Sobre um livro esquecido durante quarenta anos,
a propósito de um livro recém-publicado
Foi recentemente publicado, pela editora Prefácio, mais um livro do Embaixador Fernando de Castro Brandão. Intitula-se António de Oliveira Salazar/Uma Cronologia. Historiógrafo, cronologista e bibliógrafo, este escritor já nos havia dado obras de grande utilidade e rigor, como História da Expansão Portuguesa (1367-1580), O Liberalismo e a Reacção (1820-1834), Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz ou Salazar/Uma Bibliografia Passiva, para além de inúmeros títulos no âmbito da História Diplomática. Atrevo-me, ainda assim, a sugerir que nenhuma delas ultrapassa, em interesse público, este seu Salazar, livro que resulta de 35 anos de trabalho paciente e de uma rara paixão pelo pormenor.
Uma cronologia pode ser apenas uma sequência de datas e factos, de que o historiador e o estudioso se servem como de um dicionário prático que, uma vez consultado para confirmar uma grafia, logo voltam a arrumar na estante. Ora, a obra a que me refiro, sendo também uma cronologia, ultrapassa em muito esses limites funcionais para constituir, em si mesma, uma proposta de leitura – neste caso, uma leitura política e cultural – ao mesmo tempo que ensaia o posicionamento do objecto do seu estudo no espaço e no tempo que lhe são próprios. Em muitos aspectos, esta Cronologia é uma modalidade de biografia.
Seriam necessárias muitas páginas para compor uma recensão cabal desta obra – e tudo o que se pudesse dizer seria pleonástico em relação a um trabalho ciclópico que, percorrendo com a minúcia do dia e da hora a vida de Salazar, permite reconstituir com maior exactidão algumas facetas da sua biografia até agora insuficientemente esclarecidas ou escassamente enquadradas.
Limito-me, pois, ao comentário de uma pequena entrada da Cronologia, desenvolvendo-a com vista ao esclarecimento das suas sequelas. Refiro-me à publicação, em França, em 1937, de um livro assinado pelo então Presidente do Conselho sob o título Comment on relève un État – obra que só muitos anos depois, já no regime democrático, viria a ser vertida para português, em quatro diferentes edições. Fui responsável pela primeira, fui consultado para a terceira e acompanhei à distância a quarta. Talvez estas modestas “credenciais” me permitam algumas palavras sobre o assunto.
Como quadro de referência, proporcionado pelo exaustivo levantamento feito em António de Oliveira Salazar/Uma Cronologia, esboce-se uma aproximação à política de comunicação do Presidente do Conselho e à estratégia de comunicação gizada entre ele e o seu principal génio de propaganda, António Ferro. Tomemos como exemplo a orientação seguida no caso dos jornais e jornalistas que na Europa se ocuparam do Estado Novo na primeira metade de Trinta.
Ao longo dos seus primeiros anos no Governo, Salazar prestou grande atenção às relações com a Imprensa e os intelectuais europeus. Com frequência concedeu entrevistas e inspirou artigos de opinião, como se pode comprovar na Cronologia de Castro Brandão. A lista é longa, mas aqui ficam alguns exemplos: entrevista ao Financial Times em Fevereiro de 1930; artigos elogiosos no jornal holandês Algemeen Handelsblad em Março de 1930 e no Financial Times em Agosto do mesmo ano; referências laudatórias no The Times em Agosto 1931; análise do êxito financeiro no The Daily Telegraph em Setembro de 1931; entrevista ao Hoy em Setembro 1933; artigos sobre a obra financeira no Corriere Diplomatico e Consolare em Dezembro de 1933 e no Giornale di Genova em Dezembro de 1934; artigo no L’Osservatore Romano em Setembro 1934; elogio no The Times em Março de 1935; artigo de Paul Crokaert no Le Soir, de Bruxelas, em Junho de 1935; e entrevista ao The Daily Telegraph em Agosto 1936.
No mesmo período, por iniciativa do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), deu-se início à publicação na Europa de livros sobre Salazar e o Estado Novo. Os primeiros foram Il Portogallo i su Capo (Roma, 1934) e El Portugal y su Jefe (Madrid, 1935), traduções autorizadas de Salazar, o Homem e a sua Obra, de António Ferro, a que se seguiu Portugalia lui Salazar, de Mihail Manoilescu (Bucareste, 1936).
Foi, contudo, em França que Salazar concentrou mais esforços no sentido de dar a conhecer o novo regime. No período a que me refiro (1931-1937), com frequência se deslocaram a Lisboa jornalistas e escritores franceses, que ele recebia com vagares e atenções, convidando-os por vezes a acompanhá-lo em visitas a lugares da História Portuguesa ou em passeios pitorescos por aldeias, portos de pesca e cenários de beleza tradicional. Inevitavelmente, a propaganda do regime tinha por mote a divulgação da obra financeira do Estado Novo e, as mais das vezes, o panegírico do seu obreiro.
