6.2.08

Robert Brasillach: os últimos instantes

«Só podemos aqui citar o processo verbal dos últimos instantes — porque fazem parte da sua vida e da sua figura — autenticado por Jacques Isorni no próprio dia da sua execução, 6 de Fevereiro de 1945. “Às 8h30 diante das grades do Palácio da Justiça forma-se o cortejo de seis viaturas negras que irão conduzir a Fresnes as pessoas requisitadas pela lei e pelo costume para a execução. Ao longo de todo o percurso, um importante serviço de ordem constituído por guardas da paz armados de pistolas-metralhadoras. Nas proximidades de Fresnes, o serviço de ordem é muito mais compacto. Na entrada da prisão os guardas móveis formam alas. Esperamos alguns instantes (...) diante da grade de acesso ao grande corredor que conduz às celas.
Às 9 horas em ponto dirigimo-nos seguidos de um pelotão de guardas à divisão dos condenados à morte. O Comissário do governo francês abre a porta da cela de Robert Brasillach e anuncia-lhe num tom seco que o pedido de indulto foi recusado.
Entro neste momento na cela com Mlle. Mireille Noël e o capelão. Robert Brasillach abraça-nos aos três. Logo depois, pede para ficar só com o capelão. Dois guardas retiram-lhe as cadeias. Depois da sua confissão e de alguns minutos de conversa com o sacerdote, manda-me chamar e a Mlle. Noël. Dá-me as últimas cartas que escreveu para a mãe, para a família, para Mlle. Noël e para mim mesmo. Dá-me também os manuscritos dos poemas escritos na prisão e uma folha com algumas linhas e o título La Mort en Face. De quando em quando, olha-me com um sorriso de criança. Tinha compreendido desde ontem que seria esta manhã.
— Sabe, diz-me, dormi perfeitamente!
Como tem que vestir o seu fato civil e tirar o fato dos condenados à morte, Mlle. Noël retira-se e eu fico só com ele.
— Sim, fique aqui comigo, diz-me.
Mostra-me algumas fotografias da mãe e dos sobrinhos. Põe-nas na carteira, exprimindo o desejo de morrer com essas fotografias sobre o coração. Naquele momento sofre um ligeiro desmaio, solta um suspiro, e as lágrimas correm-lhe dos olhos. Volta-se para mim, como se quisesse desculpar-se:
— É natural, isto. Mas, tranquilize-se, daqui a pouco a coragem não me abandonará.
Veste-se tranquilamente, compõe cuidadosamente o risco do cabelo diante do espelho; depois, sem descurar nada, retira da metade de um pão um pequeno canivete e uma tesoura escondidos e entrega-mos. Explica-me:
— Para ninguém ter problemas...
Arruma os seus objectos pessoais num saco grande. Sente sede nesse momento. Bebe um pouco de água da sua tigela. Depois, acaba de se arranjar. Veste o sobretudo azul que usara durante o julgamento. Passou à volta do pescoço o mesmo cachecol de lã vermelha.
Pede para falar com o Comissário do governo, Reboul. Este avança. Está rígido pela emoção, o rosto atormentado, intensamente pálido. Com uma voz surda, Brasillach faz-lhe a declaração seguinte:
— Não lhe quero mal, M. Reboul, sei que acredita ter agido segundo o seu dever; mas tenho a dizer-lhe que não procurei senão servir a minha Pátria. Sei que o senhor é cristão, como eu sou. Só Deus nos julgará. Posso pedir-lhe um favor?
M. Reboul inclina-se, Robert Brasillach continua:
— A minha família sofreu muito, o meu cunhado está na prisão, sem motivo nenhum, há seis meses. A minha irmã precisa dele. Peço-lhe que faça tudo o que puder para que seja posto em liberdade. Ele foi também o companheiro de toda a minha juventude...
O Comissário do governo responde-lhe:
— Prometo-lhe.
Robert Brasillach diz-lhe para terminar:
— Aceitaria, M. Reboul, apertar-me a mão?
O Comissário do governo aperta-a durante um longo momento.
Robert Brasillach abraça-me uma vez mais; abraça igualmente Mlle. Mireille Noël que acabara de entrar e diz-lhe:
— Tenha coragem e fique junto da minha pobre irmã.
Está pronto e, ele mesmo, abre a porta da cela. Avança até à frente das personalidades que o aguardam e diz-lhes:
— Senhores, estou à vossa disposição!
Dois guardas avançam para ele e colocam-lhe as algemas. Chegamos ao grande corredor da saída. Ao passar diante duma cela, Robert Brasillach grita com uma voz clara: “Até à vista, Béraud”, e alguns metros mais longe: “Até à vista, Lucien Combelle!” A sua voz ressoa na abóbada por sobre o ruído dos passos.
Quando chegamos ao corredor onde o carro celular espera, volta-se para Mlle. Noël e diz-lhe enquanto lhe beija a mão:
— Confio-lhe Suzanne e os dois pequenos. Acrescenta:
— Hoje, 6 de Fevereiro, pensará em mim e pensará nos outros que morreram neste mesmo dia há onze anos.
Subo com ele para a viatura que vai conduzir-nos ao forte de Montrouge. Senta-se, impassível, agarrando-me a mão. A partir deste momento não falará mais.
O poste ergue-se junto duma elevação revada. O pelotão de doze homens e um suboficial volta-nos as costas. Robert Brasillach abraça-me e dá-me palmadas nas costas em sinal de encorajamento. Um sorriso puro ilumina-lhe o rosto, e o olhar não traduz nenhuma amargura. Depois, calmo, com um grande à-vontade, sem o menor estremecimento, dirige-se para o poste. Mantenho-me um pouco afastado do grupo oficial. Voltou-se, encostado ao poste. Olha-me como se me dissesse: “Eis o fim”.
Um soldado sai do pelotão para lhe amarrar as mãos, mas fica perturbado e não consegue amarrá-las. O maréchal des logis, por ordem do tenente, tenta por sua vez. Os segundos passam... Ouve-se a voz do tenente que rompe o silêncio:
— Maréchal des logis!... Maréchal des logis!...
Robert Brasillach, atado ao seu poste, mantém-se muito direito, a cabeça levantada e altiva. Em contraste com o cachecol vermelho, está muito pálido. O meirinho lê a pronúncia de rejeição do recurso judicial.
Depois, com voz forte, Robert Brasillach grita ao pelotão:
— Coragem!...
E com os olhos levantados:
— Viva a França!

