15.6.07

Léon Degrelle ou o soldado conhecido por Rodrigo Emílio

LÉON DEGRELLE OU O SOLDADO CONHECIDO

Crónica e reportagem de Rodrigo Emílio

Eran las cinco de la tarde: eran las cinco en punto de la tarde en todos los relojes de Madrid, quando adregámos arribar ao objectivo por nós tão longamente demandado e desde sempre apetecido.
Como que por obra ou efeito sortílego de um passe encantatório, ali estávamos finalmente a bater ao mais almejado dos ferrolhos e a ver o Sésamo dos sésamos abrir, de par em par, os seus batentes, para se descerrar senhorialmente à nossa passagem, e assim nos franquear o acesso e facultar a nossa entrada no templo do último deus terrestre a que rendemos culto - um culto aturado, incondicional, de todas as horas.
Sim, pessoal! Num lance como de mágica, tinha a gente pela frente nada mais nada menos do que Léon Degrelle.
Para nós, eram anos, anos e mais anos de anelante e esperançada expectativa que ali, e por uma vez, se saciavam: Ver Degrelle - e morrer!
Da sua parte, esperava-nos, porém, uma efusiva lição de vivacidade, de vida e de aventura fruidinhas em cheio e testadas em pleno.
Por muito incrível que fosse ou parecesse, ele ali estava, enfim, a toda a estatura, diante de nós - a acolher-nos como príncipe gentilíssimo e camarada de sempre, a introduzir-nos com primores de requinte ateniense e com suma afabilidade no mais privado do seu reduto, a reservar-nos, em regime de exclusivo, o direito de admissão e internamento no perímetro mais estreito da sua intimidade, bref: a consentir que portugueses, duas ou três vezes mais novos do que ele, mas infinitamente menos joviais, e todos criados desde cedo - ou desde sempre! - na escola da mais acendrada admiração pelo anfitrião, lhe servir disfrutassem da honra de lhe poderem servir de guarda-de-honra no dia solar dos seus oitenta e mais dois anos - ele, logo ele, vejam lá!, que é só, sem favor, e segue, para todos os efeitos, o mor colosso da Europa heróica e combatente de 40, o senhor da guerra e da grandeza da guerra guerreado, sem tréguas nem quartel, pela mesquinha pequenez da paz a qualquer preço, o mito vivo e redivivo da irresistível cruzada contra a escarpa soviética, o portento supremo da campanha da Rússia e de mil outros espantosos exploits, o titâ, por excelência, da derrota mundial e das horas de aluimento e derrocada que se seguiram, o depositário, legatário e transmissor privilegiado da chama, da fé e do charme arianos e da fidelidade ao Führer, o agente inquebrantável da transição da Europa de anteontem para A de depois de amanhã, ali estava ele, de súbito, em pessoa, ao nosso alcance - e ao nosso inteiro dispôr, imaginem só!
Avidamente questionado por nós, Degrelle não se fez rogado: abriu logo de caminho e sem demora o livro de História da sua memória de homem-de-armas e chamou a desfolhá-lo o homem-de-letras, igualmente incomparável, que mora em si, para que o mesmo o recitasse à notre égard, de cor e salteado e de uma ponta à outra.
E começou de contar, então, Léon Degrelle, a saga de uma existência estreme e palpitante, de uma vida repleta e simplesmente fabulosa - a sua vida, pois; a sua existência - que vale, toda ela, por uma longa longa-metragem semeada de assombros e prodígios, quero eu dizer: por um filme das arábias, cheio de acção e de suspense, repassado de magia - e à prova de confrontos; que vale, em tudo, e sobretudo, e ao fim e ao cabo, por uma grande e desgarradora canção de gesta, em suma.
O arco narrativo do excurso transpôs-nos - e transportou-nos -, acto contínuo, da Valónia rural e profunda de princípios do século ao advento e marcha triunfal das propostas políticas consubstanciadas na(s) vaga(s)-de-fundo do Rex, e daí ao ponto de viragem e sem retorno do toque-a-reunir nos campos de batalha propriamente ditos.
