«Quando em tempos escrevi sobre esta questão na ‘internet’, fui automaticamente recordado do actual “peso” do tema e aconselhado a desistir dos tais considerações. Assim, antes de passar ao que interessa, começo com um esclarecimento necessário. Não é uma desculpa, é mais um aviso ao leitor e uma salvaguarda – hoje em dia cada vez mais necessária – em relação a posteriores interpretações livres ou extensivas das minhas considerações.
O tema, como já devem ter adivinhado, é a polémica relativa ao chamado “revisionismo do Holocausto”. Daí a necessidade de afirmar, pelas razões supracitadas, que este texto não pretende “rever” ou “negar” qualquer holocausto, independentemente de quem tenham sido as vítimas ou os culpados, ou da altura em que tenha sido cometido.
O Caso Irving
O historiador que mais depressa associamos ao revisionismo é o britânico David Irving. Lembro-me que, em 2005, ao fazer um ‘zapping’ televisivo, dei de caras com ele. Não teria sido nada de mais, porque o programa onde o revi a fazer comentários sobre Adolf Hitler e a Segunda Guerra Mundial era de 1989, se não estivesse nesse exacto momento preso na Áustria por “negar o Holocausto”, o que constitui crime nesse país, à semelhança da vizinha Alemanha.
Antes dele, havíamos tido notícia de outras prisões, por igual delito, como a de Ernst Zündel e a de Germar Rudolf. Ambos conseguiram chegar às páginas dos jornais, em especial Zündel, porém com pouco destaque, após as suas detenções. O caso de Irving levantou mais poeira, talvez por ser cidadão britânico, talvez por ser um historiador razoavelmente conhecido e com bastantes obras de valor reconhecido. Lembro-me, por exemplo, do excelente “The War between the Generals”, publicado pela Penguin Books em 1981, que recebeu o aplauso da crítica. O jornal “The Times”, na altura, considerou o autor “one of Britain’s foremost historians”.
Não deixa de ser irónico vê-lo na televisão, ver as suas obras nas prateleiras e saber que, para além de ter sido preso, ser tratado como um reles mentiroso, ou pior, classificado como um “nazi”. Todas as histórias, por mais trágicas, têm sempre um lado cómico. Neste episódio Irving, houve uma que merece ser referida e que foi noticiada pelo “Telegraph”. Durante uma visita à biblioteca da prisão onde se encontrava, o historiador britânico descobriu algumas obras suas e assinou-as. Isto causou um certo mal-estar ao director da prisão que garantiu prontamente que iria desfazer-se dos ditos livros.
Irving só sairia do seu cárcere austríaco em Dezembro de 2006, sendo expulso daquele país. O relato desses quatrocentos dias de prisão e as suas considerações sobre o sistema judicial da Áustria deram origem ao livro “Banged-up”, disponível na ‘internet’.
Fruto proibido
Depois deste surto de detenções, assistimos às declarações de Mahmud Ahmadinejad, actual presidente do Irão, e às reacções igualmente inflamadas dos governantes de Israel. Este assunto continua a ser levantado sempre que há qualquer questão entre os dois países. Com ou sem revisionismo, Irão e Israel permaneceriam inimigos mortais ‘ad aeternum’, mas este tema é particularmente sensível aos judeus, como é compreensível. Aliás, é perfeitamente natural o repúdio da grande maioria dos judeus pelos chamados “revisionistas do Holocausto”. Simplesmente, penso que os primeiros escolheram a solução errada. Passo a explicar.
A minha formação em História diz-me que proibir a investigação, por mais loucas ou disparatadas que sejam as suas conclusões, é errado. Por muito que incomode os italianos um estudo que chegue à conclusão que Colombo era português, por muito que choque a Igreja Católica uma investigação que diga que Jesus foi casado e teve filhos, ou por muito que ofenda os judeus uma teoria que defenda que o Holocausto provocou cinco milhões de mortos, não devem ser proibidas. Devem, isso sim, ser debatidas e, se necessário for, contrariadas com argumentos e provas, em resumo, com outras investigações, nunca com leis.
Em geral, a defesa da liberdade de expressão é consensual, mas neste assunto tem-se vindo a adoptar, cada vez mais, uma atitude censória. Aqui é que a porca torce o rabo, como reza a expressão popular. Começo por um exemplo puramente académico. Imaginemos que amanhã, um dito “revisionista do Holocausto” chegava à conclusão de que este tinha vitimado sete — e não seis — milhões de pessoas. Seria considerado crime? Seria julgado por isso?