O fogo de salva ressoa. A parte superior do corpo separa-se do poste como que a levantar-se para o céu. A boca crispa-se. O impedido precipita-se e dá-lhe o tiro de misericórdia. O corpo desliza suavemente para a terra. São 9h38.
O Dr. Paul avança para confirmar a morte. O capelão e eu seguimo-lo e inclinamo-nos. O corpo está, aparentemente, intacto. Recolho, para os que o amam, a grossa gota de sangue que lhe rola na testa”.

“Antecipa toda a separação, como se ela estivesse atrás de ti, semelhante ao inverno que num instante se vai. Porque entre os invernos, está um sem fim tal que, depois de o superares, o teu coração sobreviverá a tudo”.
É o início dum dos Sonetos a Orfeu, de Rilke. Antecipa toda a separação... o teu coração sobreviverá a tudo. Sim, este quinhão dos eleitos da morte precoce é o de Robert Brasillach. Alguns quiseram discutir sobre que romances, que teatro, que crónicas. Mas é duma obra única que se trata e, como a de Orfeu, a sua voz continuará a elevar-se e a fazer-se ouvir, impossível de confundir-se com alguma outra. Nem criminoso, nem traidor. François Mauriac resolveu este problema duma vez por todas. E, como diz Jean Anouilh, o autor de Antígona, no seu prefácio das Obras completas: “Quando a salva inútil estala, o homem que assinou a sentença desmorona-se, começando a sua putrefacção e passeando o seu cadáver glorioso e barulhento — por um tempo ridiculamente curto. O moço que olhava a morte de frente continua de pé e intacto — eternamente... Este moço tomou o seu lugar para sempre entre os primeiros escritores de língua francesa”.
Sim, como a morte alimentou a sua vida, a vida alimentou a sua morte; o canto de Orfeu continuará a elevar-se para celebrar a beleza dos dois reinos.
Quem quer que se aproxime desta obra, ouvirá sempre, com esta voz única, ecoarem os mesmos temas, como o sangue no coração: o tempo que passa, a bondade, o verão, a praia maravilhosa, as raparigas, o fogo nas faces, o amor incandescente...
...E as chaves de toda a poesia: a juventude e a morte.»

Bernard George

1 comentário:

Anónimo disse...

Fidelidade também é memória.

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