Esperem pela pancada
Graças ao Grande Arquitecto, televisões, rádios e jornais que, com toda a isenção, fizeram pela vida – neste caso, pela morte – o referendo lá pariu o ansiado “Sim”.
E foi bom.
Foi bom porque, caso contrário, teríamos no horizonte mais um ou vários referendo, até que a resposta politicamente correcta acabasse por aparecer, assim a modos desse concursozinho da D. Maria Elisa que se vai multiplicando e alterando, até que Salazar seja banido que mais não seja, para um vergonhoso segundo lugar.
Ora, os referendos, como as demais funçanatas da democracia reinante, custam-nos os olhos da cara e, como vocências muito bem sabem, já nem dinheiro temos para mandar cantar um cego por mais desafinado que o pobrezinho seja.
Pela parte que me toca, estou-me nas tintas. Como já disse, o aborto só me interessaria se retroactivo e até aos setenta e sete anos. Tanto mais que, tenho para mim, gente decente – e nisso não se englobam só os católicos, como andaram a insinuar, à míngua de argumentos, muitos defensores do “Sim” – não se mete em coisas dessas, antes pelo contrário. O aborto vai continuar tão livre como quase sempre foi, pese o número escasso de “piquenas” apanhadas com as mãozinhas sujas de sangue e as miudezas numa lástima muitas vezes sem retorno,
Depois, aqui para nós muito à puridade, verdade verdadinha que o “Sim” não veio alterar nada. As dez semanas vão revelar-se uma chatice tal como todas as outras listas de espera, do tamanho da légua da Póvoa, que já se estendem à porta dos nossos parcos hospitais. E, ainda por cima, há para aí uns energúmenos que se dizem médicos e que ameaçam com objecções de consciência, pensando, se calhar, que a vida já está inteirinha na barriga das mães e que deve ser ali tão inviolável como depois de aparecer à luz do dia.
Cá para mim, o que gostava de saber é se este Estado modernaço acha que o aborto, depois das tais dez semanitas da praxe, poderá considerar-se crime, embora tenha aprendido com o professor Marcelo que há crimes que não devem ser julgados nem sujeitos a condenação por mais levezinha que ela seja.
Mas se a lei só permite a morte dos inocentes até às dez semanas...
Também me faz alguma azia essa coisa do aborto – que não é uma interrupção mas um liquidação definitiva da gravidez – só ser permitida em estabelecimentos legalmente autorizados. Quererá dizer que essas estrénuas parteiras de vão de escada e arredores, depois de tudo que fizeram pelo progresso deste país, vão ficar fora da carroça e impedidas de praticar a sua nobre profissão? Não me parece justo, tanto mais que, além dos milhares de abortos realizados, muitas delas deram a cara (e mais do que isso), pelas campanhas a favor do “Sim”. Claro que, atrevo-me a apostar, muitos “estabelecimentos” serão rapidamente legalizados, entre eles as sucursais das famosas clínicas espanholas que, consta, já cá estão montadas à espera de autorização para iniciarem a hecatombe.
Mas, vá lá, as doces damas deste país, poderão fazer um aborto sempre que lhes dê na republicaníssima gana, sem terem de explicar carências económicas, complicações sociais, malformações do feto, violações adrede, descuidos de uma noite de Verão ou falta das necessárias condições em carros estacionados ali para as bandas das docas ou similares.
São livres. Finalmente, livres.
E tão livres este Estado de progresso considera estas damas tão progressistas que até entendeu isentá-las de qualquer aconselhamento que, sabe-se, bem poderia desorientar aquelas cabecinhas orientadas... na direcção do disparate.
Temos assim, pelo simples efeitos de uns pedacinhos de papel metidos numas latas regulamentares, um país moderno e exemplar que já pode sentar-se sem vergonha entre as nações civilizadas.
E, como alguns se apressaram a fazer notar, tal como dizia o saudoso Guterres aquando da inauguração daquela Feira, ali para os lados de Chelas, que nos custou uma pipa de massa que nunca mais acabamos de pagar e que agora é feira de vaidades para quem pode dar uns milhões por um apartamento: “Portugal está na moda”.
