20.9.08

Rui Ramos sobre o general Coca-Cola.

«O factor principal da política portuguesa em 1958 era a disputa pelo poder no topo do Estado Novo. À frente do Governo desde 1932, Salazar mantivera o regime mais ou menos indefinido, de modo a servir de albergue às várias forças políticas que tinham, na década de 1920, combatido o domínio da esquerda republicana.»
«Em 1951, a sucessão do Presidente Carmona provocou fracturas entre os chamados "monárquicos" e os chamados "liberais" (designações, aliás, bastante discutíveis). Craveiro Lopes, o novo Presidente da República, ficou de mal com os "monárquicos". No Verão de 1957, correu que decidira substituir Salazar por Marcello Caetano, ministro da Presidência desde 1955 e considerado um "liberal". (...) Santos Costa, o ministro da Defesa e visto como um "monárquico", passou a opor-se à reeleição de Craveiro, prevista para 1958. Craveiro, pelo seu lado, começou a receber militares revoltados com o ministro da Defesa. O ambiente no interior do regime ficou carregado. Em Abril de 1958, Santos Costa ameaçou Salazar: "Ou isto muda ou tudo se perderá." Pressionado por todos, Salazar hesitou ou fingiu hesitar até ao último instante, mas acabou por afastar Craveiro Lopes.
Foi neste contexto que apareceu a candidatura de Delgado. O general não contou com a força da oposição, mas com a dos salazaristas descontentes pelo afastamento de Craveiro. Fez saber, aliás, saber ao Presidente que, se este quisesse apresentar-se à reeleição contra a vontade de Salazar, ele o apoiaria. Caetano, por sua vez, tentou aproveitar a candidatura de Delgado para convencer Salazar a reeleição de Craveiro, o que levou Salazar, num primeiro momento, a desvalorizar o perigo: podia lá alguém como Delgado, que "lhe fora sempre dedicado" e com que ele simpatizava tanto, vir a causar problemas!»
Delgado foi até ao fim, até ao dia das eleições mas tendo a secreta esperança que o Presidente Craveiro Lopes demitisse o Presidente do Conselho e nomeasse um novo governo, mas anuncia que a sua candidatura é independente, apesar do apoio de todo o reviralho, incluindo o do Partido Comunista que acabou por retirar a candidatura de Arlindo Vicente em prol do general.
Derrotado por Salazar, que viria a demitir Santos Costa e Marcello Caetano e a escolher o almirante Américo Thomaz para a presidência da república. Ora, esta estratégia de Salazar fez com que os apoiantes de Delgado o abandonassem à sua sorte, e Salazar demitiu-o das suas funções e levado ao exílio em 1959.
«Quase toda a gente ressentiu a liderança que o general se quis atribuir, achando-o "autoritário" e até "desequilibrado". Tinha sido a impotência que levara os velhos republicanos e comunistas a juntar-se-lhe. Sabiam que os menosprezava (aos republicanos chamava os "barbas". Ao verem-no tão fraco como eles, começou a custar-lhes aturar o feitio independente e irrequieto do antigo "rapaz da Ditadura", sempre pronto para arriscar tudo em mais um golpe.
Tinha havido um equívoco desde o princípio. Nas suas memórias, Santos Costa, que se dava com o famoso escritor oposicionista Aquilino Ribeiro, conta que lhe perguntou, ainda durante a campanha eleitoral, se a oposição queria mesmo Delgado como Presidente. Aquilino foi sincero: "Mas é evidente que não, meu caro amigo. Nós precisamos, acima de tudo, é de alguém que nos abra a porta. O resto se verá depois."


Nota: Não se trata das memórias mas da «Correspondência de e para» da autoria de Santos Costa.

Sem comentários: