4.5.08

Delgado, o 28 de Maio e a sua morte

O Público de hoje traz no seu Caderno P2 este resumo da participação do general Coca Cola na revolta e marcha triunfal do movimento de 28 de Maio de 1926.
O livro biográfico, com base no processo judicial que se julgava "desaparecido" e que foi encontrado(?!!!) numa cave do Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, será publicado pela Esfera dos Livros e é da autoria do seu neto Frederico Delgado Rosa, que sustenta que a ideia de que Delgado foi morto a tiro pela PIDE "foi uma mentira conveniente que permitiu ilibar muita gente" e que «O processo criminal ficou viciado à partida e quando chegaram tardiamente elementos do processo espanhol já estava construído um dogma em relação ao "como" do crime».

Aqui fica capa do livro daquele que foi um indefectível apoiante de Salazar e do Estado Novo, antes da sua "conversão" à Coca Cola e à democracia.

«A participação de Humberto Delgado no "28 De Maio" de 1926

Entre os primeiros e muitíssimos rumores acerca da iminente eclosão de um golpe militar, corria o de que a Aeronáutica estava nele fortemente envolvida, razão pela qual os jornalistas lisboetas se precipitaram, na manhã do dia 28 de Maio de 1926, para a Esquadrilha de Aviação "República", aquartelada na Amadora. Confrontado com o boato de que "a aviação está revoltada", o segundo comandante respondeu:
"- Ora essa! A nossa atitude é a que o meu amigo está vendo. Estamos de prevenção. Dou-lhe a minha palavra de honra que enquanto eu aqui estiver ninguém se revolta."
Contudo, os rumores tinham fundamento, pois até mesmo Humberto Delgado estava implicado na eclosão do movimento. Apesar de recém-chegado à Escola Militar de Aviação, também chamada Granja do Marquês, aí recebeu instruções do tenente Paixão Moreira para comparecer na Amadora à uma da madrugada do dia 28, "apercebido de armas e cartuchames", a fim de ajudar a "implantar a Ditadura e disciplinar o Exército". Foi acompanhado por um camarada de Artilharia, Reverendo da Conceição, que se deixou contagiar pelo seu entusiasmo: "Ao saber por mim ao que se ia nessa noite, num assomo de patriotismo, sem estar comprometido, sem nada saber até aí, disse: "vou contigo". E foi realmente, tendo para esse fim vestido o fato de cotim, assim como eu." Ao apanharem o último comboio na estação do Rossio, encontraram os tenentes João Soares, Paiva Simões e Tadeu da Silveira. Estes três camaradas da Granja do Marquês avisaram Humberto Delgado que "a "polícia do tacho" do António Maria já andava na Amadora, e que ali, ao contrário do combinado, fingiam nada saber!" Depois de confirmarem o aviso, resolveram regressar da Amadora a Sintra, à Escola Militar de Aviação, aconselhando Reverendo da Conceição a voltar para Lisboa, para a sua Escola de Esgrima, "com o que este se conformou após regatear e querer ir connosco."
Entretanto, a Granja do Marquês entrara em prevenção rigorosa por ordem do Ministério da Guerra, o que só aumentou a expectativa de Humberto Delgado e dos seus camaradas quanto à evolução dos acontecimentos, que tinham Braga por epicentro. Pela madrugada, a oficialidade da guarnição apresentou de viva voz a sua adesão ao general Gomes da Costa e foi obtida por via telegráfica a adesão das restantes forças do Norte, numa verdadeira reacção em cadeia que acabaria por fazer do "28 de Maio" uma revolução sem derramamento de sangue. Foi recebido em delírio nos sucessivos quartéis que percorreu, incitando a soldadesca à dignificação do Exército: "Gostam de estar neste chiqueiro que nem para porcos serve? Não reagem?" O general Gomes da Costa recordava com nostalgia o reconhecimento internacional do "esforço hercúleo e sobre-humano" dispendido pelo Corpo Expedicionário Português na Grande Guerra, já que entretanto caíra por terra "o nome respeitável de Portugal", cujos governantes malbaratavam o dinheiro necessário ao Exército, que "é a própria expressão da nacionalidade". O movimento pretendia pois abolir o Parlamento, afastar definitivamente os democráticos do Poder e constituir um governo militar, "alheio por completo a toda e qualquer cor política". Tratava-se, por parte da "única entidade com força" para tal, de "cumprir o que a opinião pública exige".
Acentuavam-se agora os rumores de que a Aeronáutica estava implicada na revolta, mas as respostas dadas na Amadora, por uns quantos "aviadores tresnoitados" do Grupo de Esquadrilhas de Aviação "República", continuavam sem dar a entender para que lado pendia a quinta arma.
"- Então não há nada, por aqui?
"- Continuamos de prevenção. Nada mais.
"- Não esteve aqui Fulano? - E disparamos um nome conhecido, que alguém nos apontara e dissera estar comprometido no movimento.
"- Que ideia! Nem tinha nada que fazer cá, - diz muito calmamente um dos aviadores.
"- Alguém vai subir?
"- Agora, depois duma noite em branco!? Não me parece. Mas, se for preciso..."
E foi preciso. No dia 29, chegou de Santarém uma notícia que teve um efeito catalizador sobre as unidades de aviação. Por ordem do Governo, fora preso o dito "Fulano", major António Brito Pais, o famoso piloto da primeira viagem aérea Lisboa-Macau, que pertencia agora ao estado-maior do comandante Mendes Cabeçadas, um dos líderes do movimento. "Essa notícia foi o rastilho." Houve descolagens imediatas de Tancos e de Alverca, para lançar nas ruas de Lisboa e de Santarém uns panfletos muito reveladores de toda uma preparação prévia: "Soou solenemente a hora da redenção da nacionalidade! A Revolução segue triunfante!" Era a primeira vez que a Aviação estava assumidamente implicada num golpe militar, o que se justificava, nas palavras de um aviador anónimo, pelo repúdio unânime da classe política, sentimento que ganhara raízes em todas as fileiras do Exército e da Armada: "A aviação nunca entrou em movimento nenhum, apenas neste, porque o reputa um carácter nacional e militar. Os políticos nada têm que ver com isto, mas sim e apenas a gente sã que queira trabalhar."
