I – DESAFIO...
Esta cópia manuscrita vai para o Rodrigo Emílio com muito afecto
Meu Deus! Só quando renunciar ao mundo
Abarcarei o mundo
Sei isto e muitas coisas mais
Que me dizem dos sítios onde vais.
Sei isto e os compêndios de escolar
Que ensinam os caminhos por Te achar.
Sei isto; e a inteligência mostra que é.
Só não sei o gosto ao amor. Só não sei a força à fé.
Meu Deus Senhor! Renunciar ao mundo,
Nada querer pra Te querer a Ti.
Nessa empresa me gasto e me confundo,
Mas moras muito alto ou muito fundo,
Que sinto o mundo e nunca Te senti.
Ó dono dos exércitos - vencido!,
Inerte, quando a terra me conquista!
Só me chamas nas coisas escondido.
E eu nas coisas me perco, ó som perdido,
Ó eco enganador, ó falsa pista!
Meu Senhor, que encontrei na inteligência
E explicando o insucesso dos meus passos;
Que conheci - de nome - nos regaços
De Mãe, Tias e Avó - com negligência...
Senhor intemporal que não tens pressa,
Que envenenas os sítios onde beijo,
Que me afogas de dor no que desejo,
Meu Deus Senhor! Por onde se começa?
Goulart Nogueira.
Reescrito, de memória, no Porto,
em 29 de Maio de 1991.
II - Parada...
«Saudação»
Ao meu bemquerido Mestre Goulart Nogueira, que continua a ser o único Nogueira que eu conheço digno de fé - e, assim mesmo, «a segunda explosão cultural da Poesia Portuguesa neste século, depois de Fernando Pessoa»,1 agradecendo e retribuindo, desde esta minha - e sua - Casa de São José, a dedicatória e regalo da desgarradora poesia manuscrita que teve a lembrança e a amizade de ofertar-me no Porto, em antepenúltimos de Maio.
Cara al sol, de braço ao alto, e com o mais que filial afecto que lhe tem dedicado, sempre, o seu discípulo, mal amado, maltratado e mal avaliado,
Rodrigo Emílio.
Ó meu irmão siamês,
meu irmão gémeo -
como eu, português
e, como eu, boémio:
- a teus braços me arremesso,
como quem se atira às águas,
procurando dar início a um bom congresso
de mágoas.
Se és um dandy,
cinge o fraque,
manda vir brandy
e cognac,
- que eu, pecador, me confesso
de nadar nas mesmas águas
do amor e do excesso
de mágoas.
Já das noitadas de sexo
pouco a pouco me despeço...
Já começo a alar das águas...
...E contigo as atravesso,
desafiando‑te, em verso,
a um bom congresso
de mágoas.
Ó meu irmão siamês,
meu irmão gémeo -
- como eu, português
e, como eu, boémio:
faculta‑me acesso
a terras e águas
e a um bom congresso
de mágoas.
Rodrigo Emílio
(1979‑1982)
1 – Opinião que regularmente tenho vindo a reiterar, desde o dia e hora em que; a justo título, a firmei e expendi pela vez primeira. Onde? - Nas para sempre saudosas e bem-lembradas colunas do recinto cultural do Diário da Manhã. Quando? - Há-de haver uns bons - digo: uns maus - vinte e sete anos...
III - ... E RESPOSTA
«RECADO EM PRECE»
Inteiramente, e inédito, para
o Rodrigo Emílio
Pois, Rodrigo, te respondo
Num mesmo jeito de verso
Que, cada qual com seu estrondo,
Chegámos ao mesmo berço,
E um mais alto, outro mais baixo,
Um mais velho, outro mais novo,
Tomámos o mesmo enfaixo,
Como sendo o mesmo ovo.
Nem se nota a diferença,
Com tamanha luz acesa.
Espantosa é a parecença
E é semelhante a magreza.
Mingadinhos, desmedidos,
Cada qual seu rosicler...
Como são tão parecidos?
Como é que isto pode ser?
Marcas o lugar que eu marco,
Neste pinho que nos veste.
Nem sei se é berço, se é barco,
Se uma astronave celeste.
Órfãos, no campo enjeitado,
Velhinhos na escuridão,
Fazemos choro dobrado,
Presos na mesma aflição.
Se eu te pregar a partida
De partir antes que queres
- «Avé Maria bendita
Entre todas as mulheres!» -,
E se tu me prespegares
Duas chapadas «zás! trás!»
Prosseguirei nos teus ares
Pra qualquer sítio que vás.
Se desarvorares, triste,
Mais negro do que um tição,
Correrei, de pranto em riste
A chamar‑te: «lrmão! Irmão!».
Por enquanto, deixa, deixa!
Grão na terra... Sal no mar...
Não faças nenhuma queixa,
Tudo se há‑de arranjar.
Pelos sóis, pelos buracos,
Arrastámos nossa cruz.
Tanta travessia aos nacos!
Tantos planetas, Jesus!
E, chegando ao mesmo berço,
Ó Virgem Santa Maria!,
Já, cada qual com seu terço,
Andamos pela agonia.
Que Nosso Senhor louvado!
Se nos traçou rumos tais,
Nos ponha aos dois, lado a lado,
Com brancas asas iguais.
Goulart Nogueira
16 de Julho de 1991
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