16.4.07

A verdade sobre Aristides de Sousa Mendes

"Embaixador desmistifica «lenda» Sousa Mendes

Terceiro classificado por votação dos telespectadores no concurso promovido pela RTP «Os Grandes Portugueses», a figura de Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordéus no período da II Grande Guerra, continua envolta em muitos mistérios e alguma polémica.
Para uns, Sousa Mendes é recordado como um «homem bom e justo» que, em Junho de 1940, contrariando as ordens do Governo de Lisboa, emitiu vistos e passaportes e, nalguns casos, chegou mesmo a atribuir falsamente a identidade portuguesa a milhares de foragidos, sobretudo judeus, que pretendiam a todo o custo alcançar os lugares tidos por seguros. Como Portugal, que Salazar conseguiu manter neutral no conflito.
Para outros, o cônsul está longe de justificar o papel de «herói» que muitos lhe atribuem e, aqui e ali, tentam repor a verdade àquilo a que chamam «falsificação da História» e, através de factos, muitos deles documentados, desmistificam a «lenda» Sousa Mendes. Bastará uma pesquisa atenta no arquivo do MNE ao processo do antigo cônsul — apesar de muitas peças do seu dossier terem misteriosamente desaparecido, sem que até hoje ninguém tenha procurado investigar quem foi o autor (ou autores) do desvio — para que algumas pessoas «verdades» deixem de o ser.
Ao contrário do seu irmão gémeo César, que também fez carreira na diplomacia tendo alcançado o posto de Ministro Plenipotenciário de 2.ª classe, Aristides arrastou-se entre postos consulares de pequeno relevo, foi acumulando processos e mais processos disciplinares desde o longínquo ano de 1917, na I República, até 1940, tendo acabado por passar à disponibilidade e aguardar aposentação, mas continuando a auferir a totalidade do vencimento correspondente à sua categoria (1.595$30). O que desde logo «mata» a tese dos que teimam em acusar Salazar de ter «perseguido» o cônsul e de o ter «obrigado» a «morrer na miséria». Pelo contrário, o então Presidente do Conselho mostrou-se benevolente com Aristides em muitas alturas, nomeadamente quando, contrariando o parecer do Conselho Disciplinar do MNE que, na sequência de mais um processo disciplinar, propôs a pena de descida de categoria do cônsul, apenas determinou a sua inactividade por um ano, com vencimento de categoria reduzido, mas recebendo a totalidade do salário correspondente ao exercício.
Outra verdade que tem sido ocultada pelos defensores de Aristides Sousa Mendes: o cônsul condicionava a emissão de vistos e passaportes ao pagamento de verbas e à obrigatoriedade de contribuição para um estranho «fundo de caridade» por si próprio instituído e gerido, situação que viria a ser denunciada junto do MNE quer pelos serviços da embaixada britânica quer por muitos dos que beneficiaram das «facilidades» de Mendes.
Também esclarecedora para a verdade sobre Sousa Mendes é a carta que o Embaixador Carlos Fernandes(*) dirigiu, em Maio de 2004, a Maria Barroso Soares, presidente da entretanto criada «Fundação Aristides de Sousa Mendes», quando esta pretendeu promover uma homenagem nacional, custeada com dinheiros públicos, ao antigo cônsul.
O DIABO teve acesso à referida missiva, bem como a algumas «notas soltas» que o embaixador lhe juntou, que aqui publicamos na íntegra.

