Acabei de ler o último número da Futuro Presente dedicada a Salazar. Dos seus artigos destaco:
- "Filme de Guerra - o cinema português e a guerra de Espanha", por José Luís Andrade;
- "Ultramar - o Estado Novo e as campanhas de afirmação da soberania em África: uma visão militar" de Francisco Garcia;
- "A Vida dos Outros", crítica do filme feita por Miguel Freitas da Costa;
- "Como sobreviver à infância", entrevista feita por Alexandra Martins ao escritor tolkieano Ricardo Pinto;
- "O momento salazariano - a propósito de um concurso de televisão.", o texto de fundo da revista, da autoria de Jaime Nogueira Pinto.
Deste texto, sublinho duas interessantes passagens.
A que revela e denuncia as reacções dos campeões da tolerância face ao resultado esmagador da vitória de Salazar (41%) no concurso "Os grandes portugueses":
"As reacções à vitória de Salazar no concurso ilustraram essa intolerância real dos tolerantes «oficiais». Já antes essa possibilidade causava uma notória apreensão, sobretudo quando foi observado que as coisas não corriam de feição e tudo, efectivamente, foi apresentado como remédio preventivo para a tão perigosa «ressurreição» do fascismo que implicaria Salazar ganhar. Vitória que, entretanto, depois, se quis minimizar. A estratégia da «tolerância» teve várias fases:
Primeiro: antes de mais, proibir «Salazar» de participar, quer dizer não incluir o seu nome nas listas dos candidatos.
Segundo: depois de «incluído» ou melhor «engolido» arranjar-lhe uma biografia tenebrosa, só divertida, porque comparada com a de Cunhal, demonstrava o facciosismo «burro» dos autores.
Terceiro: o segredo guardado como «segredo de Estado» da classificação relativa dos «dez mais» seleccionados para a final.
Quarto: a coligação «negativa» articulada na noite da finalíssima, e os actos de clara hostilidade à escolha dos votantes - dos «portugueses» - como diria a Teresa Guilherme.
Quinto: a patética invenção de uma «sondagem» que antecedeu o anúncio dos resultados da finalíssima e a pretensão de contrapôr o carácter «científico» da amostra de menos de 1000 inquiridos ao carácter «pouco científico» da amostra de mais de 200.000 que votaram na finalíssima.
Sexto: a própria noite da «finalíssima» em que, com duas excepções - Rosado Fernandes e José Miguel Júdice - todos os intervenientes e parte das «claques» se sentiram obrigados, mais que defender o seu candidato, a directa ou indirectamente fazerem a sua guerra a Salazar. Assistimos assim, até ao «branqueamento» em termos de «direitos humanos» (como grande defensor da população muçulmana de Lisboa conquistada) de D. Afonso Henriques. E vimos o Dr. João Soares a sustentar o «humanismo» do Marquês de Pombal!
Porque a correcção política mandava que naquela noite, o mau da festa tinha que ser Salazar! E só ele!
A seguir ao programa, houve algumas explosões de escândalo «incontido» - logo ali na própria RTP a magnífica lição de civismo e cultura democrática de Odete Santos. Depois de alguns comentários apocalípticos de conhecidos antifascistas, mudou completamente a toada: foi a «desvalorização" - que não passava de um concurso (o que eu disse na noite da vitória) - e que os estudos «científicos» - as sondagens ad hoc - davam outro resultado.
Mas nelas, Salazar continuava à frente de todos os contemporâneos, isto é, dos «grandes portugueses» do século XX.» (págs. 20/21)
A outra passagem é esta:
«Em 1961, começa a guerra em África, em Angola. Salazar entende do interesse nacional de defender o Império porque nele sempre viu a base de massa crítica e da diferença nacional, isto é um sine qua non da própria independência do país. Deste modo, e graças a um clima de patriotismo e reacção nacional aos ataques da UPA-FNLA no Norte de Angola, ordena a mobilização das tropas. Depois de vencer a conspiração de Júlio Botelho Moniz, ministro da Defesa. Em 1963 a guerra começa na Guiné e em 1964 em Moçambique. Esta "questão do Ultramar", ou "colonial", é hoje o ponto principal dos seus críticos. Podia ter feito outra coisa? Post res perditae, é sempre mais fácil racionalizarmos o acontecido. Ou seja se se perdeu era para perder. Pessoalmente, eu que fui um defensor na época, e muito jovem, dessa unidade para sempre, dou-me conta de que independentemente da bondade da situação, realisticamente, um médio ou pequeno-médio poder não pode, indefinidamente, lutar contra a História e a ordem internacional.