Fazendo, sempre, grand état, e um superior e permanente alarde, do seu extraordinário rex-appeal, o nosso apaixonante e apaixonado interlocutor enunciou então as razões de fundo - razões de peso, todas elas - que ao diante o compeliriam a sacrificar a sua aura e o seu prestígio de líder carismático de âmbito doméstico (com créditos por demais firmados e uma situação de futuro garantido num raio de acção assaz reduzido e numa esfera de influência de curto alcance) e a de todo em todo abdicar de fazer carreira, no quadro egoísta, e acanhado por de mais, da Bélgica natal, para passar preferentemente a habitar um destino de recorte epopaico e amplamente europeu.
O toque-de-clarim de Adolf Hitler tivera o sestro de mobilizar, assim por dentro que por fora, o maior e o melhor dos seus destinatários: afinal, o único ser da Terra que o Führer consideraria como moldado, talhado e criado à sua imagem e semelhança, e cem-por-cento digno d`Ele. E, todavia, ninguém como Degrelle - não cessou de o sublinhar ele próprio - fez valer, tão a peito, a sua condição de belga carnal - de belga genuíno - junto dos altos-comandos alemães, recusando-se por sistema a aceitar ou a acatar servilmente os diktaten dos mesmos e a desempenhar assim o passivo papel de plantão ou de faxina, senão de oficial-de-dia ou de oficial-às-ordens do pangermanismo.
Evocadas, de seguida, as circunstâncias - as coordenadas de tempo e de lugar, entenda-se - em que lhe tocou entabular conhecimento com aquele que seria o primeiro e o melhor dos seus panegiristas e biógrafos - o grande, o genial e malogrado polígrafo e poeta franco-catalão Robert Brasillach, que para directamente o abordar, subira, em 40 e pico, às primeiras linhas, na qualidade de repórter-de-guerra destacado para o Leste pelo «Je suis Partout», e que longamente o entrevistou na frente-de-combate -, e traçado que foi um tocante e expressivo retrato físico, temperamental e psico-literário do mártir de Fresnes, Degrelle suspendeu o debate-papo, para nos conduzir ao recanto mais íntimo e recatado do seu estúdio.
Sentou-se ao piano criador da sua mesa de trabalho e permutou então connosco livros e autógrafos, autenticando um por um os inúmeros títulos, tomos e opúsculos de sua autoria que havíamos levado de passeio até Madrid para isso mesmo: para que ele os rubricasse por
mão própria.
Seguidamente, içou-se - e nós com ele - ao topo cimeiro do prédio e levou-nos a contemplar, do alto de um terraço panorâmico exposto à rosa de todos-os-ventos, os quatro pontos cardiais da capital castelhana, alcançada de alto a baixo e de lés-a-lés, abrangida a perder de vista, e aberta e projectada, a toda a extensão da sua malha, contra o biombo poentino do horizonte.
Daí a pouco, estávamos a retomar o fio à meada - digo: à conversa -, mas depois - já depois - de abancados à mesa de anos do guerreiro.
Para os celebrar em plenitude, tinha Degrelle requerido, ou talvez requisitado mesmo, a escolta amiga dos seus apóstolos portugueses, junto de quem jantou, depois de se ter transplantado connosco a um realengo restaurante da cidade. (Uma espécie de óasis das mil-e-uma-noites, engolfado no meio da pulsação caótica da urbe).
