15.10.09

Bonito texto autobiográfico

“Os intelectuais de hoje não têm a grandeza que caracterizou a devassidão de Nero: são mais torpes quando o são infinitamente burgueses sem o quererem ser. Horroriza-nos neles a falta de coragem para exprimirem desassombradamente o que pensam, para castigarem duramente o que se erra. O que tem prejudicado as reacções salutares dos povos têm sido sempre a intervenção dos juristas, dos retóricos, e dos filósofos, dos homens que encontram dois sentidos legítimos em cada palavra, duas soluções honestas para cada caso, duas saídas honrosas para cada dificuldade. São os homens das subtilezas e das argúcias, que torcem as palavras, iludem os sentidos e lançam a confusão na vida, fazendo bem do mal, justo do injusto, louvável o que é digno de reprovação. Nada lhes escapa, tudo se subverte, tudo se mistura, tudo se mistura, não há lícito nem ilícito, honra nem desonra, nobreza nem infâmia. Eles são os grandes desorganizadores da vida moral de um povo.
Nós, que cremos na virtude da violência para criar as nações fundamente atacadas pelo mal, que cremos na verdade una e que por ela nos sacrificamos, que nada concedemos preferindo salvarmo-nos perecendo no nosso posto a perdemo-nos recolhendo os louvores do mundo porque abandonámos o combate; nós, que cremos em Deus Padre Omnipotente, na vida eterna e em alguma coisa de mais nobre que o barro transitório, que é a alma imortal, nós afirmamos bem alto que permanecemos em guerra aberta contra uma sociedade que se desfaz miseravelmente, seguros na nossa intransigência, firmes na nossa intolerância, mais do que nunca adversários daqueles que, dizendo servir a Verdade, a atraiçoam e a vendem a todos os instantes pelos trinta dinheiros que rendeu a Judas a morte do Redentor…”

Marcello Caetano
In Ordem Nova, «A chaga da literatice», fasc. 9, Novembro/Dezembro de 1927, págs. 270/271.

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