Finalmente, está na moda.
Depois disto, o necessário é não esmorecer e malhar o ferro enquanto ainda está quente. Já de seguida.
Espero que os “casais” homossexuais (esses ao menos não poderão abortar), possam adoptar criancinhas escapadas à matança legalizada para, nas horas vagas, brincarem aos papás e à mamãs.
E, claro, que os “homos” possam “casar-se livremente, com ou sem vestidinho de noiva imaculado, conforme os gostos de cada um.
Dois casos “consensuais” que dispensam a consulta popular e que atestam o grau civilizacional do nosso bom povo.
Depois, logo de seguida, espero um referendo para liberalizar a eutanásia, pondo-nos muito à frente de alguns países ditos modernos que andam a engonhar e nunca mais a autorizam.
Entretanto, podem por cá fora a tão esperada lei que nos proibirá fumar em locais públicos, casas de banho, jardins com menos de dez hectares e montanhas de altura inferior a cinco mil metros. Poderá não fazer grande coisa pela nossa saúde, que já está ameaçada pelo Serviço Nacional da dita – incapaz, apesar dos protestos do excelente ministro Correia de Campos, de acorrer aos padecimentos mais graves do que calos inflamados que, visivelmente, não estão em lista de espera – mas sempre serve de vingança à malta de fígado avariado que, até hoje, só tem as passadeiras de peões para se vingar de concidadãos aparentemente mais felizes.
E enquanto os bárbaros acampam às portas da cidade que, de resto (e de rastos), se debate com todo o tipo de desgraças, os referendos lá nos servirão para entreter o pagode, como se conta que os imperadores romanos faziam com o circo.
Isso e os concursos da D. Maria Elisa que, coitada, andava toda Contente (Domingues), até tropeçar nesse horrível-ditador-de-Santa-Comba que lhe só lhe tem dado desgostos e muita trabalheira para o expulsar do primeiro lugar que, muito francamente, nem sequer merece.
E foi bom.
Foi bom porque, caso contrário, teríamos no horizonte mais um ou vários referendo, até que a resposta politicamente correcta acabasse por aparecer, assim a modos desse concursozinho da D. Maria Elisa que se vai multiplicando e alterando, até que Salazar seja banido que mais não seja, para um vergonhoso segundo lugar.
Ora, os referendos, como as demais funçanatas da democracia reinante, custam-nos os olhos da cara e, como vocências muito bem sabem, já nem dinheiro temos para mandar cantar um cego por mais desafinado que o pobrezinho seja.
Pela parte que me toca, estou-me nas tintas. Como já disse, o aborto só me interessaria se retroactivo e até aos setenta e sete anos. Tanto mais que, tenho para mim, gente decente – e nisso não se englobam só os católicos, como andaram a insinuar, à míngua de argumentos, muitos defensores do “Sim” – não se mete em coisas dessas, antes pelo contrário. O aborto vai continuar tão livre como quase sempre foi, pese o número escasso de “piquenas” apanhadas com as mãozinhas sujas de sangue e as miudezas numa lástima muitas vezes sem retorno,
Depois, aqui para nós muito à puridade, verdade verdadinha que o “Sim” não veio alterar nada. As dez semanas vão revelar-se uma chatice tal como todas as outras listas de espera, do tamanho da légua da Póvoa, que já se estendem à porta dos nossos parcos hospitais. E, ainda por cima, há para aí uns energúmenos que se dizem médicos e que ameaçam com objecções de consciência, pensando, se calhar, que a vida já está inteirinha na barriga das mães e que deve ser ali tão inviolável como depois de aparecer à luz do dia.
Cá para mim, o que gostava de saber é se este Estado modernaço acha que o aborto, depois das tais dez semanitas da praxe, poderá considerar-se crime, embora tenha aprendido com o professor Marcelo que há crimes que não devem ser julgados nem sujeitos a condenação por mais levezinha que ela seja.