A crónica wagneriana das campanhas militares do Eixo, assim no Continente que no Pacífico; a traição de von Paulus, o móbil que a ditou e a densidade de consequências catastróficas que teve; a apoteose geral das horas do fim, que precederam o caos, a hemorragia, a hecatombe; a magnificiência dantesca e gigantesca dos últimos recontros, confrontos e combates, e o exemplarismo admirável das derradeiras devoções, abnegações e fidelidades; a magnitude e grandiosidade, desmedida, dos que resistiram e batalharam jusq`au bout et au delà du bout; a gratuita e nefanda hediondez de todas as vindictas selectivas e/ou massivas que sobre Ceca e Meca se abateram por então (carnificinas em larga escala, como a de Desdren; sangueiras de açougue, como as que o Dongo - e não só... - presenciou; as forcas patibulares de Nuremberga, os fornos crematórios de Hiroshima e Nagasaki, etc,... etc,... and so on...); o calvário, suplício e morte dos pais e irmão do próprio Degrelle, assim que os de seu sogro Joseph Darnand; a agonia, paixão e crucificação d`il caro Ben, de Clara Petacci, e de milhares de fiéis e sequazes do Duce; mil outros patéticos e eloquentes episódios, a atestarem a sanha e insânia desatinadas, e desatadas, que marcaram o chamado fim da guerra; um inteiro e detalhado painel de toda a razia anti-fascista que então alastrou por esse mundo a cabo, - condimentaram a partilha do pão e do vinho durante o oral cerimonial da ceia. (Que foi, aliás, a nossa última - e única - ceia com o lendário lidador).
À maneira que o tempo se escoava e que a noite progredia, master Degrelle não parava de rejuvenescer. E quando o momento chegou de todos saudarmos o cumpleaños natalício do herói, este reverberava de mocidade, de mordacidade, de animação e de fulgor.
Era, de longe, o mais jovem e jovial de todos nós, pelo Verbo e pela «verve».
A sua vibração contagiante, o seu élan, a sua energia, o seu magnetismo metiam-nos literalmente a um canto, e faziam de Degrelle a estátua ideal da juventude, de que tanto falava Brasillach.
Quando tocou a destroçar e a távola redonda da amizade se despovoou do Cavaleiro - primus e ímpar inter pares - e dos seus cinco (ou talvez seis) confrades menores, Degrelle era a imagem viva, perfeita e esfuziante, do tempo recuperado.
Com oitenta e dois anos curtidinhos no pêlo, o nosso velho e denodado León dir-se-ia fadado para infringir e transgredir todas as leis da cronobiologia e mais algumas.
À saída, selou e chancelou connosco - em espírito de corpo, e pelos tempos dos tempos... - o pacto sacramental da irmandade d`armas (e d`almas): osculou-nos ritualmente a face, cingiu-nos em peso os ombros e os ossos, abraçou-nos e abarcou-nos com quanta força de anos tinha, e, miraculosamente desbordante, desapareceu na noite, em passo elástico, a estender eternamente o braço na nossa direcção.
Atrás de si, deixou impresso um rasto inapagável: o rasto de um ser pletórico e alado, apolíneo e estuante, nibelúngico e feérico.
Atrás de si, e à nossa frente, um rasto mágico, e extasiante, ficou inciso: o rasto de um deus. De um deus terrestre. De um deus subsolar.
O único deus em carne-e-osso que já algum dia me foi dado conhecer, reconhecer e identificar como tal. O único com que topei nos tresmalhados caminhos deste mundo, depois de José de Almada Negreiros. O único também, até hoje, que me foi dado abordar de caras, contemplar de frente e interpelar
vis à vis.
Tirando Almada, o único deus en propre personne que avistei por perto e ao vivo foi Degrelle.
O único, sim. O único. E com certeza o último dos últimos da sua raça. (Tão certo como dois e dois não serem cinco...)

(Madrid, aos 16 de Junho de 1988 - Casa de São José, em Parada de Gonta, nos Dias da Raça de 1991 e de 1994).

ADÁGIO FINAL

Dizem-me que morreu Léon Degrelle.
Morreu lá agora!...
Pode lá ser?!...
Não morreu tal.
Morrer era a última das coisas que lhe poderiam suceder. Mais - digo mais: morrer é justamente a única coisa que não poderá acontecer nunca a Degrelle - garanto-lhes eu.
Vale uma aposta?!...
Por mim, arrisco - e arrisco já. Dobrado contra singelo.
- Degrelle morreu, senhores?...
- Viva Degrelle!

(Aos 30 de Ardil de 1994)

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