A ACTUALIDADE DE SALAZAR
(...) Ora quando nestas colunas se fala em Salazar não é para lhe ressuscitar a governo nem para matar uma saudade irremediável. Salazar, se fosse vivo, ele próprio tomaria as opções políticas da hora que passa — mudando certamente sem se contradizer, reformando sem perder o fito histórico e a sua luminosa consciência de sábio.
Mas felizmente para todos (e abeiramo‑nos do tempo das grandes conversões) Salazar, sem querer, deixou a única obra de filosofia política digna desse nome à escala mundial. Como refere Ploncard d`Assac, é obra de um filósofo que teve a poderosa intuição da perenidade do pensamento. Até de pequenas circunstâncias históricas (e o governante português tinha como ninguém o sentido da grandeza do Estado e a noção das proporções) Salazar deixou sempre o traslado das frases que não envelhecem e o segredo das soluções que desafiam o tempo.
O seu conceito de democracia orgânica abisma no vazio e na inutilidade prática esta partidocracia que se perde em discussões estéreis, em erros condenados pela História, e em guerras que consomem inutilmente as energias da nação.
Decerto que o corporativismo não era perfeito e não resultou em toda a linha nem pôde ser aplicado na totalidade da lógica do seu sistema. O Portugal que foi entregue a Salazar para o arrancar à descrença, ao conformismo e desordem mortal, era um mosaico de traições à História, uma satânica renegação do seu destino. Não dispondo de outro apoio senão o do seu génio de govemante e o da sua integridade e autoridade moral, Salazar teve de parar algumas vezes no trajecto histórica diante dos abencerragens dos erros passados. Com razão se diz que a sua tarefa espantosa de manter Portugal neutro durante a Guerra foi mais difícil em relação aos seus inimigos de dentro do que relativamente aos beligerantes. Nomeadamente, o embaixador em Londres, conspirando junto do Govemo britânico, deu mais trabalho e dores de cabeça a Salazar do que as vicissitudes do conflito e as flutuações da sorte da guerra.
Ora os discursos do político português oferecem hoje a mais fecunda e admirável lição. E também a mais actual. Nele se reflecte a essência do pensamento das encíclicas para a questão social, a construção de uma cidade em que os homens hão‑de conviver na paz e no equilíbrio, o valor imprescindível da autoridade para garantia da liberdade, as constantes do nosso destino eterno como inspiração das instituições basilares da sociedade.
A tudo isto, que nos surge vasado em trechos de antologia, juntou Salazar a previsão dos acontecimentos, de modo que se pode sustentar que foi, em vida e em sentido vulgar, o único profeta dos estranhos caminhos do Homem neste século e nos mais próximos vindouros.
Último grande europeu, no sentido civilizacional, combateu até ao último sopro de vida as ideologias que precipitaram a Europa no negativismo mais torpe e no mais cruel despotismo de que há memória. Os acontecimentos viriam a dar‑lhe, contra a expectativa dos seus adversários e a generalidade dos contemporâneos enlouquecidos por ideologias condenadas e mitos passageiros, aquilo que imortaliza um ser humano: a plena razão dos seus juizos sobre o futuro.
A Direita reivindica em exclusivo essa honra de ter razão. E de ser o caminho da restituição do sentido divino da História. Salazar deixou-lhe a mais lídima e fecunda das heranças — a de um progresso verdadeiro, baseado na ideia de reforma que só os verdadeiros conservadores possuem.
Silva Resende
In O Dia, 14.05.1994
In O Dia, 14.05.1994
1 comentário:
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http://www.historiamaximus.blogspot.pt/2013/03/a-actualidade-de-salazar.html
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