E mais: a minha observação da África pós-independência leva-me a concluir que não era tão impossível uma manutenção de interesses - culturais e económicos e até de influência política - sem a soberania." (Pág. 25)
Pois é. Penso que o senhor Jaime Nogueira Pinto, hoje uma pessoa amadurecida, evoluída, sem aquelas ideias "anarco-fascistas" típicas de um jovem, prefere uma manutenção de interesses sem a Soberania.
Compreendo-o perfeitamente. Como Portugal já não existe, terminou com a traição do 25 de Abril e com a "integração europeia", a soberania portuguesa já não existe mais. O que existe é, sim, "uma manutenção de interesses" e ninguém melhor do que o próprio para defender tal tese tendo em atenção a sua "manutenção de interesses" na barragem moçambicana de Cabora Bossa bem como em Angola, primeiro com a Unita e agora com o MPLA.
Por mero acaso e coincidência lembro aqui as palavras de António Barreto:
"Confirma o que se sabia: que a esquerda perdoa o terror, desde que cometido em seu nome. Que a esquerda é capaz de tudo, da tortura e do assassinato, desde que ao serviço do seu poder. Que a direita perdoa tudo, desde que ganhe alguma coisa com isso. Que a direita esquece tudo, desde que os negócios floresçam. A esquerda e a direita portuguesas têm, em Angola, o seu retrato. Os portugueses, banqueiros e comerciantes, ministros e gestores, comunistas e democratas, correm hoje a Angola, onde aliás se cruzam com a melhor sociedade americana, chinesa ou francesa. Para os portugueses, para a esquerda e para a direita, Angola sempre foi especial. Para os que dela aproveitaram e para os que lá julgavam ser possível a sociedade sem classes e os amanhãs que cantam. Para os que lá estiveram, para os que esperavam lá ir, para os que querem lá fazer negócios e para os que imaginam que lá seja possível salvar a alma e a humanidade. Hoje, afirmado o poder em Angola e garantida a extracção de petróleo e o comércio de tudo, dos diamantes às obras públicas, todos, esquerdas e direitas, militantes e exploradores, retomaram os seus amores por Angola e preparam-se para abrir novas vias e grandes futuros. Angola é nossa! E nós? Somos de quem?»
Aqui temos um típico representante da direita dos interesses, a direita muito direitinha é a tal que só interessa à esquerda e com ela (con)vive! É a direita das negociatas que se está a marimbar para a Pátria, para a Soberania, para o Povo! Essa, a direita do sistema económico-financeiro que tudo vende e troca por meia dúzia de tostões, quero dizer, dólares!
- "Filme de Guerra - o cinema português e a guerra de Espanha", por José Luís Andrade;
- "Ultramar - o Estado Novo e as campanhas de afirmação da soberania em África: uma visão militar" de Francisco Garcia;
- "A Vida dos Outros", crítica do filme feita por Miguel Freitas da Costa;
- "Como sobreviver à infância", entrevista feita por Alexandra Martins ao escritor tolkieano Ricardo Pinto;
- "O momento salazariano - a propósito de um concurso de televisão.", o texto de fundo da revista, da autoria de Jaime Nogueira Pinto.
Deste texto, sublinho duas interessantes passagens.
A que revela e denuncia as reacções dos campeões da tolerância face ao resultado esmagador da vitória de Salazar (41%) no concurso "Os grandes portugueses":
"As reacções à vitória de Salazar no concurso ilustraram essa intolerância real dos tolerantes «oficiais». Já antes essa possibilidade causava uma notória apreensão, sobretudo quando foi observado que as coisas não corriam de feição e tudo, efectivamente, foi apresentado como remédio preventivo para a tão perigosa «ressurreição» do fascismo que implicaria Salazar ganhar. Vitória que, entretanto, depois, se quis minimizar. A estratégia da «tolerância» teve várias fases:
Primeiro: antes de mais, proibir «Salazar» de participar, quer dizer não incluir o seu nome nas listas dos candidatos.
Segundo: depois de «incluído» ou melhor «engolido» arranjar-lhe uma biografia tenebrosa, só divertida, porque comparada com a de Cunhal, demonstrava o facciosismo «burro» dos autores.
