24.1.07

O judeu na poesia racialista de António Sardinha


"AUTO DE FÉ
A um poeta

Não és da Cruz, não és do nosso rito.
São de outro sangue os mortos que tu contas.
Quem te vestisse a ti o sambenito
e te impusesse a estrela de seis pontas.

Teu verbo foi de morte! Foi maldito!
É verbo de Israel, bramindo afrontas.
De tudo o que deixaste um dia escrito
perante Deus um dia darás contas!

Iago, Saltamontes e Veneno,
por grande que ele seja, é bem pequeno
Meu ódio de cristão, de português!

Deitem-lhe os livros todos à fogueira.
E enquanto a chama os lambe justiceira,
Ponham-lhe os santos óleos de outra vez!"
(In Pequena Casa Lusitana, págs. 181/182, Livraria Civilização, Porto, 1937.)

Dos "
VERSOS A DONA SOL
Fosse eu familiar do Santo Ofício,
levava-te à prisão sem grande pena!
Neta de moiro, herdaste o malefício
Da tua raça morena!

(...)

Se houvesse Inquisição — que desengano!
terias sido já queimada viva!

Tição de varonias de Castela,
o povo hebreu deixou vestígio em todas.
Se és nódoa escura da linhagem dela,
não temos de estranhar as tuas bodas!

(...)

Que airosa não ficavas, que elegante,
de sambenito, algemas e carocha!
Houvesse Inquisição!... E assim ligeira,
em modos de possessa que estrebucha,
terias já bailado na fogueira,
oh filha dum cigano e dum bruxa!

(...)

eu próprio te levava ao Santo Ofício,
oh Dona Sol de túnica amarela,
que me puseste um dia malefício!..."
(In Quando as Nascentes Despertam..., págs. 185 a 192, Livraria Ferin, Lisboa, 1921.)

"
MADRE INQUISIÇÃO
Temos a África nas nossas veias.
O mais do nosso sangue é sangue preto.
Assim, carregadinhos de cadeias,
onde é que irá ficar-nos o esqueleto?

E eles mandam como as alcateias!
Há tantos, que debalde os acometo.
Logo ressurgem com as caras feias,
— não sei por que feitiço ou amuleto!

São moiros e ciganos quem governa.
Nunca será bastante a pena eterna
pr`a quem desfez a raça com torpeza!

Oh Santa Inquisição, acende as chamas!
E no fulgor terrível que derramas,
Vem acudir à Pátria Portuguesa!"
(In Pequena Casa Lusitana, págs. 121/122, Livraria Civilização, Porto, 1937.)

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