De qualquer maneira, quando se opta pela censura e se utilizam sanções legais como a prisão, dá-se uma importância elevada ao assunto. Quero dizer que, com tudo o que tem acontecido, o chamado “revisionismo do Holocausto” teve talvez a maior propaganda de sempre. Dir-me-ão que a importância é dada ao Holocausto e não aos seus revisores ou negadores, mas o que acontece é que eles é que sobem ao palco dos ‘media’. A publicidade é tal, que o tema tem corrido os jornais e televisões de todo o mundo, dando a conhecer a existência de uma “versão proibida” dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial a milhares de pessoas que nunca dela haviam ouvido falar. Mais: se é proibido, gera automaticamente maior curiosidade. Todo este processo lembra-me o que me dizia um familiar meu sobre os livros censurados durante o Estado Novo: “A quantidade de merda que eu li, apenas por saber que tinha sido censurado!”
Revisionismo revisto
A História é uma arma política poderosa e, como tal, tem sido utilizada amiúde ao longo dos tempos. O “revisionismo do Holocausto” tem sido aproveitado politicamente por muitos sectores. Do lado considerado “negacionista” pelos seus detractores, foi guiado por agendas políticas de extrema-esquerda, extrema-direita e fundamentalista islâmica. Do lado considerado “exterminacionista” foi aproveitado por grupos sionistas e outros grupos judaicos, grupos “anti-nazis”, entre outros. Neste último, interessa referir que a pressão destes grupos levou a que em vários países surgissem leis que condenam o “revisionismo ou negação do Holocausto”.
Este processo levou a que, rapidamente, se equivalesse revisionismo a negação do Holocausto e que, como a negação do Holocausto foi considerada crime, o revisionismo também o fosse automaticamente. Não apenas o revisionismo do Holocausto, mas o revisionismo em geral; este, aliás, começou a ser algo muito mal visto em favor de versões “oficiais” da História.
O revisionismo precisa, assim, de ser revisto. É essencial à investigação histórica que o espírito crítico e a vontade de verdade e exactidão não sejam toldados por discussões encerradas. O problema do revisionismo tem sido a falta de seriedade de vários “investigadores”. No caso do revisionismo do Holocausto, tal tem sido notório — de um lado e do outro, sublinhe-se.
Nesta revisão do revisionismo, o primeiro passo é recusar os dogmas — de um lado e do outro, sublinho mais uma vez. Como escrevi em tempos, os “santificadores da Shoah” e os “reverendos do revisionismo” estão no mesmo plano. A História é uma disciplina fascinante e o trabalho do historiador nunca está terminado.»
O tema, como já devem ter adivinhado, é a polémica relativa ao chamado “revisionismo do Holocausto”. Daí a necessidade de afirmar, pelas razões supracitadas, que este texto não pretende “rever” ou “negar” qualquer holocausto, independentemente de quem tenham sido as vítimas ou os culpados, ou da altura em que tenha sido cometido.
O Caso Irving
O historiador que mais depressa associamos ao revisionismo é o britânico David Irving. Lembro-me que, em 2005, ao fazer um ‘zapping’ televisivo, dei de caras com ele. Não teria sido nada de mais, porque o programa onde o revi a fazer comentários sobre Adolf Hitler e a Segunda Guerra Mundial era de 1989, se não estivesse nesse exacto momento preso na Áustria por “negar o Holocausto”, o que constitui crime nesse país, à semelhança da vizinha Alemanha.
Antes dele, havíamos tido notícia de outras prisões, por igual delito, como a de Ernst Zündel e a de Germar Rudolf. Ambos conseguiram chegar às páginas dos jornais, em especial Zündel, porém com pouco destaque, após as suas detenções. O caso de Irving levantou mais poeira, talvez por ser cidadão britânico, talvez por ser um historiador razoavelmente conhecido e com bastantes obras de valor reconhecido. Lembro-me, por exemplo, do excelente “The War between the Generals”, publicado pela Penguin Books em 1981, que recebeu o aplauso da crítica. O jornal “The Times”, na altura, considerou o autor “one of Britain’s foremost historians”.
Não deixa de ser irónico vê-lo na televisão, ver as suas obras nas prateleiras e saber que, para além de ter sido preso, ser tratado como um reles mentiroso, ou pior, classificado como um “nazi”. Todas as histórias, por mais trágicas, têm sempre um lado cómico. Neste episódio Irving, houve uma que merece ser referida e que foi noticiada pelo “Telegraph”. Durante uma visita à biblioteca da prisão onde se encontrava, o historiador britânico descobriu algumas obras suas e assinou-as. Isto causou um certo mal-estar ao director da prisão que garantiu prontamente que iria desfazer-se dos ditos livros.