Terceiro: o segredo guardado como «segredo de Estado» da classificação relativa dos «dez mais» seleccionados para a final.
Quarto: a coligação «negativa» articulada na noite da finalíssima, e os actos de clara hostilidade à escolha dos votantes - dos «portugueses» - como diria a Teresa Guilherme.
Quinto: a patética invenção de uma «sondagem» que antecedeu o anúncio dos resultados da finalíssima e a pretensão de contrapôr o carácter «científico» da amostra de menos de 1000 inquiridos ao carácter «pouco científico» da amostra de mais de 200.000 que votaram na finalíssima.
Sexto: a própria noite da «finalíssima» em que, com duas excepções - Rosado Fernandes e José Miguel Júdice - todos os intervenientes e parte das «claques» se sentiram obrigados, mais que defender o seu candidato, a directa ou indirectamente fazerem a sua guerra a Salazar. Assistimos assim, até ao «branqueamento» em termos de «direitos humanos» (como grande defensor da população muçulmana de Lisboa conquistada) de D. Afonso Henriques. E vimos o Dr. João Soares a sustentar o «humanismo» do Marquês de Pombal!
Porque a correcção política mandava que naquela noite, o mau da festa tinha que ser Salazar! E só ele!
A seguir ao programa, houve algumas explosões de escândalo «incontido» - logo ali na própria RTP a magnífica lição de civismo e cultura democrática de Odete Santos. Depois de alguns comentários apocalípticos de conhecidos antifascistas, mudou completamente a toada: foi a «desvalorização" - que não passava de um concurso (o que eu disse na noite da vitória) - e que os estudos «científicos» - as sondagens ad hoc - davam outro resultado.
Mas nelas, Salazar continuava à frente de todos os contemporâneos, isto é, dos «grandes portugueses» do século XX.» (págs. 20/21)
A outra passagem é esta:
«Em 1961, começa a guerra em África, em Angola. Salazar entende do interesse nacional de defender o Império porque nele sempre viu a base de massa crítica e da diferença nacional, isto é um sine qua non da própria independência do país. Deste modo, e graças a um clima de patriotismo e reacção nacional aos ataques da UPA-FNLA no Norte de Angola, ordena a mobilização das tropas. Depois de vencer a conspiração de Júlio Botelho Moniz, ministro da Defesa. Em 1963 a guerra começa na Guiné e em 1964 em Moçambique. Esta "questão do Ultramar", ou "colonial", é hoje o ponto principal dos seus críticos. Podia ter feito outra coisa? Post res perditae, é sempre mais fácil racionalizarmos o acontecido. Ou seja se se perdeu era para perder. Pessoalmente, eu que fui um defensor na época, e muito jovem, dessa unidade para sempre, dou-me conta de que independentemente da bondade da situação, realisticamente, um médio ou pequeno-médio poder não pode, indefinidamente, lutar contra a História e a ordem internacional.
E mais: a minha observação da África pós-independência leva-me a concluir que não era tão impossível uma manutenção de interesses - culturais e económicos e até de influência política - sem a soberania." (Pág. 25)
Pois é. Penso que o senhor Jaime Nogueira Pinto, hoje uma pessoa amadurecida, evoluída, sem aquelas ideias "anarco-fascistas" típicas de um jovem, prefere uma manutenção de interesses sem a Soberania.
Compreendo-o perfeitamente. Como Portugal já não existe, terminou com a traição do 25 de Abril e com a "integração europeia", a soberania portuguesa já não existe mais. O que existe é, sim, "uma manutenção de interesses" e ninguém melhor do que o próprio para defender tal tese tendo em atenção a sua "manutenção de interesses" na barragem moçambicana de Cabora Bossa bem como em Angola, primeiro com a Unita e agora com o MPLA.