Quando chegou ao poder, Salazar não era propriamente desconhecido nos meios católicos franceses. A sua fama chegara ali nos tempos de combate em Coimbra, a partir de 1916, nos anos em que o jovem professor escreveu n’ O Imparcial, foi dirigente do Centro Académico da Democracia Cristã e se iniciou na política nacional, primeiro como efémero deputado por Guimarães e depois numa reticente experiência à frente da pasta das Finanças, em 1926. Em 1927 manteve contactos directos com o movimento católico francófono durante a viagem que empreendeu, por França e Bélgica, com o padre Manuel Gonçalves Cerejeira e o Prof. Beleza dos Santos, tendo participado em Liège no Congresso da Juventude Católica.
Por fim, em 1928, ao assumir as Finanças de forma duradoura, o seu nome galgou as fronteiras do País e da militância católica para se tornar uma referência da Direita europeia. A França, em cuja cultura literária se filiava a vida intelectual portuguesa, imediatamente se interessou pela Ditadura, e esse interesse foi crescendo à medida que Salazar se ia afirmando como chefe do regime. A assiduidade dos temas portugueses na Imprensa gaulesa reflecte a curiosidade natural por um regime que, tendo adoptado com sucesso algumas das alíneas comuns ao programa maurrasiano, vivia um renascimento nacionalista sem se tornar refém da doutrina fascista florescente em Itália ou do nacional-socialismo acabado de chegar ao poder na Alemanha.
A cadência de publicações sobre Salazar na grande Imprensa francesa torna-se intensa. Rol sumário dos principais textos: artigo elogioso no Le Journal du Commerce em Agosto de 1931; entrevista a Paul Bartel no Excelsior em Novembro de 1931; artigo de Paul Bartel na Revue de Paris em Maio de 1932; artigo na revista Correspondance Universelle em Maio de 1932; artigo no Journal de Rouen em Setembro de 1932; em 1933, perfis laudatórios no Petit Parisien (por Raymond Denys), no L’Intransigeant (Marcel Sauvage) e no Le Figaro (Paul Bartel); homenagem no jornal de esquerda La République em Abril de 1934; artigo elogioso nos Echos de Paris em Junho de 1934; artigo de Henriette Celarié no Le Temps em Setembro de 1934; entrevista a Maurice Bourdet no Le Petit Parisien em Janeiro de 1935; texto de Gabriel Boissy no Comoedias em Março de 1935; artigo de Charles Oulmont na Revue Hebdomadaire em Abril de 1935; entrevista a Blanche Vogt no L’Intransigeant em Maio de 1935; artigo de Léon de Poncins no Le Jour em Junho de 1935; entrevista a Fréderic Lefévre na revista Les Nouvelles Littéraires em Setembro de 1935; artigo de Charles Maurras no L'Action Française em Setembro de 1935; entrevista a Gabriel Boissy na Tribune des Nations em Maio de 1936; entrevista a Raymond Recouly no Gringoire em Fevereiro de 1937; e novo artigo de Charles Maurras no L'Action Française em Abril de 1937.
Vários escritores de língua francesa foram recebidos neste período por Salazar, no seu gabinete de trabalho ou em sua casa (como Jules Romains, Maeterlinck e François Mauriac, em Junho de 1935, no âmbito da visita de estudo de um grupo de intelectuais de que também fazia parte o espanhol Miguel de Unamuno). Publicam-se então em Paris os livros Le Dictateur ou l’Homme de la République (de Alphonse Séché, 1933), Salazar, le Portugal et son Chef (de António Ferro, com prefácio de Paul Valery, 1934) e Portugal (de Gonzague de Reynold, 1936).
Em meados dos anos Trinta, a intelectualidade francesa vivia um doce noivado com o novo regime político português.
Em 27 de Fevereiro de 1935, Max Fischer, director literário da casa Flammarion, deslocou-se a Lisboa e acordou com Salazar a publicação de uma versão francesa do primeiro volume dos Discursos (compreendendo as principais intervenções públicas entre 1928 e 1934), cuja edição portuguesa se encontrava igualmente em preparação. Salazar anuiu. Presume-se, de resto, que o encontro com Fischer pressupunha já tal anuência. E o texto francês, depois de muito trabalhado no Secretariado da Propaganda Nacional por António Ferro e Fernanda de Castro, acabaria por sair em Paris, em 1937, com chancela da Flammarion, sob o título Une Révolution dans la Paix.
Foi, provavelmente, nesse encontro de Fevereiro de 1935, e em subsequentes contactos feitos através de António Ferro ao longo da primeira metade de 1936, que Salazar terá sido convencido da necessidade de publicar em França um pequeno “breviário” do Estado Novo, escrito numa linguagem acessível ao grande público, característica que faltava aos Discursos – um “roteiro” que, em poucas páginas e a baixo custo, explicasse a origem da Ditadura, enunciasse a política salazarista de saneamento financeiro e definisse as bases ideológicas do Estado Novo. A ocasião mais propícia para a publicação de uma tal obra de divulgação seria a Exposição Universal de Paris (mais propriamente, a Exposição Internacional das Artes e Técnicas de Paris), a realizar entre Maio e Novembro de 1937, na qual o regime português ia apresentar-se com um pavilhão em que participariam alguns dos mais brilhantes artistas portugueses da época: Francisco Keil do Amaral, Carlos Botelho, Maria Keil, Bernardo Marques, Dórdio Gomes, António Soares, Guilherme Camarinha, Eduardo Malta, Abel Manta, Francisco Franco, Canto da Maya, Paulo Ferreira e António Lopes Ribeiro, entre outros.
