínculo, e continuidade, só nossos, por um certo tempo e num certo espaço. Ele a tudo isto renunciou. Confundindo-se num dado instante com sua Missão e Serviço, com o Poder e o Estado, renunciou a tudo, ganhando tudo. Escolheu, como grande que era, senhor de sua vida e de seu Futuro. E as opções são difíceis, não pelo que se segue, mas pelo que se deixa para trás...”. Ibidem
Hoje, talvez nem tanto. Salazar já não lhe merece mais do que respeito, mas com legitimíssimas reservas: “Respeito-o pelo seu patriotismo, pela sua integridade e grande estratégia na política externa. Acho-o, noutras coisas, como qualquer grande político e estadista, passível de críticas”, afirmou à TV Guia de há uma semana.
Outros escritos de Jaime Nogueira Pinto tenho à minha frente e aqui os poderia citar se para tal tivesse espaço, tempo e... pachorra.
Mas não me parece valer a pena.
Com os tempos, as vontades, salvo algumas que respeito, vergam-se como folhas tenras batidas pelos ventos.
Por isso nada me espanta que o defensor televisivo de Salazar termine as suas palavras na TV Guia com um “Foi, como se sabe, um homem só, sem família, sem amigos, vivendo só para uma missão política. Pessoalmente não sou assim”.
O que prova que o ridículo não mata. Já não mata. E que a “renúncia” de Salazar em nome de uma “Missão e Serviço” já não tem o mesmo peso.
Graças a Deus que tenho muitos amigos que, tal como eu, também não são assim.»
Eu bem avisei vocências que esta coisa de se porem a votar Salazar como o maior dos portugueses ainda acabaria por dar chatices de monta.
E deu.
Desde logo, esta coisa de ver um dos maiores vultos da nossa História à compita com esse estrénuo defensor das “amplas liberdades”, amante do sol moscovita e de outras barbaridades estrangeiradas, é seguramente um opróbrio que jamais conseguirei engolir – e olhem que ao longo destes alegres anos tenho engolido sapos e outras repugnâncias muito para além do admissível.
Menos, muito menos, me tem custado os malabarismos da nossa amável televisão estatal que anda a gastar um ror de massa nesta patacoada que lhe tem saído pela culatra. Para a rapaziada daquela santa casa, D. Maria Elisa à cabeça, o concurso era trigo limpo. Ganhasse Cunhal, ganhasse o inefável Aristides do senhor Júdice, ganhasse o Eusébio, o Camões, o ilustre Pinto da Costa ou abortadeira com mais cotação no mercado, a coisa pouco lhes importava.
Salazar, certamente, nem lhes passou pelo bestunto e, às primeiras ameaças, levaram a coisa a bem: o “ditador” angariaria os votos de meia dúzia de velhinhos, empedernidos fascistas, e ficaria lá pelo fim da lista o que até seria uma espécie de justiça poética assaz edificante.
De repente, um qualquer contabilista dos votos deu o alarme: Salazar estava não só muito bem colocado como parecia ir ganhar folgadamente. Foi aí que, ao que parece, algum chico esperto entendeu mudar as regras do jogo: uma segunda volta só para os “dez mais” e quanto à classificação dos ditos na primeira volta, moita carrasco.
Entretanto, analistas profundos, mais ou menos escandalizados, desataram a explicar o “sentido do voto” dos tugas em geral, esforçando-se desalmadamente por meterem num mesmo saco as figuras de Salazar e de Cunhal. Esqueceram um pequeno ponto que, a mim, não parece despiciendo: é que Cunhal, muito ao contrário de Salazar, tem a máquina (um pouco anquilosada, é certo), dos comunistas e afins. E só por isso, até custa a crer que não tenha ganho logo à primeira, ficando-se por um quarto ou quinto lugar e obrigando-nos a toda esta fantochada.
Entretanto, sondagens rigorosas, como aquelas que fazem do senhor Sócrates o melhor primeiro-ministro do actual governo, dão a entender que Salazar poderá estar outra vez à frente e a largos metros do seu seguidor mais esforçado, o bom do senhor Cunhal.
Uma maçada!
Mesmo assim, tenho para mim que Salazar acabará vencido o que, em nada lhe diminui a estatura só comprometida por o envolverem neste carnaval.
Aliás, como talvez vocências já o tenham percebido, a TV a que temos direito (de pagar), nem conseguiu um “salazarista” para lhe defender o nome.
O doutor Jaime Nogueira Pinto já se apressou a esclarecer não ser um salazarista e, de facto, tenho para mim que nunca o foi. Nem salazarista nem outra coisa: um jaimista, quando muito.