Por mero acaso e coincidência lembro aqui as palavras de António Barreto:
"Confirma o que se sabia: que a esquerda perdoa o terror, desde que cometido em seu nome. Que a esquerda é capaz de tudo, da tortura e do assassinato, desde que ao serviço do seu poder. Que a direita perdoa tudo, desde que ganhe alguma coisa com isso. Que a direita esquece tudo, desde que os negócios floresçam. A esquerda e a direita portuguesas têm, em Angola, o seu retrato. Os portugueses, banqueiros e comerciantes, ministros e gestores, comunistas e democratas, correm hoje a Angola, onde aliás se cruzam com a melhor sociedade americana, chinesa ou francesa. Para os portugueses, para a esquerda e para a direita, Angola sempre foi especial. Para os que dela aproveitaram e para os que lá julgavam ser possível a sociedade sem classes e os amanhãs que cantam. Para os que lá estiveram, para os que esperavam lá ir, para os que querem lá fazer negócios e para os que imaginam que lá seja possível salvar a alma e a humanidade. Hoje, afirmado o poder em Angola e garantida a extracção de petróleo e o comércio de tudo, dos diamantes às obras públicas, todos, esquerdas e direitas, militantes e exploradores, retomaram os seus amores por Angola e preparam-se para abrir novas vias e grandes futuros. Angola é nossa! E nós? Somos de quem?»
Aqui temos um típico representante da direita dos interesses, a direita muito direitinha é a tal que só interessa à esquerda e com ela (con)vive! É a direita das negociatas que se está a marimbar para a Pátria, para a Soberania, para o Povo! Essa, a direita do sistema económico-financeiro que tudo vende e troca por meia dúzia de tostões, quero dizer, dólares!
6 comentários:
Grande Nonas! Grande artigo!Grande abraço!
O «médio ou pequeno-médio poder» que «não pode, indefinidamente, lutar contra a História e a ordem internacional» era o do povo que, em quatrocentos, deu início a uma epopeia que, a usar critérios burguesamente realísticos, não era humanamente concebível. A célebre tese do siso impunha a união a Castela.
Jaime Nogueira Pinto fez pior do que aqueles que ele censura por terem amesquinhado o resultado do concurso televisivo, depois de se conhecer o vencedor. Ao lado dele, Odete Santos é impoluta porque defendeu os princípios em que acredita e pelos quais sempre se bateu. Com bastante denodo, diga-se de passagem.
Não sei qual foi o propósito de Jaime Nogueira Pinto: é do foro interno dele. Mas o certo é que o seu juízo, objectivamente, envolve o branqueamento do crime de traição à Pátria.
Nos festejos da data ominosa que se aproxima, os abrilinos têm aqui, a seu favor, um argumento de sonho. Pois, se eles apenas vieram mostrar à Nação que «um médio ou pequeno-médio poder não pode, indefinidamente, lutar contra a História e a ordem internacional», onde está, pois, o crime?
Acho que, ao fim destes anos todos, ainda não vi oferecido aos autores materiais da traição, um confeito tão doce e tão bem embrulhado.
Volto a repetir: ignoro qual a intenção directa que Jaime Nogueira Pinto pôs naquilo que escreveu. Mas um homem, dotado de superior discernimento, como ele é, tinha obrigação de prever este resultado. Assim, quanto a mim, agiu com dolo eventual.
«Auri sacra fames!»
G'anda Nonas, carago!
Optio
Na mosca, Caro Nonas. Com uma "direita" como essa, quem é que precisa de uma esquerda? Aí está uma boa parte da explicação para o nefando 25 do desastre.
Abr.
Notável, notável
Continuas na tuia melhor forma e nós só temos de te agradecer
Um abraço
José Carlos
Segundo testemunhos presenciais fidedignos de confirmação do próprio, o citado voz aguda, tomou consciencia pela primeira vez do seu real destino, em terras de Angola. Quando estando integrado numa coluna militar que se dirigia para Luanda. Que à época tal como agora se encontra na posse do MPLA. Sendo esse destino outro que não o da luta pela defesa da herança histórica e politica que ele ao longo dos tempos e quando há interesse nisso finge assumir.
Assim sendo a sua epifania, fez com que descobrisse que aquilo, já não lhe dizia nada e o seu futuro passava por outros caminhos. Caminhos esses que lhe permitiram ao longo do tempo, realizar negócios e bons tanto em Angola, (sucessivamente quando não simultaneamente com a UNITA e o MPLA) como em Moçambique.
Salazar, Estado Novo, Portugal multiracial e pluricontinental claro que sim, quando dá jeito, dinheiro ou projecção mediática.
Caro Nonas, aproveitando este gostoso artigo teu sobre o Salazar, gostaria saber como seria possível encontrar um número (acho que "especial")da Revista Futuro Presente dos anos 80', dedicado á guerra de África (1961-1974)...Um pracer e obrigado, atentamente,
Carlos Rios
email: awgaliza@gmail.com
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