«Lisboa, 5/5/04

Senhora Dra. Maria Barroso Soares

Um antigo embaixador de Israel em Portugal, que foi «instrumental» na mistificação de Aristides de Sousa Mendes, publicou há dois dias no Diário de Notícias, a propósito do aniversário daquele antigo cônsul, um artigo de elogio a Sousa Mendes, reincidindo em duas mentiras que foram fundamentais para aquela mistificação:
a) que foi expulso da carreira diplomática;
b) que morreu na miséria (depreendendo-se que por ter sido expulso da carreira diplomática e sem vencimento).
Ora, tanto quanto eu pude averiguar, primeiro Sousa Mendes nunca foi da carreira diplomática, pertencendo sempre à carreira consular, que era diferente, e, em princípio, mais rendosa; depois, nunca dela foi expulso: como conclusão de um 5.º processo disciplinar, foi colocado na inactividade por um ano, com metade do vencimento de categorias e, depois desse tempo, aguardando aposentação com o vencimento da sua categoria (1.595$30 por mês) até morrer, sem nunca ter sido aposentado, situação mais favorável do que a aposentação.
Portanto, se morreu na miséria, ou pelo menos com grandes dificuldades financeiras, isso deve-se a outros factores que não à não recepção do seu vencimento mensal em Lisboa. Demais, A. Sousa Mendes viveu sempre com grandes dificuldades financeiras.
É óbvio que, quem tenha 14 filhos da mulher, uma amante e uma filha da amante não sairá nunca de grandes dificuldades financeiras, salvo se tiver outros rendimentos significativos, além do vencimento de cônsul.
Vi pelo artigo acima referido que a Sr.ª Dr.ª Maria Barroso é presidente da Fundação A. S. Mendes, e só por isso lhe escrevo esta carta e lhe remeto os elementos de informação anexos.
Eu escrevi sobre Sousa Mendes, de forma simpática, num livro publicado há dois anos (Recordando o caso Delgado e outros casos, Universitária Editora, Lisboa, 2002) de págs. 27 a 30, porque o conheci e tive ocasião de ajudar dois dos seus filhos, um em Lisboa e outro depois em Nova Iorque quando lá era cônsul.
Nada me move contra A. Sousa Mendes, antes o contrário, mas não posso pactuar com a mentira descarada e generalizada. Salazar é atacável por várias razões, mas não por ter «perseguido» A. Sousa Mendes, que, aliás teve problemas disciplinares em todos os regimes de 1917 a 1940.
Quando fui director dos Serviços Jurídicos e de Tratados do MNE, tive de estudar o último processo disciplinar de A. Sousa Mendes, de cuja pasta retiraram já muitas peças.
Por outro lado, o meu amigo Prof. Doutor Joaquim Pinto, sem eu saber, fez um estudo bastante completo sobre A. Sousa Mendes, e com notável imparcialidade.
Eu não pretendo vir a público atacar ou defender A. Sousa Mendes, e, por isso, nem penso rectificar o artigo do embaixador de Israel, mas em abono da verdade, e para seu conhecimento, entendo ser meu dever remeter-lhe uma cópia do estudo e notas em anexo, de que poderá fazer o uso que entender.
Com respeitosos cumprimentos,
Carlos Fernandes»"

In «O Diabo», n.º 1579, 03.04.2007, pág. 6

(*) Embaixador Carlos Augusto Fernandes, licenciado em Direito, com distinção, pela Faculdade de Direito de Lisboa. Entrou no MNE em Abril de 1948 como adido da Legação. Foi cônsul de Portugal em Nova Iorque e Encarregado de Negócios no Paquistão, Montevideu (Uruguai) e Venezuela. Foi conselheiro da Legação Portuguesa na NATO (Paris), Director Económico do MNE. Director dos Serviços Jurídicos e Tratados do MNE e Embaixador de Portugal no México, Holanda e Turquia.


7 comentários:

Marcos Pinho de Escobar disse...

Obrigado por publicar o texto do Diabo. Fui leitor assíduo do semanário quando estava em Portugal. É realmente impressionante como a cáfila abrilesca, que há 33 anos vem investigando com microscópio electrónico a vida pessoal e pública de Salazar, no intento de divulgar os imperdoáveis crimes do "fascismo", não conseguem nada a não ser duas ou três invencionices mal amanhadas facilmente reduzidas a pó de pedra pela lógica e pelos factos. Coitados. Mesmo com todo o poder, todo o dinheiro e todos os "lugares rendosos" que obtiveram com a traição à Pátria, com todas as sinecuras, auto-elogios e auto-premiações, mesmo assim, os abrilinios esfolam-se para conspurcar a memória de um homem genial e impoluto - a perfeita antítese desta cambada infecta.
Cumprimentos.

Pedro Botelho disse...

(Hahaha)~~ :^D

Impagável. Não tinha lido mas ainda bem que existe a blogosfera...

Anónimo disse...

Olá

É extraordinario como a verdade pode ser tão deturpada e como por vezes a memória é curta.

Li o texto da carta que o Embaixador Carlos Fernandes enviou à Dra. Maria Barroso em 2004 e fiquei estupefacta com o facto de ele ter mencionado um trabalho do seu amigo o Prof. Pinto dizendo que este fez um estudo sobre ASM sem o seu conhecimento.
Ora acontece que eu tenho em meu poder cópia da carta que o Prof. Pinto enviou ao Embaixador e do estudo feito pelo professor que apesar de tentar defender Salazar considera ASM um Homem BOM E JUSTO!!!!