Ao longo de meses, entre o Verão de 1936 e Fevereiro de 1937, uma equipa de redactores (hoje diríamos “editores de texto”) do SPN trabalhou, sob a direcção de António Ferro, na composição desse “breviário”, que haveria de sintetizar os Discursos e constituir a sua versão popular em francês. Várias passagens decalcam, mesmo, a obra-mãe, embora abreviando e simplificando. Não se encontrou, até hoje, documentação sobre o papel de Salazar na redacção final do texto, mas o que se conhece da sua personalidade permite deduzir que a acompanhou minuciosamente. O seu ágil manuseio da língua francesa, a sua anterior experiência na escrita jornalística e o seu hábito de tornar meticulosos, até à exasperação, os textos que assinava – fazem supor que nem uma só vírgula do livro escapou ao seu escrutínio. À obra foi, por fim, dado o título Comment on relève un État.
Em 25 de Maio de 1937 (dia da inauguração da Exposição Universal), o pequeno livro de 48 páginas era posto à venda no pavilhão de Portugal e, logo depois, no mercado livreiro francês. Integrado na colecção “Directives”, tinha chancela da casa Flammarion e o preço de capa de 2,25 francos. A Imprensa parisiense dedicou-lhe referências elogiosas e Max Fischer, interlocutor de Salazar na Flammarion, concedeu várias entrevistas. Contudo, a Imprensa portuguesa ignorou o livro e Salazar nunca se empenhou na sua publicação no nosso País. Ao longo de quarenta anos, a bibliografia salazarista omitiu sistematicamente o título, que acabou por cair no esquecimento.
No Inverno de 1976, encontrei um exemplar desta edição francesa na biblioteca de um amigo possuidor de uma considerável salazariana, em parte herdada de família. Em muito bom estado, o exemplar não acusava os efeitos dos 39 anos decorridos. Era um opúsculo bem acabado, maneirinho e atraente. Para poder manuseá-lo à vontade, obtive licença para o fotocopiar – e com essa fotocópia na mão corri meia Lisboa. Que eu não o conhecesse, nem nunca dele tivesse ouvido falar, não seria extraordinário para os meus 21 anos de idade. Mais extraordinário era que nem um só dos historiadores, escritores, bibliógrafos e bibliófilos que consultei (alguns, salazaristas dos quatro costados) fizesse a menor ideia de que, em 1937, tal livro fora publicado em Paris. Só depois de ter saído a edição portuguesa conheci Eduardo Freitas da Costa (1915-1980), que me contou ter memória da preparação do livro nos gabinetes da SPN.
Decidi publicá-lo em português, sob a chancela de uma editora artesanal, vagamente subversiva, que entretanto constituíra: a Golden Books, que por junto publicou quatro títulos entre 1977 e 1978, fenecendo depois. Ao texto de Salazar, com tradução de Margarida Perestrelo, juntei um longo prefácio de minha autoria, que então me pareceu esclarecedor mas cuja puerilidade me faz hoje corar ligeiramente. Atrevimentos de rapaz. Reproduzia-se na capa a mesma foto de Salazar, em pose de perfil, que figurava na edição francesa. Para que ganhasse a patine própria dos 40 anos decorridos, usou-se uma velatura final em sépia.
Quando publiquei Como se levanta um Estado, no Verão de 1977, o nome de Salazar ocupava ainda o primeiro lugar no index librorum prohibitorum do regime democrático. Publicá-lo em livro era, simplesmente, um risco que poucos autores e quase nenhum editor estavam preparados para correr. Houve honrosas excepções: Freitas da Costa dera a lume, em pleno PREC, a sua defesa de Salazar (Acuso Marcelo Caetano, Liber); Marcello Caetano, exilado no Brasil, fizera sair Minhas Memórias de Salazar (Verbo); e Franco Nogueira, obrigado pela revolução a radicar-se em Londres, iniciava em 1977 a publicação da sua magistral biografia de Salazar (Atlântida). Livros sobre Salazar e o Estado Novo saíam todos os meses, mas invariavelmente para denegrir o homem e a obra. Os Discursos tinham praticamente desaparecido das livrarias, e nas raras onde sobreviviam tinham sido relegados para prateleiras escondidas nos fundos de loja. Lembro-me de um bibliófilo de Vila Verde de Ficalho me ter oferecido uma primeira edição do primeiro volume, em grande segredo, antevendo que as hordas “justiceiras” do Baixo Alentejo lhe assaltariam a biblioteca e queimariam em auto de fé tudo o que cheirasse a Salazar.
