23.8.08

Israel deve atacar o Irão para evitar uma guerra nuclear

O típico texto de "fazedor de opinião", de "opinião publicada" para essa coisa abstracta a que chamam pomposamente Opinião Pública.
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Um ataque nuclear israelita para evitar que o Irão consiga a Bomba, ou depois de este ter obtido a Bomba, é provável. Israel vai certamente atacar as instalações nucleares do Irão nos próximos quatro a sete meses. E tanto os líderes de Teerão como os de Washington deveriam desejar fervorosamente que o ataque fosse bem sucedido, provocando pelo menos um atraso significativo na produção nuclear do Irão, se não a completa destruição do programa nuclear do país.
Se o ataque falhar, o Médio Oriente vai quase com certeza ser palco de uma guerra nuclear - ou devido a um ataque nuclear preventivo por parte de Israel ou a um confronto nuclear pouco depois de o Irão conseguir fabricar a sua bomba.
Não é do interesse do Irão, nem dos EUA, nem do resto do mundo, que o Irão seja arrasado por um ataque nuclear ou que o Irão e Israel sofram ambos essa sorte.
O que se seguiria a um cenário desse tipo seria uma traumática desestabilização do Médio Oriente, com consequências políticas e militares que se fariam sentir em todo o Globo, sérios prejuízos para o fornecimento de petróleo ao Ocidente e poluição radioactiva da atmosfera e da água do Planeta.
Apesar disso, assistiremos quase com certeza a curto prazo, a uma escalada do conflito israelo-iraniano para o patamar nuclear, caso o ataque convencional de Israel não consiga destruir ou adiar significativamente o programa iraniano, que todos os serviços secretos do mundo acreditam que está a ser orientado para a produção de armas nucleares e não para a produção pacífica de energia nuclear.
Apesar das actuais propostas de mais sanções económicas, todos sabem que as sanções não conseguiram nenhum resultado até agora e que é pouco provável que consigam ser aplicadas com suficiente amplitude e rigor para paralisar o projecto iraniano - considerando a permanente recalcitrância da Rússia e da China e a ambivalência do comportamento da Europa Ocidental e dos Estados Unidos (ainda que não da sua retórica).
Os serviços de informações ocidentais acreditam que o Irão irá atingir o ponto de não-regresso da produção de bombas nucleares dentro de um a quatro anos.
Isto deixa o mundo apenas com uma opção, se se pretende impedir a nuclearização do Irão: a opção militar, o que significa um ataque aéreo, por parte dos Estados Unidos ou de Israel. É evidente que os americanos possuem a capacidade militar para levar a missão a cabo utilizando meios convencionais, o que significaria um ataque aéreo à defesa aérea iraniana, aos centros de comando e controlo e às próprias instalações nucleares. Mas, devido à embrulhada iraquiana e àquilo que está rapidamente a evoluir para a embrulhada afegã, o público americano não está muito entusiasmado com a ideia de lançar mais uma guerra num país islâmico nem acredita que um ataque ao Irão corresponda a um interesse vital dos EUA - o que limita a margem de manobra da Casa Branca.Isto deixa em cena apenas Israel - o país que é quase diariamente ameaçado pelos líderes iranianos com a sua destruição iminente. Daí a recente vaga de notícias sobre os preparativos e os planos israelitas para atacar o Irão (por várias razões, o período de 5 de Novembro de 2008 a 19 de Janeiro de 2009 parece a aposta mais segura).
O problema é que as capacidades militares de Israel são inferiores às da América e, devido às distâncias envolvidas, à multiplicidade e dispersão dos alvos iranianos, ao facto de muitos serem instalações subterrâneas e à escassez de informações, é improvável que as forças israelitas possam destruir ou atrasar significativamente o projecto nuclear iraniano - mesmo que sejam autorizadas a usar o espaço aéreo da Jordânia e do Iraque e pistas de aterragem iraquianas.
Mas Israel, acreditando que a sua própria existência está em causa - um sentimento partilhado por muitos israelitas, incluindo responsáveis políticos -, fará certamente esse esforço, recorrendo às suas capacidades convencionais.