O comandante da Escola Militar de Aviação, major João Luís de Moura, era amigo do Ministro da Guerra e abstinha-se de tomar qualquer posição, contra ou a favor do Governo. Foi então que o alferes Humberto Delgado, "à falta de ordens", decidiu "agir por conta própria", estando de oficial de prevenção. "Cheio de entusiasmo, avancei com umas ideias e propus que se fizesse algo. O resultado destas reuniões com os meus camaradas foi que, acompanhado por dois tenentes, fui a Mafra, à Escola Prática de Infantaria, a fim de persuadir a unidade a juntar-se a nós." Mafra representava uma das principais forças de Infantaria e a sua adesão ao movimento era tão mais relevante quanto havia outras unidades da 1ª Divisão Militar que se mantinham hesitantes.
A iniciativa de Humberto Delgado, a que fechou os olhos o seu comandante, era bastante insensata à primeira vista, tendo em conta o peso incomparável da Escola de Infantaria em relação à de Aviação. No entanto, corriam já boatos de "certas desinteligências" entre as tropas ali aquarteladas. "Mafra engana. Quem chega e bate com os olhos na grande mole do convento, fica na ideia de que tudo ali, na boa terra saloia, vive em paz monástica, longe de preocupações revolucionárias." Na verdade, o quartel fervilhava ante a indecisão titubeante do comandante, coronel José Oliveira Gomes, que causou a pior impressão em Humberto Delgado, desde logo pela falta se sentido hierárquico. "Assisti a este espectáculo que ainda hoje me ruboriza: o senhor comandante tocou a oficiais e sargentos e, tendo juntas, ambas as classes, na mesma sala, e depois de ter bebido um copinho de água (...), deitou então o speech." Este consistiu no seguinte:
"- Eu... espero os acontecimentos..."
O facto é que a chegada de Humberto Delgado, acompanhado dos tenentes João Maria Esteves e Frederico da Conceição Costa, para além de sargentos, cabos e praças da Granja do Marquês, foi motivo de entusiasmo generalizado em Mafra. O jovem alferes, então com vinte anos, completados poucos dias antes, precipitou a entrada dos infantes no movimento graças ao seguinte bluff: "O comandante ficou assaz pálido quando eu lhe disse que não podíamos perder muito tempo porque qualquer demora seria interpretada como sinal de que fôramos presos e os aviões viriam bombardear o quartel. (Não havia quaisquer bombas...)" Humberto Delgado descreveu com sarcasmo a tão aguardada resolução do coronel a favor do movimento: "quase desmaiou nos meus braços devido à "grande responsabilidade" que sentia".
A Escola Prática de Infantaria iniciou a sua marcha para Sintra, tendo como guarda avançada três cavaleiros que impressionaram Humberto Delgado pela atitude corajosa e decidida, entre os quais um futuro ministro da guerra, Namorado de Aguiar. Por se deslocar sobre rodas, tomou-lhes a dianteira e ficou sabendo, à chegada, que o comandante da Escola Militar de Aviação "fora para casa", sendo substituído interinamente por Sarmento de Beires. Com a expectativa de se juntarem as forças de Mafra às de Sintra, a Escola Militar de Aviação estava-se convertendo num dos pólos aglutinadores da revolta. Os primeiros a chegar foram cento e cinquenta praças e vários oficiais do Grupo de Esquadrilhas de Aviação "República", encabeçados por aquele major aviador. "No 28 de Maio, o Beires apareceu a tomar o comando da Aviação em Sintra", recordaria Humberto Delgado alguns anos mais tarde. "Estou a vê-lo, ao receber-me, quando eu acabava de chegar num side-car e lhe preguei uma continência das minhas para lhe comunicar que a coluna da Escola Prática de Infantaria deixara já Mafra e seguia para a Granja." Na realidade, Sarmento de Beires não estava ali por convicção. Cinco dias antes, tinha escrito no seu diário: "Correm boatos insistentes sobre um próximo movimento fascista. (...) triste orientação para um país onde está provado que as ditaduras dão sempre mau resultado". Ao assumir o comando da Granja do Marquês, receava pela concretização do maior sonho da sua vida, a volta ao mundo em avião, que já obtivera luz verde do governo democrático mas poderia não sobreviver à mudança política.
Pelas onze da noite, chegaram finalmente a Sintra os infantes de Mafra, que foram bivacar num pinhal, por detrás dos hangares. Exactamente à mesma hora, António Maria da Silva apresentava o seu pedido de demissão ao Presidente Bernardino Machado, que pela madrugada dentro encarregaria o comandante Mendes Cabeçadas de constituir governo. O movimento revolucionário era vitorioso, mas ainda estava iminente o perigo de o fazerem "despir a farda militar, com que se apresentou severamente vestido para corrigir males e vícios, e enfiar a primeira rabona que os políticos lhe ofereçam". Via rádio, chegou à Granja do Marquês um apelo de marcha sobre Lisboa, para não deixar ninguém "empalmar a situação". Pela tarde do dia 30, iniciou-se de facto nova marcha, não sobre Lisboa, mas ainda assim para mais perto, sendo escolhido o Grupo de Esquadrilhas de Aviação da Amadora como novo local de concentração, aonde as tropas chegaram já de noite. Entre oficiais, sargentos e praças, Humberto Delgado era apenas um dos quinhentos homens da Aeronáutica, a que se juntavam dois mil da Infantaria. (...)»