Este ambiente opressivo recomendava, pois, algumas cautelas. Evitei, desde logo, as casas de obras de Lisboa, de onde depressa transpiraria que um “livro fascista” estava no prelo. O trabalho tipográfico foi combinado em voz baixa, no Porto, e executado pela Tipave, em Esgueira (Aveiro). Ao longo dos trabalhos de paginação, que orientei pessoalmente, pernoitei num hotel da região – e não poucas vezes o proprietário da tipografia me telefonou, noite dentro, em sobressalto, dando-me conta de “estranhas movimentações” na zona, que ele atribuía a brigadas comunistas e interpretava como manobras de intimidação. Mas, entre sustos e suspeitas, a obra foi concluída e empacotada para distribuição sem que se registasse o menor incidente. Se entre os tipógrafos da casa havia algum anti-salazarista, não se acusou.
A edição foi posta à venda por distribuição directa junto dos livreiros, sem recurso a qualquer das empresas distribuidoras nacionais, nessa época dominadas por “comissões de trabalhadores” e “piquetes de vigilância” que teriam, sem dúvida, boicotado a sua difusão. O livro esgotou em pouco tempo, em resultado de mera divulgação de boca a orelha. Contam-se pelos dedos das duas mãos os livreiros que ousaram expô-lo na montra. A generalidade da Imprensa dedicou-lhe um silêncio sepulcral. Salvo uma ou outra menção de duas linhas, em tom de escândalo, só o jornalista Fernando Dacosta, então meu camarada nas bancas dos jornais, se lhe referiu com extensão, num artigo (publicado no vespertino A Luta) que sublinhava a sua coragem cívica e denotava já o seu interesse por Salazar, que mais tarde haveria de desenvolver em Máscaras de Salazar.
Como se levanta um Estado saiu, esgotou e voltou a cair no esquecimento. Eu próprio, absorvido por outros trabalhos e depois radicado em Londres entre 1980 e 1984, considerei o caso encerrado. Com o tempo, o nome de Salazar viera descendo na escala do index até ser tolerado, depois banalizado, por fim explorado como “artigo que vende”. Fui várias vezes desafiado a reeditar o livrinho. Mas essa sugestão, que aborrecia a minha aversão natural às “modas”, acabou por nunca ser seguida.
Só catorze anos depois, em 1991, uma outra edição portuguesa viu a luz do dia, sob a chancela da editora Mobilis in Mobile. Não tive qualquer participação nesta edição, que só conheci quando surgiu à venda nas bancas. Sobre esta editora escasseiam referências. Que eu saiba, para além desta obra de Salazar, a Mobilis in Mobile apenas publicou duas obras de Guy Debord, autor oriundo da escola marxista e um dos grandes inspiradores do Maio de 68, o que não deixa de ser um pouco desconcertante.
Em 2007 (setenta anos depois da edição original), a Atomic Books, uma das chancelas da editora Via Occidentalis, entretanto extinta, voltou a publicar Como se levanta um Estado, retomando com minha autorização a primeira versão portuguesa, que a Atomic fez rever e actualizar. Ao editor, Júlio Prata Sequeira, e ao organizador desta nova edição, Paulo Resende de Vasconcelos, contei o que sabia sobre as circunstâncias em que o livro fora publicado em 1937, e uma boa parte desses esclarecimentos foi incluída numa nota introdutória sob o título “A história de um livro”.
No mesmo ano, a editora Esfera do Caos publicou uma outra tradução da mesma obra (da responsabilidade de João C. S. Duarte), agora sob o título Como se reergue um Estado, prefaciada por António José Ferreira, professor de Filosofia e meu amigo pessoal, que por amabilidade me consultou sobre a edição original. Também a este prefaciador dei conta do que apurara sobre a publicação da Flammarion – e muito mais poderia ter acrescentado se soubesse o que, depois de ter lido a obra do Embaixador Castro Brandão, hoje sei.
O percurso singular deste livro, que de outra forma permaneceria enterrado no baú das minhas memórias pessoais, foi-me reavivado pela leitura do exaustivo trabalho de levantamento cronológico de Fernando de Castro Brandão. Graças a ele, pude não só reconstituir o processo da edição francesa original mas também compreender melhor as circunstâncias políticas e ideológicas, nacionais e internacionais, que rodearam a sua publicação em 1937. Salazar/Uma Cronologia permitiu-me ainda avançar na percepção das razões que teriam levado o Presidente do Conselho a desinteressar-se da publicação de Comment on relève un État em Portugal. Mas isso deixo à indagação dos leitores do Embaixador Castro Brandão, que por certo encontrarão na sua obra “um Salazar” mais focado e mais exacto do que o ícone que nos vem sendo servido na literatura de cordel e nos modismos televisivos.
Este exemplo mostra bem a importância da disciplina cronológica no trabalho historiográfico. Aquilo que por vezes não se vislumbra nos discursos oficiais e nos actos formais está frequentemente aninhado nas horas e minutos de uma agenda particular, de uma carta doméstica, de uma sequência que, uma vez articulada, nos revela um padrão ou nos desvenda o porquê de um porquê. Este é um dos grandes méritos do livro do Embaixador Fernando de Castro Brandão.
António de Oliveira Salazar/Uma Cronologia, ed. Prefácio, capa mole, 700 páginas + 28 páginas de ilustrações, 35 euros.