Todos os líderes israelitas, do primeiro-ministro Ehud Olmert para baixo, já disseram claramente que uma bomba nuclear iraniana significaria a destruição de Israel e que não permitirão que o Irão obtenha a Bomba.
É possível que um ataque convencional israelita, mesmo que não seja bem sucedido, convença os iranianos a suspender o seu programa nuclear ou persuada os poderes ocidentais a aumentar a sua pressão diplomática e económica ou mesmo a intervir militarmente.
Mas o cenário mais provável é que a comunidade internacional continue a não fazer nada de concreto e que o Irão acelere os esforços para produzir a bomba que irá destruir Israel. É igualmente provável que os iranianos retaliem, atacando cidades israelitas com mísseis balísticos, exortem o Hezbollah e o Hamas a lançar os seus arsenais contra o norte e o sul de Israel e lancem as redes internacionais de muçulmanos terroristas contra alvos israelitas e judeus (e talvez também americanos) em todo o mundo. Isto colocaria os líderes israelitas perante uma alternativa terrível: ou permitir que os iranianos obtenham a Bomba e esperar pelo melhor (um equilíbrio nuclear, esperando que a perspectiva da "destruição mútua garantida" impeça os iranianos de usar a sua bomba) ou explorar os contra-ataques iranianos, que poderão envolver o uso de ogivas químicas e biológicas, para escalar a resposta e lançar um ataque preventivo recorrendo aos únicos meios de que Israel dispõe para destruir o programa nuclear de Teerão: o seu próprio arsenal nuclear.
Dado o quadro mental fundamentalista e sacrificial dos mullahs que governam o Irão, é possível que a dissuasão não funcione (como funcionou com os homens racionais que dirigiam o Kremlin e a Casa Branca no auge da Guerra Fria). Os líderes de Israel não podem limitar-se a confiar que a dissuasão funcione. Portanto, um ataque nuclear israelita para evitar que os iranianos consigam a Bomba ou para destruir os seus silos nucleares, depois de eles terem obtido a Bomba, é provável.
Em alternativa, na ausência de um ataque preventivo por parte de Israel, um ataque nuclear iraniano contra Israel, provocado por motivos ideológicos ou pelo medo de ser vítima de um ataque, e um contra-ataque israelita (ou americano) é igualmente provável. Seja qual for o caso, um Holocausto no Médio Oriente é o que o futuro nos reserva.
Tudo isto significa que os líderes iranianos fariam bem em repensar a sua estratégia e suspender o seu programa nuclear. Se não o quiserem fazer, deveriam estar a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para garantir que o ataque aéreo convencional de Israel às suas instalações nucleares seja bem sucedido. É evidente que o resultado desse assalto serão milhares de baixas iranianas e a humilhação internacional. Mas a alternativa é um Irão transformado num cemitério nuclear. Alguns iranianos podem pensar que este é um risco que vale a pena correr e um preço aceitável a pagar pela destruição de Israel. Mas a maior parte dos iranianos provavelmente pensa de forma diferente.
Benny Morris
In jornal Público, 24.07.2008

Benny Morris é Professor de História do Médio Oriente na Universidade Ben-Gurion, em Israel e um conceituado historiador israelita cujos trabalhos permitiram revelar a responsabilidade de Israel no êxodo dos palestinianos após a guerra de 1948 e na criação do problema dos refugiados. As suas opiniões políticas foram sempre polémicas, tendo inicialmente sido conotadas com a extrema-esquerda e, nos últimos anos, com posições mais de direita, apesar de o historiador afirmar que sempre votou nos trabalhistas ou nos partidos à esquerda dos trabalhistas. Isso torna a sua opinião ainda mais importante e significativa, sendo que nas páginas do Público avaliamos o interesse do que editamos pela sua relevância e não por os artigos serem ou não politicamente incorrectos. Refira-se que este texto também já foi publicado no New York Times.

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