Este senhor Embaixador que nunca lidou directamente com ASM devia era ter vergonha e estar calado.

Sobretudo devia ter cuidado com as alegações que faz pois na net todos podemos ter acesso às mentiras que são escritas e mais tarde ou mais cedo é o que acontece.

E foi o que hoje aconteceu. Tive oportunidade de ler mais uma vergonhosa deturpação da verdade.

Xavier disse...

Começar primeiro por tentar identificar a autora do comentário . KIKI [quanto baste ], não há nome assim...Anahory - bem temos dois ramos , o cristão [ou cristão-novo] e o judaico. A autora deverá ser do judaico. Garin, apenas me recordo de um embaixador com esse apelido que se cobriu de ridiculo na O.N.U. e desapareceu da cena.
Agora sobre o assunto. Conheço há muitos anos o Embaixador Carlos Fernandes. É pessoa séria e não brinca. Aliás o que ele escreveu foi mais até do que escreveu o Embaixador Hall Themido sobre A. Sousa Mendes - um mito ou uma farsa.
Agora esclareça:
1-é ou não verdade que ASM. teve vários processos no M.N.E.?
2- que muitos desses documentos desapareceram misteriosa e oportunamente?
3- que teve ou não 14 , repito 14, filhos da legitima, da amante e da filha da amante?
4- quem nestas condições não iria ter gravissimos problemas financeiros e, mesmo com o ordenado, não iria "morrer na pobreza"?
5-é ou não verdade que as autoridades inglesas alertaram as portuguesas para as irregularidades do tal Consul em Bordeus?
6- é ou não verdade que muitas das pessoas beneficiadas com vistos ou passaportes irregulares se queixaram de favorecer o dito Consul com bens, etc, etc, e de aí terem justamente desaparecido tantos documentos do processo? Essas pessoas já há muito que não existem, logo só os documentos seriam reveladores...
7- perante tudo isto como classifica o despacho do então Ministro dos Negócios Estrangeiros em que, apesar de tudo, salvaguarda ainda o vencimento do dito Consul?
Quando se começa uma farsa ou um mito, que convem, tudo se faz para o manter e suprimir tudo e todos que o possam desmascarar. É justamente o que faz,bem como muitos outros
Xavier Reis

Pedro Paiva disse...

Caro Xavier Reis,
Queria começar por felicita-lo pelos oportunos conteúdos de qualidade com que tem presenteado os seus leitores, também verifiquei que já há algum tempo não pública, faço votos que tenha sido por uma boa causa.
Foi com grande interesse que li o seu artigo sobre a "verdade" de ASM, sobretudo por ter exposto um ponto de vista completamente "desconstruído" de tudo o que é apresentado sobre o assunto, deste Grande Português, ainda que a sua conduta, alguma vez, tivesse passado por todas as situações que inúmera.
Em todo caso, o propósito desta minha pequena contribuição, vem no sentido de sublinhar alguns fatos descritos nos documentos oficiais que divergem de informações apesentadas nesta publicação:
Nomeadamente a a decisão da condenação de 30 de outubro de 1940, que de forma curta e clara, o arguido é condenado "na pena de um ano de inactividade com direito a metade do vencimento de categoria, devendo em seguida ser aposentado", a aposentação não chegou a concretizar-se e essa informação foi confirmada também nos trabalhos da Assembleia da República a quando da sua reintegração na carreira a titulo póstumo; Documento oficial: http://vidaspoupadas.idiplomatico.pt/aristides-de-sousa-mendes/documentos/
Por outro lado, a informação que me deixou mais intrigado, quando refere que desde o início da sua carreira foi alvo várias advertência, ora pelo que pude ler no parecer do relatório do processo disciplinar de Aristides de Sousa Mendes, um dos aspetos que é enfatizado como atenuante e que terá contribuído para a redução da penalização a aplicar, e que é abordada mais do que uma vez no dito relatório, é de que ASM possuía uma carreira exemplar, que contrasta qualitativamente com a informação apresentada. Quanto ao desaparecimento de elementos da sua conduta é uma situação no mínimo intrigante, quase tanto quanto o enigma que ainda assombra os factos de uma situação conturbada num dos períodos mais negros da história mundial.
Agradeço-lhe mais uma vez pela qualidades dos conteúdos disponibilizado!
Pedro Paiva

Pedro Paiva disse...