Uma cronologia pode ser apenas uma sequência de datas e factos, de que o historiador e o estudioso se servem como de um dicionário prático que, uma vez consultado para confirmar uma grafia, logo voltam a arrumar na estante. Ora, a obra a que me refiro, sendo também uma cronologia, ultrapassa em muito esses limites funcionais para constituir, em si mesma, uma proposta de leitura – neste caso, uma leitura política e cultural – ao mesmo tempo que ensaia o posicionamento do objecto do seu estudo no espaço e no tempo que lhe são próprios. Em muitos aspectos, esta Cronologia é uma modalidade de biografia.
Seriam necessárias muitas páginas para compor uma recensão cabal desta obra – e tudo o que se pudesse dizer seria pleonástico em relação a um trabalho ciclópico que, percorrendo com a minúcia do dia e da hora a vida de Salazar, permite reconstituir com maior exactidão algumas facetas da sua biografia até agora insuficientemente esclarecidas ou escassamente enquadradas.
Limito-me, pois, ao comentário de uma pequena entrada da Cronologia, desenvolvendo-a com vista ao esclarecimento das suas sequelas. Refiro-me à publicação, em França, em 1937, de um livro assinado pelo então Presidente do Conselho sob o título Comment on relève un État – obra que só muitos anos depois, já no regime democrático, viria a ser vertida para português, em quatro diferentes edições. Fui responsável pela primeira, fui consultado para a terceira e acompanhei à distância a quarta. Talvez estas modestas “credenciais” me permitam algumas palavras sobre o assunto.
Como quadro de referência, proporcionado pelo exaustivo levantamento feito em António de Oliveira Salazar/Uma Cronologia, esboce-se uma aproximação à política de comunicação do Presidente do Conselho e à estratégia de comunicação gizada entre ele e o seu principal génio de propaganda, António Ferro. Tomemos como exemplo a orientação seguida no caso dos jornais e jornalistas que na Europa se ocuparam do Estado Novo na primeira metade de Trinta.
Ao longo dos seus primeiros anos no Governo, Salazar prestou grande atenção às relações com a Imprensa e os intelectuais europeus. Com frequência concedeu entrevistas e inspirou artigos de opinião, como se pode comprovar na Cronologia de Castro Brandão. A lista é longa, mas aqui ficam alguns exemplos: entrevista ao Financial Times em Fevereiro de 1930; artigos elogiosos no jornal holandês Algemeen Handelsblad em Março de 1930 e no Financial Times em Agosto do mesmo ano; referências laudatórias no The Times em Agosto 1931; análise do êxito financeiro no The Daily Telegraph em Setembro de 1931; entrevista ao Hoy em Setembro 1933; artigos sobre a obra financeira no Corriere Diplomatico e Consolare em Dezembro de 1933 e no Giornale di Genova em Dezembro de 1934; artigo no L’Osservatore Romano em Setembro 1934; elogio no The Times em Março de 1935; artigo de Paul Crokaert no Le Soir, de Bruxelas, em Junho de 1935; e entrevista ao The Daily Telegraph em Agosto 1936.
No mesmo período, por iniciativa do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), deu-se início à publicação na Europa de livros sobre Salazar e o Estado Novo. Os primeiros foram Il Portogallo i su Capo (Roma, 1934) e El Portugal y su Jefe (Madrid, 1935), traduções autorizadas de Salazar, o Homem e a sua Obra, de António Ferro, a que se seguiu Portugalia lui Salazar, de Mihail Manoilescu (Bucareste, 1936).
Foi, contudo, em França que Salazar concentrou mais esforços no sentido de dar a conhecer o novo regime. No período a que me refiro (1931-1937), com frequência se deslocaram a Lisboa jornalistas e escritores franceses, que ele recebia com vagares e atenções, convidando-os por vezes a acompanhá-lo em visitas a lugares da História Portuguesa ou em passeios pitorescos por aldeias, portos de pesca e cenários de beleza tradicional. Inevitavelmente, a propaganda do regime tinha por mote a divulgação da obra financeira do Estado Novo e, as mais das vezes, o panegírico do seu obreiro.
Quando chegou ao poder, Salazar não era propriamente desconhecido nos meios católicos franceses. A sua fama chegara ali nos tempos de combate em Coimbra, a partir de 1916, nos anos em que o jovem professor escreveu n’ O Imparcial, foi dirigente do Centro Académico da Democracia Cristã e se iniciou na política nacional, primeiro como efémero deputado por Guimarães e depois numa reticente experiência à frente da pasta das Finanças, em 1926. Em 1927 manteve contactos directos com o movimento católico francófono durante a viagem que empreendeu, por França e Bélgica, com o padre Manuel Gonçalves Cerejeira e o Prof. Beleza dos Santos, tendo participado em Liège no Congresso da Juventude Católica.