Poderão pensar que se trata de um mera estratégia para levar a água ao seu moinho. “Olhem que não, olhem que não”, como uma vez disse o dr. Cunhal ao dr. Soares (esse, coitado, injustamente relegado lá para o fim dos cem, depois de tudo o que fez por nós e por “este país”. Já nos idos de 71, Jaime Nogueira Pinto não se sentia muito salazarista embora ainda se lhe vislumbrasse na prosa um encantamento que o tempo terá feito fenecer:
“Nunca fui um salazarista, pelo menos na acepção corrente do termo. Cumpre explicar porquê, pois adivinho laivos de escândalo nalguns, e acrescentar, que talvez venha um dia a sê-lo. Não posso dizer que fui salazarista na medida em que não fui, nem sou incondicional de ninguém. Só da minha Fé e das minhas Ideias. De Deus e dos Valores. E se é bom guardar a lucidez e o espírito crítico perante os grandes deste mundo, tenho uma certa pena por não ter sentido aquela devoção cega a um Chefe, a dádiva sem limites, a gloriosa loucura da abdicação de nós, que faz as grandes fidelidades, os grandes e silenciosos sacrifícios”. J. N. P. – “Que nunca tenhamos de o chorar”, in Política, 1971.
Outros tempos, quando a vaga aprilina ainda não ameaçava vidas e haveres. Aquele doce tempo em que o jovem Jaime Nogueira Pinto pontificava, qual menino entre os doutores, nas mesas do café Aviz e arredores, onde graves senhores um tanto ou quanto “fascistas” se extasiavam ante tanta inteligência e tanta dedicação. Hoje por hoje, Jaime Nogueira Pinto não só não é salazarista como não deseja, “em Janeiro de 2007, restaurar o regime autoritário em Portugal” .
Fico mais descansado. Que maçada inaudita seria encontrar um “autoritário” neste ano de desgraça. Por mais que me esforce, a verdade é que não consigo avançar um nome mesmo apenas “autoritariozinho”. Jaime Nogueira Pinto, que está contra a ideia, não serviria para o cargo mesmo que, não sei porque bulas, mudasse de ideias. Porque hoje, provavelmente, não lhe ouviremos na sua “defesa” televisiva, arrebatamentos destes:
“Salazar é para mim e para os da minha geração (os que pensamos, cremos e queremos por igual medida) nascidos depois da Segunda Guerra, formados nos anos sessenta quando a Europa e o Ocidente, se arrependeram e culparam do melhor que foram, o Homem das apostas contra a Decadência, da Vontade inflexível perante os factos, ao serviço constante da Verdade. É Vida. Exemplo. Raiz. Deus, as Pátrias, os outros homens assim: que vivam para os seu ministério, a privarem-se das coisas que para o comum (e não só) importam: um Lar, uma Família, Filhos, bens palpáveis, pequenas ou grandes não interessa, mas de sua pertença exclusiva, afectos certos, que são nossos, se fazem e se perpetuam, que são esperança, e depois razão, e depois vínculo, e continuidade, só nossos, por um certo tempo e num certo espaço. Ele a tudo isto renunciou. Confundindo-se num dado instante com sua Missão e Serviço, com o Poder e o Estado, renunciou a tudo, ganhando tudo. Escolheu, como grande que era, senhor de sua vida e de seu Futuro. E as opções são difíceis, não pelo que se segue, mas pelo que se deixa para trás...”. Ibidem
Hoje, talvez nem tanto. Salazar já não lhe merece mais do que respeito, mas com legitimíssimas reservas: “Respeito-o pelo seu patriotismo, pela sua integridade e grande estratégia na política externa. Acho-o, noutras coisas, como qualquer grande político e estadista, passível de críticas”, afirmou à TV Guia de há uma semana.
Outros escritos de Jaime Nogueira Pinto tenho à minha frente e aqui os poderia citar se para tal tivesse espaço, tempo e... pachorra.
Mas não me parece valer a pena.
Com os tempos, as vontades, salvo algumas que respeito, vergam-se como folhas tenras batidas pelos ventos.
Por isso nada me espanta que o defensor televisivo de Salazar termine as suas palavras na TV Guia com um “Foi, como se sabe, um homem só, sem família, sem amigos, vivendo só para uma missão política. Pessoalmente não sou assim”.
O que prova que o ridículo não mata. Já não mata. E que a “renúncia” de Salazar em nome de uma “Missão e Serviço” já não tem o mesmo peso.
Graças a Deus que tenho muitos amigos que, tal como eu, também não são assim.»
Walter Ventura
In O Diabo, n.º 1570, pág. 18/19, 30.01.2007
In O Diabo, n.º 1570, pág. 18/19, 30.01.2007
3 comentários:
Muito Bem Escrito!
Missão cumprida!
Então o «defensor» não era salazarista?
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