3 comentários:

Anónimo disse...

Encontra-se neste site um relato detalhado dos acontecimentos que precederam a morte de Humberto Delgado, acontecimentos esses que podem fornecer pistas sobre quem esteve por detrás do crime:
http://lanca.patricia.googlepages.com/home

Anónimo disse...

O neto de H. Delgado tem toda a razão. E ele que nos revele todos os pormenores sobre o crime e sobre os traidores de seu avô, os portugueses bem precisam de saber a história completa. Há anos e anos, pràticamente desde que o General foi assassinado, que se sabe quem foram os autores morais do crime e também os materiais. Os pormenores exactos, ainda não. Independentemente dos méritos e deméritos do General, os portugueses têm direito à verdade. A Pide metida nesta história de traição e crime, foi apenas uma manobra semi-acordada entre as partes para desviar a atenção dos autores morais e iludir os portugueses. O crime resultou na altura e perdurou nas décadas seguintes. Os dividendos dele extraídos ao longo dos anos têm sido fabulosos e em boa verdade recompensadores para todos os intervenientes. Os pides que dispararam, aparentemente arrostaram com todas as culpas - se é que foram mesmo eles a disparar e parece terem-no sido, como evidentemente convinha aos traidores - mas só aparentemente uma vez que estaria tudo combinado d'antemão. (Seria interessante saber quais as contrapartidas recebidas pelos que efectivamente puxaram o gatilho, pelos outros sabemos exactamente quais elas foram). Sabe-se que Salazar não gostou nada do que se passou e menos ainda dos contornos de que se revestiu o crime.
Quem informava a Pide dos movimentos do General, bem como de todos aqueles que mesmo opositores ao regime não interessavam à estratégia da cúpula, sabe-se hoje mais ou menos quem eles foram. Muitos, ou alguns dos informadores da Pide e que eram simultâneamente opositores ao regime, faziam aquilo que é inerente à personalidade velhaca do traidor, jogo duplo - como aliás o continuam a fazer nos dias que correm. Diz-se que um traidor nunca deixa de o ser e é verdade. O regime mudou e com ele mudou também a estratégia por eles adoptada, sendo esta agora muito mais subtíl, sofisticada, cínica e criminosa. Inesperadamente veio Abril e a maravilha foi total. Da noite para o dia todos os traidores se metamorfosearam em valentaços anti-fascistas, todos eles com passagem tida por obrigatória nos calabouços do terrível regime salazarista, nem que tivesse sido por 5 minutos, à mistura com penosos interrogatórios pela sanguinária Pide, passagem essa a que propositadamente se submeteram muitos deles, como mais tarde se veio a saber, para um dia poderem apresentar o indispensável atestado de genuíno e puro anti-fascismo (não existe um lutador anti-fascista que se preze que o não possua) sem o qual jamais teriam o futuro garantido. Eis o motivo pelo qual os arquivos da Pide voaram para fora do País num ápice, após a golpada. Mas isto também os portugueses já sabem há muito.