Caro Xavier Reis,
Queria começar por felicita-lo pelos oportunos conteúdos de qualidade com que tem presenteado os seus leitores, também verifiquei que já há algum tempo não pública, faço votos que tenha sido por uma boa causa.
Foi com grande interesse que li o seu artigo sobre a "verdade" de ASM, sobretudo por ter exposto um ponto de vista completamente "desconstruído" de tudo o que é apresentado sobre o assunto, deste Grande Português, ainda que a sua conduta, alguma vez, tivesse passado por todas as situações que inúmera.
Em todo caso, o propósito desta minha pequena contribuição, vem no sentido de sublinhar alguns fatos descritos nos documentos oficiais que divergem de informações apesentadas nesta publicação:
Nomeadamente a a decisão da condenação de 30 de outubro de 1940, que de forma curta e clara, o arguido é condenado "na pena de um ano de inactividade com direito a metade do vencimento de categoria, devendo em seguida ser aposentado", a aposentação não chegou a concretizar-se e essa informação foi confirmada também nos trabalhos da Assembleia da República a quando da sua reintegração na carreira a titulo póstumo; Documento oficial: http://vidaspoupadas.idiplomatico.pt/aristides-de-sousa-mendes/documentos/
Por outro lado, a informação que me deixou mais intrigado, quando refere que desde o início da sua carreira foi alvo várias advertência, ora pelo que pude ler no parecer do relatório do processo disciplinar de Aristides de Sousa Mendes, um dos aspetos que é enfatizado como atenuante e que terá contribuído para a redução da penalização a aplicar, e que é abordada mais do que uma vez no dito relatório, é de que ASM possuía uma carreira exemplar, que contrasta qualitativamente com a informação apresentada. Quanto ao desaparecimento de elementos da sua conduta é uma situação no mínimo intrigante, quase tanto quanto o enigma que ainda assombra os factos de uma situação conturbada num dos períodos mais negros da história mundial.
Agradeço-lhe mais uma vez pela qualidades dos conteúdos disponibilizado!
Pedro Paiva

Pedro Paiva disse...

Caro Xavier Reis,
Queria começar por felicita-lo pelos oportunos conteúdos de qualidade com que tem presenteado os seus leitores, também verifiquei que já há algum tempo não pública, faço votos que tenha sido por uma boa causa.
Foi com grande interesse que li o seu artigo sobre a "verdade" de ASM, sobretudo por ter exposto um ponto de vista completamente "desconstruído" de tudo o que é apresentado sobre o assunto, deste Grande Português, ainda que a sua conduta, alguma vez, tivesse passado por todas as situações que inúmera.
Em todo caso, o propósito desta minha pequena contribuição, vem no sentido de sublinhar alguns fatos descritos nos documentos oficiais que divergem de informações apesentadas nesta publicação:
Nomeadamente a a decisão da condenação de 30 de outubro de 1940, que de forma curta e clara, o arguido é condenado "na pena de um ano de inactividade com direito a metade do vencimento de categoria, devendo em seguida ser aposentado", a aposentação não chegou a concretizar-se e essa informação foi confirmada também nos trabalhos da Assembleia da República a quando da sua reintegração na carreira a titulo póstumo; Documento oficial: http://vidaspoupadas.idiplomatico.pt/aristides-de-sousa-mendes/documentos/
Por outro lado, a informação que me deixou mais intrigado, quando refere que desde o início da sua carreira foi alvo várias advertência, ora pelo que pude ler no parecer do relatório do processo disciplinar de Aristides de Sousa Mendes, um dos aspetos que é enfatizado como atenuante e que terá contribuído para a redução da penalização a aplicar, e que é abordada mais do que uma vez no dito relatório, é de que ASM possuía uma carreira exemplar, que contrasta qualitativamente com a informação apresentada. Quanto ao desaparecimento de elementos da sua conduta é uma situação no mínimo intrigante, quase tanto quanto o enigma que ainda assombra os factos de uma situação conturbada num dos períodos mais negros da história mundial.
Agradeço-lhe mais uma vez pela qualidades dos conteúdos disponibilizado!
Pedro Paiva