Por fim, em 1928, ao assumir as Finanças de forma duradoura, o seu nome galgou as fronteiras do País e da militância católica para se tornar uma referência da Direita europeia. A França, em cuja cultura literária se filiava a vida intelectual portuguesa, imediatamente se interessou pela Ditadura, e esse interesse foi crescendo à medida que Salazar se ia afirmando como chefe do regime. A assiduidade dos temas portugueses na Imprensa gaulesa reflecte a curiosidade natural por um regime que, tendo adoptado com sucesso algumas das alíneas comuns ao programa maurrasiano, vivia um renascimento nacionalista sem se tornar refém da doutrina fascista florescente em Itália ou do nacional-socialismo acabado de chegar ao poder na Alemanha.
A cadência de publicações sobre Salazar na grande Imprensa francesa torna-se intensa. Rol sumário dos principais textos: artigo elogioso no Le Journal du Commerce em Agosto de 1931; entrevista a Paul Bartel no Excelsior em Novembro de 1931; artigo de Paul Bartel na Revue de Paris em Maio de 1932; artigo na revista Correspondance Universelle em Maio de 1932; artigo no Journal de Rouen em Setembro de 1932; em 1933, perfis laudatórios no Petit Parisien (por Raymond Denys), no L’Intransigeant (Marcel Sauvage) e no Le Figaro (Paul Bartel); homenagem no jornal de esquerda La République em Abril de 1934; artigo elogioso nos Echos de Paris em Junho de 1934; artigo de Henriette Celarié no Le Temps em Setembro de 1934; entrevista a Maurice Bourdet no Le Petit Parisien em Janeiro de 1935; texto de Gabriel Boissy no Comoedias em Março de 1935; artigo de Charles Oulmont na Revue Hebdomadaire em Abril de 1935; entrevista a Blanche Vogt no L’Intransigeant em Maio de 1935; artigo de Léon de Poncins no Le Jour em Junho de 1935; entrevista a Fréderic Lefévre na revista Les Nouvelles Littéraires em Setembro de 1935; artigo de Charles Maurras no L'Action Française em Setembro de 1935; entrevista a Gabriel Boissy na Tribune des Nations em Maio de 1936; entrevista a Raymond Recouly no Gringoire em Fevereiro de 1937; e novo artigo de Charles Maurras no L'Action Française em Abril de 1937.
Vários escritores de língua francesa foram recebidos neste período por Salazar, no seu gabinete de trabalho ou em sua casa (como Jules Romains, Maeterlinck e François Mauriac, em Junho de 1935, no âmbito da visita de estudo de um grupo de intelectuais de que também fazia parte o espanhol Miguel de Unamuno). Publicam-se então em Paris os livros Le Dictateur ou l’Homme de la République (de Alphonse Séché, 1933), Salazar, le Portugal et son Chef (de António Ferro, com prefácio de Paul Valery, 1934) e Portugal (de Gonzague de Reynold, 1936).
Em meados dos anos Trinta, a intelectualidade francesa vivia um doce noivado com o novo regime político português.
Em 27 de Fevereiro de 1935, Max Fischer, director literário da casa Flammarion, deslocou-se a Lisboa e acordou com Salazar a publicação de uma versão francesa do primeiro volume dos Discursos (compreendendo as principais intervenções públicas entre 1928 e 1934), cuja edição portuguesa se encontrava igualmente em preparação. Salazar anuiu. Presume-se, de resto, que o encontro com Fischer pressupunha já tal anuência. E o texto francês, depois de muito trabalhado no Secretariado da Propaganda Nacional por António Ferro e Fernanda de Castro, acabaria por sair em Paris, em 1937, com chancela da Flammarion, sob o título Une Révolution dans la Paix.
Foi, provavelmente, nesse encontro de Fevereiro de 1935, e em subsequentes contactos feitos através de António Ferro ao longo da primeira metade de 1936, que Salazar terá sido convencido da necessidade de publicar em França um pequeno “breviário” do Estado Novo, escrito numa linguagem acessível ao grande público, característica que faltava aos Discursos – um “roteiro” que, em poucas páginas e a baixo custo, explicasse a origem da Ditadura, enunciasse a política salazarista de saneamento financeiro e definisse as bases ideológicas do Estado Novo. A ocasião mais propícia para a publicação de uma tal obra de divulgação seria a Exposição Universal de Paris (mais propriamente, a Exposição Internacional das Artes e Técnicas de Paris), a realizar entre Maio e Novembro de 1937, na qual o regime português ia apresentar-se com um pavilhão em que participariam alguns dos mais brilhantes artistas portugueses da época: Francisco Keil do Amaral, Carlos Botelho, Maria Keil, Bernardo Marques, Dórdio Gomes, António Soares, Guilherme Camarinha, Eduardo Malta, Abel Manta, Francisco Franco, Canto da Maya, Paulo Ferreira e António Lopes Ribeiro, entre outros.
Ao longo de meses, entre o Verão de 1936 e Fevereiro de 1937, uma equipa de redactores (hoje diríamos “editores de texto”) do SPN trabalhou, sob a direcção de António Ferro, na composição desse “breviário”, que haveria de sintetizar os Discursos e constituir a sua versão popular em francês. Várias passagens decalcam, mesmo, a obra-mãe, embora abreviando e simplificando. Não se encontrou, até hoje, documentação sobre o papel de Salazar na redacção final do texto, mas o que se conhece da sua personalidade permite deduzir que a acompanhou minuciosamente. O seu ágil manuseio da língua francesa, a sua anterior experiência na escrita jornalística e o seu hábito de tornar meticulosos, até à exasperação, os textos que assinava – fazem supor que nem uma só vírgula do livro escapou ao seu escrutínio. À obra foi, por fim, dado o título Comment on relève un État.