Estes valentões anti-fascistas da mais pura cepa, estejam eles na clandestinidade ou no poder, têm um muito peculiar modo de actuar, que aliás praticam em todos as democracias onde imperam: mandam liquidar sem contemplações nem a menor hesitação, todos quantos lhes façam frente e/ou os impeçam de alcançar o poder a qualquer preço, sem olhar a meios. Sejam eles colegas, amigos, inimigos ou outros, até os próprios familiares se necessário for. Depois vem o passo seguinte, depois dos crimes cometidos, hipòcritamente compungidos apresentam sentidas condolências e apaparicam as famílias enlutadas, vão aos funerais das vítimas e assistem às missas do sétimo dia, do mês e do ano. A seguir, ardilosamente compram-lhes o silêncio para as 'compensar' da trágica perda do ente querido - é o mínimo que lhes cabe fazer, dizem cìnicamente, repudiando veementemente o crime brutal, crime este, não obstante, pelos próprios ordenado - seguindo as tácticas da Máfia e o bom lema americano de que o dinheiro compra tudo. Às viúvas, filhos, pais etc., para os manter calados proporcionam-lhes uma existência regalada e ópiparos empregos para o resto da vida. Os casos são inúmeros e muitos deles bem nossos conhecidos. Sendo uma estratégia cientìficamente estudada, na maioria dos casos resulta, como aconteceu relativamente à família Delgado, por exemplo. Até agora. Passados vários anos em que tudo se processou ao jeito dos traidores, veio o Abril das liberdades mil (e que liberdades, de facto, principalmente da parte deles...) e as perguntas perigosas começaram a ser postas cada vez com mais frequência e persistência à família e aos portugueses. E estes à espera das respostas. É então quando os mandantes do crime, meio apavorados com a possível descoberta da verdade, não fosse algum membro da família descair-se, como quase aconteceu, desenvolvem ràpidamente nova estratégia, resolvem 'despachar' a família para Espanha em grande velocidade. E o mar encapelado amainou de novo. Até que chega uma altura em que os ventos mudam de vez e quase sempre quando menos se espera. Um dia aparece um familiar, um amigo, um antigo colega, alguém, que de posse de todos os elementos comprovativos da traição e crime, quer revelar a verdade ao País e, o mais importante, não tem
medo deles. Como parece ser o caso do corajoso neto do General. A mesma coragem não tiveram nem a viúva nem as filhas, que infelizmente pactuaram com a monumental mise-en-scène montada pelos traidores. Há a excepção do filho que se remeteu ao silêncio, não se querendo meter neste melindroso assunto, presumìvelmente devido à sua vida profissional.
Como se diz, mais vale tarde do que nunca. E já agora enquanto os implicados estiverem vivos e de boa saúde.
Que apareçam muitos jovens corajosos como este, estudiosos da História e da Sua verdade e que o façam sobretudo ao período ante e pós Abril, para que fique também registada a sua visão de com quantos crimes e traições se implantou um novo regime baseado na mentira e na corrupção e se transformou um simples golpe de estado numa falsa revolução comandada por criminosos, autores identificados do genocído premeditado de mais de um milhão de portugueses.

Maria

Anónimo disse...

http://dn.sapo.pt/2006/01/29/nacional/os_trairam_o_general_humberto_delgad.html