Mas se a lei só permite a morte dos inocentes até às dez semanas...
Também me faz alguma azia essa coisa do aborto – que não é uma interrupção mas um liquidação definitiva da gravidez – só ser permitida em estabelecimentos legalmente autorizados. Quererá dizer que essas estrénuas parteiras de vão de escada e arredores, depois de tudo que fizeram pelo progresso deste país, vão ficar fora da carroça e impedidas de praticar a sua nobre profissão? Não me parece justo, tanto mais que, além dos milhares de abortos realizados, muitas delas deram a cara (e mais do que isso), pelas campanhas a favor do “Sim”. Claro que, atrevo-me a apostar, muitos “estabelecimentos” serão rapidamente legalizados, entre eles as sucursais das famosas clínicas espanholas que, consta, já cá estão montadas à espera de autorização para iniciarem a hecatombe.
Mas, vá lá, as doces damas deste país, poderão fazer um aborto sempre que lhes dê na republicaníssima gana, sem terem de explicar carências económicas, complicações sociais, malformações do feto, violações adrede, descuidos de uma noite de Verão ou falta das necessárias condições em carros estacionados ali para as bandas das docas ou similares.
São livres. Finalmente, livres.
E tão livres este Estado de progresso considera estas damas tão progressistas que até entendeu isentá-las de qualquer aconselhamento que, sabe-se, bem poderia desorientar aquelas cabecinhas orientadas... na direcção do disparate.
Temos assim, pelo simples efeitos de uns pedacinhos de papel metidos numas latas regulamentares, um país moderno e exemplar que já pode sentar-se sem vergonha entre as nações civilizadas.
E, como alguns se apressaram a fazer notar, tal como dizia o saudoso Guterres aquando da inauguração daquela Feira, ali para os lados de Chelas, que nos custou uma pipa de massa que nunca mais acabamos de pagar e que agora é feira de vaidades para quem pode dar uns milhões por um apartamento: “Portugal está na moda”.
Finalmente, está na moda.
Depois disto, o necessário é não esmorecer e malhar o ferro enquanto ainda está quente. Já de seguida.
Espero que os “casais” homossexuais (esses ao menos não poderão abortar), possam adoptar criancinhas escapadas à matança legalizada para, nas horas vagas, brincarem aos papás e à mamãs.
E, claro, que os “homos” possam “casar-se livremente, com ou sem vestidinho de noiva imaculado, conforme os gostos de cada um.
Dois casos “consensuais” que dispensam a consulta popular e que atestam o grau civilizacional do nosso bom povo.
Depois, logo de seguida, espero um referendo para liberalizar a eutanásia, pondo-nos muito à frente de alguns países ditos modernos que andam a engonhar e nunca mais a autorizam.
Entretanto, podem por cá fora a tão esperada lei que nos proibirá fumar em locais públicos, casas de banho, jardins com menos de dez hectares e montanhas de altura inferior a cinco mil metros. Poderá não fazer grande coisa pela nossa saúde, que já está ameaçada pelo Serviço Nacional da dita – incapaz, apesar dos protestos do excelente ministro Correia de Campos, de acorrer aos padecimentos mais graves do que calos inflamados que, visivelmente, não estão em lista de espera – mas sempre serve de vingança à malta de fígado avariado que, até hoje, só tem as passadeiras de peões para se vingar de concidadãos aparentemente mais felizes.
E enquanto os bárbaros acampam às portas da cidade que, de resto (e de rastos), se debate com todo o tipo de desgraças, os referendos lá nos servirão para entreter o pagode, como se conta que os imperadores romanos faziam com o circo.
Isso e os concursos da D. Maria Elisa que, coitada, andava toda Contente (Domingues), até tropeçar nesse horrível-ditador-de-Santa-Comba que lhe só lhe tem dado desgostos e muita trabalheira para o expulsar do primeiro lugar que, muito francamente, nem sequer merece.
Walter Ventura
In O Diabo, n.º 1573, pág. 18, 20.02.2007
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