Em 25 de Maio de 1937 (dia da inauguração da Exposição Universal), o pequeno livro de 48 páginas era posto à venda no pavilhão de Portugal e, logo depois, no mercado livreiro francês. Integrado na colecção “Directives”, tinha chancela da casa Flammarion e o preço de capa de 2,25 francos. A Imprensa parisiense dedicou-lhe referências elogiosas e Max Fischer, interlocutor de Salazar na Flammarion, concedeu várias entrevistas. Contudo, a Imprensa portuguesa ignorou o livro e Salazar nunca se empenhou na sua publicação no nosso País. Ao longo de quarenta anos, a bibliografia salazarista omitiu sistematicamente o título, que acabou por cair no esquecimento.
No Inverno de 1976, encontrei um exemplar desta edição francesa na biblioteca de um amigo possuidor de uma considerável salazariana, em parte herdada de família. Em muito bom estado, o exemplar não acusava os efeitos dos 39 anos decorridos. Era um opúsculo bem acabado, maneirinho e atraente. Para poder manuseá-lo à vontade, obtive licença para o fotocopiar – e com essa fotocópia na mão corri meia Lisboa. Que eu não o conhecesse, nem nunca dele tivesse ouvido falar, não seria extraordinário para os meus 21 anos de idade. Mais extraordinário era que nem um só dos historiadores, escritores, bibliógrafos e bibliófilos que consultei (alguns, salazaristas dos quatro costados) fizesse a menor ideia de que, em 1937, tal livro fora publicado em Paris. Só depois de ter saído a edição portuguesa conheci Eduardo Freitas da Costa (1915-1980), que me contou ter memória da preparação do livro nos gabinetes da SPN.
Decidi publicá-lo em português, sob a chancela de uma editora artesanal, vagamente subversiva, que entretanto constituíra: a Golden Books, que por junto publicou quatro títulos entre 1977 e 1978, fenecendo depois. Ao texto de Salazar, com tradução de Margarida Perestrelo, juntei um longo prefácio de minha autoria, que então me pareceu esclarecedor mas cuja puerilidade me faz hoje corar ligeiramente. Atrevimentos de rapaz. Reproduzia-se na capa a mesma foto de Salazar, em pose de perfil, que figurava na edição francesa. Para que ganhasse a patine própria dos 40 anos decorridos, usou-se uma velatura final em sépia.
Quando publiquei Como se levanta um Estado, no Verão de 1977, o nome de Salazar ocupava ainda o primeiro lugar no index librorum prohibitorum do regime democrático. Publicá-lo em livro era, simplesmente, um risco que poucos autores e quase nenhum editor estavam preparados para correr. Houve honrosas excepções: Freitas da Costa dera a lume, em pleno PREC, a sua defesa de Salazar (Acuso Marcelo Caetano, Liber); Marcello Caetano, exilado no Brasil, fizera sair Minhas Memórias de Salazar (Verbo); e Franco Nogueira, obrigado pela revolução a radicar-se em Londres, iniciava em 1977 a publicação da sua magistral biografia de Salazar (Atlântida). Livros sobre Salazar e o Estado Novo saíam todos os meses, mas invariavelmente para denegrir o homem e a obra. Os Discursos tinham praticamente desaparecido das livrarias, e nas raras onde sobreviviam tinham sido relegados para prateleiras escondidas nos fundos de loja. Lembro-me de um bibliófilo de Vila Verde de Ficalho me ter oferecido uma primeira edição do primeiro volume, em grande segredo, antevendo que as hordas “justiceiras” do Baixo Alentejo lhe assaltariam a biblioteca e queimariam em auto de fé tudo o que cheirasse a Salazar.
Este ambiente opressivo recomendava, pois, algumas cautelas. Evitei, desde logo, as casas de obras de Lisboa, de onde depressa transpiraria que um “livro fascista” estava no prelo. O trabalho tipográfico foi combinado em voz baixa, no Porto, e executado pela Tipave, em Esgueira (Aveiro). Ao longo dos trabalhos de paginação, que orientei pessoalmente, pernoitei num hotel da região – e não poucas vezes o proprietário da tipografia me telefonou, noite dentro, em sobressalto, dando-me conta de “estranhas movimentações” na zona, que ele atribuía a brigadas comunistas e interpretava como manobras de intimidação. Mas, entre sustos e suspeitas, a obra foi concluída e empacotada para distribuição sem que se registasse o menor incidente. Se entre os tipógrafos da casa havia algum anti-salazarista, não se acusou.