Irving só sairia do seu cárcere austríaco em Dezembro de 2006, sendo expulso daquele país. O relato desses quatrocentos dias de prisão e as suas considerações sobre o sistema judicial da Áustria deram origem ao livro “Banged-up”, disponível na ‘internet’.
Fruto proibido
Depois deste surto de detenções, assistimos às declarações de Mahmud Ahmadinejad, actual presidente do Irão, e às reacções igualmente inflamadas dos governantes de Israel. Este assunto continua a ser levantado sempre que há qualquer questão entre os dois países. Com ou sem revisionismo, Irão e Israel permaneceriam inimigos mortais ‘ad aeternum’, mas este tema é particularmente sensível aos judeus, como é compreensível. Aliás, é perfeitamente natural o repúdio da grande maioria dos judeus pelos chamados “revisionistas do Holocausto”. Simplesmente, penso que os primeiros escolheram a solução errada. Passo a explicar.
A minha formação em História diz-me que proibir a investigação, por mais loucas ou disparatadas que sejam as suas conclusões, é errado. Por muito que incomode os italianos um estudo que chegue à conclusão que Colombo era português, por muito que choque a Igreja Católica uma investigação que diga que Jesus foi casado e teve filhos, ou por muito que ofenda os judeus uma teoria que defenda que o Holocausto provocou cinco milhões de mortos, não devem ser proibidas. Devem, isso sim, ser debatidas e, se necessário for, contrariadas com argumentos e provas, em resumo, com outras investigações, nunca com leis.
Em geral, a defesa da liberdade de expressão é consensual, mas neste assunto tem-se vindo a adoptar, cada vez mais, uma atitude censória. Aqui é que a porca torce o rabo, como reza a expressão popular. Começo por um exemplo puramente académico. Imaginemos que amanhã, um dito “revisionista do Holocausto” chegava à conclusão de que este tinha vitimado sete — e não seis — milhões de pessoas. Seria considerado crime? Seria julgado por isso?
De qualquer maneira, quando se opta pela censura e se utilizam sanções legais como a prisão, dá-se uma importância elevada ao assunto. Quero dizer que, com tudo o que tem acontecido, o chamado “revisionismo do Holocausto” teve talvez a maior propaganda de sempre. Dir-me-ão que a importância é dada ao Holocausto e não aos seus revisores ou negadores, mas o que acontece é que eles é que sobem ao palco dos ‘media’. A publicidade é tal, que o tema tem corrido os jornais e televisões de todo o mundo, dando a conhecer a existência de uma “versão proibida” dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial a milhares de pessoas que nunca dela haviam ouvido falar. Mais: se é proibido, gera automaticamente maior curiosidade. Todo este processo lembra-me o que me dizia um familiar meu sobre os livros censurados durante o Estado Novo: “A quantidade de merda que eu li, apenas por saber que tinha sido censurado!”
Revisionismo revisto
A História é uma arma política poderosa e, como tal, tem sido utilizada amiúde ao longo dos tempos. O “revisionismo do Holocausto” tem sido aproveitado politicamente por muitos sectores. Do lado considerado “negacionista” pelos seus detractores, foi guiado por agendas políticas de extrema-esquerda, extrema-direita e fundamentalista islâmica. Do lado considerado “exterminacionista” foi aproveitado por grupos sionistas e outros grupos judaicos, grupos “anti-nazis”, entre outros. Neste último, interessa referir que a pressão destes grupos levou a que em vários países surgissem leis que condenam o “revisionismo ou negação do Holocausto”.
Este processo levou a que, rapidamente, se equivalesse revisionismo a negação do Holocausto e que, como a negação do Holocausto foi considerada crime, o revisionismo também o fosse automaticamente. Não apenas o revisionismo do Holocausto, mas o revisionismo em geral; este, aliás, começou a ser algo muito mal visto em favor de versões “oficiais” da História.
O revisionismo precisa, assim, de ser revisto. É essencial à investigação histórica que o espírito crítico e a vontade de verdade e exactidão não sejam toldados por discussões encerradas. O problema do revisionismo tem sido a falta de seriedade de vários “investigadores”. No caso do revisionismo do Holocausto, tal tem sido notório — de um lado e do outro, sublinhe-se.
Nesta revisão do revisionismo, o primeiro passo é recusar os dogmas — de um lado e do outro, sublinho mais uma vez. Como escrevi em tempos, os “santificadores da Shoah” e os “reverendos do revisionismo” estão no mesmo plano. A História é uma disciplina fascinante e o trabalho do historiador nunca está terminado.»
Jornal O Diabo,
p.14, 17.08.2010
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