A edição foi posta à venda por distribuição directa junto dos livreiros, sem recurso a qualquer das empresas distribuidoras nacionais, nessa época dominadas por “comissões de trabalhadores” e “piquetes de vigilância” que teriam, sem dúvida, boicotado a sua difusão. O livro esgotou em pouco tempo, em resultado de mera divulgação de boca a orelha. Contam-se pelos dedos das duas mãos os livreiros que ousaram expô-lo na montra. A generalidade da Imprensa dedicou-lhe um silêncio sepulcral. Salvo uma ou outra menção de duas linhas, em tom de escândalo, só o jornalista Fernando Dacosta, então meu camarada nas bancas dos jornais, se lhe referiu com extensão, num artigo (publicado no vespertino A Luta) que sublinhava a sua coragem cívica e denotava já o seu interesse por Salazar, que mais tarde haveria de desenvolver em Máscaras de Salazar.
Como se levanta um Estado saiu, esgotou e voltou a cair no esquecimento. Eu próprio, absorvido por outros trabalhos e depois radicado em Londres entre 1980 e 1984, considerei o caso encerrado. Com o tempo, o nome de Salazar viera descendo na escala do index até ser tolerado, depois banalizado, por fim explorado como “artigo que vende”. Fui várias vezes desafiado a reeditar o livrinho. Mas essa sugestão, que aborrecia a minha aversão natural às “modas”, acabou por nunca ser seguida.
Só catorze anos depois, em 1991, uma outra edição portuguesa viu a luz do dia, sob a chancela da editora Mobilis in Mobile. Não tive qualquer participação nesta edição, que só conheci quando surgiu à venda nas bancas. Sobre esta editora escasseiam referências. Que eu saiba, para além desta obra de Salazar, a Mobilis in Mobile apenas publicou duas obras de Guy Debord, autor oriundo da escola marxista e um dos grandes inspiradores do Maio de 68, o que não deixa de ser um pouco desconcertante.
Em 2007 (setenta anos depois da edição original), a Atomic Books, uma das chancelas da editora Via Occidentalis, entretanto extinta, voltou a publicar Como se levanta um Estado, retomando com minha autorização a primeira versão portuguesa, que a Atomic fez rever e actualizar. Ao editor, Júlio Prata Sequeira, e ao organizador desta nova edição, Paulo Resende de Vasconcelos, contei o que sabia sobre as circunstâncias em que o livro fora publicado em 1937, e uma boa parte desses esclarecimentos foi incluída numa nota introdutória sob o título “A história de um livro”.
No mesmo ano, a editora Esfera do Caos publicou uma outra tradução da mesma obra (da responsabilidade de João C. S. Duarte), agora sob o título Como se reergue um Estado, prefaciada por António José Ferreira, professor de Filosofia e meu amigo pessoal, que por amabilidade me consultou sobre a edição original. Também a este prefaciador dei conta do que apurara sobre a publicação da Flammarion – e muito mais poderia ter acrescentado se soubesse o que, depois de ter lido a obra do Embaixador Castro Brandão, hoje sei.
O percurso singular deste livro, que de outra forma permaneceria enterrado no baú das minhas memórias pessoais, foi-me reavivado pela leitura do exaustivo trabalho de levantamento cronológico de Fernando de Castro Brandão. Graças a ele, pude não só reconstituir o processo da edição francesa original mas também compreender melhor as circunstâncias políticas e ideológicas, nacionais e internacionais, que rodearam a sua publicação em 1937. Salazar/Uma Cronologia permitiu-me ainda avançar na percepção das razões que teriam levado o Presidente do Conselho a desinteressar-se da publicação de Comment on relève un État em Portugal. Mas isso deixo à indagação dos leitores do Embaixador Castro Brandão, que por certo encontrarão na sua obra “um Salazar” mais focado e mais exacto do que o ícone que nos vem sendo servido na literatura de cordel e nos modismos televisivos.
Este exemplo mostra bem a importância da disciplina cronológica no trabalho historiográfico. Aquilo que por vezes não se vislumbra nos discursos oficiais e nos actos formais está frequentemente aninhado nas horas e minutos de uma agenda particular, de uma carta doméstica, de uma sequência que, uma vez articulada, nos revela um padrão ou nos desvenda o porquê de um porquê. Este é um dos grandes méritos do livro do Embaixador Fernando de Castro Brandão.
António de Oliveira Salazar/Uma Cronologia, ed. Prefácio, capa mole, 700 páginas + 28 páginas de ilustrações, 35 euros.
In revista Finis Mundi, nº 2, Abril/Junho de 2001.
1 comentário:
considero-me um feliz possuidor de tal obra "como se levanta um estado" ed.de 1977 , depois de tantos anos que separam esta edicção e ainda mais da original , continua tão actual no tema , digo-lhe que me encheu de grande felicidade a pose de tal obra que de tempos a tempos continuo a ler passagens , digo-lhe que não está escondida pelo contrario , ocupa lugar de destaque ao lado dos "discursos" entre outros , agradeço por fim ter publicado tal livro com certeza o tempo era conturbado , deixo aqui uma frase de Maurras .
"Tudo nos parecia contrário.Mas quer o triunfo se afaste quer ele se aproxime , a verdade ,essa é imutável, e servi-la é estar ao serviço da vida "
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