8.9.08

Livro: Combater em Moçambique. Guerra e Descolonização. 1964-1975 de Manuel Amaro Bernardo

Editado em 2003, "Combater em Moçambique. Guerra e Descolonização. 1964-1975", de 435 páginas é mais um trabalho interessante da autoria de Manuel Amaro Bernardo que vale a pena ler. Inclui depoimentos de combatentes como o do Coronel Pára-quedista Sigfredo Costa Campos.
«Eduardo Chivambo Mondlane nasceu em Manjacaze (Gaza), em 1920. Frequentou a Missão Suíça em Lourenço Marques, onde fez os estudos liceais. Depois ter tentado, sem êxito, fazer o curso na Universidade de Witwatersand, na África do Sul, devido ao apartheid, regressou a Moçambique. Foi então apoiado com uma bolsa do Estado, oferecida pelo Director dos Serviços de Instrução Pública, tendo seguido para Lisboa onde fez o curso de Letras. Mais tarde, “porque queria continuar num curso especializado, tive que ir para os Estados Unidos, onde fiz outros graus”.
Foi o próprio Mondlane quem, ao agradecer o banquete oferecido em sua honra, em 1961, no Hotel Xai-Xai, de João Belo, pelas autoridades do distrito, descreveu a sua experiência educativa em Moçambique e Lisboa.
Tinha-se deslocado à sua terra, depois de um pedido feito ao governo português, já doutorado em sociologia e professor catedrático da Syracuse University de Nova Iorque e após uma ausência de onze anos. Entretanto, casara com a americana (branca) Janet Era Johnson, era pai de dois filhos e individualidade de relevo dos quadros políticos das Nações Unidas, onde foi investigador profissional de 1957 a 1961. Os estudos feitos nos EUA tinham sido suportados por uma bolsa do Pelps-Stokes Found.
Foi este homem que, no ano seguinte (1962), se deslocou para Dar-es-Salam, para formar a FRELIMO (25 de Junho), através da junção de três grupos de imigrados moçambicanos, mas sem grande influência no interior do território de origem – MANU, UDENAMO E UNAMI -, com o apoio do presidente da Tanzânia, Julius Nyerere. Recorde-se que este se tornara independente em Dezembro do ano interior.
Como anteriormente referido, o 1.º Congresso desta organização, que decorreu entre 23 e 28 de Setembro de 1962, em Dar-es-Salam, elegeu Eduardo Mondlane para presidente, tendo, como vice, Uria Simango, e vários secretários, sendo Marcelino dos Santos o encarregado da área dos Negócios Estrangeiros. Este elemento já andava nestas movimentações “anti-coloniais” desde os anos 50 e fora eleito para secretário da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), em Abril de 1961, em Casablanca. Viria a ser um elemento preponderante na ligação da Frelimo aos soviéticos.
Neste 1.º Congresso, o inimigo foi definido como “o sistema colonial-fascista” e o objectivo estratégico: “pôr fim à exploração do homem pelo homem, pela liquidação das relações capitalistas e imperialistas no país”. Esta terminologia, de tipo marxista, terá “assustado” os seus “amigos” americanos que, a partir de 1965, não quiseram continuar a apoiar a Frelimo. No entanto, organizações civis dos EUA terão mantido o apoio que vinham dando ao Instituto de Moçambique, dirigido por sua mulher, Drª Janet Era, em Dar-es-Salam.
A constituição da Frelimo apenas terá sido possível pela capacidade política de Mondlane, pelo grande impulso dado por Nyerere, pelo apoio dos EUA, através da Fundação Ford e por ter ocorrido, em 1960l, um incidente em Mueda.» (pp. 79/80)

«No entanto, nos meses de Junho/Julho de 1973 acabariam por se desencadear processos imparáveis de contestação ao regime: nova denúncia de massacres, em 10 de Julho, em Londres, no tão propalado caso Wiriyamu, que levaria à substituição (já prevista do antecedente), e, 31-7-1973, do General Kaúlza de Arriaga pelo General Basto Machado; publicação em 13 de Julho do Decreto-Lei 353/73, que conduziu à contestação designada por “Movimento dos Capitães”; e alteração do posicionamento de Jorge Jardim em relação ao regime e aos “atritos entre as Forças Armadas e a Igreja Católica”, esclarecendo Marcello Caetano em Lisboa, do efectivamente sucedido em Wiriyamu, perante o “espanto” do CEMGFA, General Costa Gomes. É que Jorge Jardim já iniciara em, 24-6-1973, os contactos secretos com a Zâmbia, para as negociações com a Frelimo que, apesar de tentadas, nunca se viriam a concretizar, depois do 25 de Abril (pouco tempo antes desta data, Marcello Caetano não concordaria com o designado “Programa de Lusaka”, de Jardim, com a “bênção de Kenneth Kaunda, da Zâmbia e de Hastings Banda, do Malawi).» (p. 138)
«De facto, Jorge Jardim era o único com capacidade de intervenção na região que, em 1973, já tinha um programa credível para, com o apoio da Zâmbia e do Malawi, levar por diante uma situação de compromisso entre Lisboa e a Frelimo, com a finalidade de acautelar os interesses das minorias brancas. Como já é do conhecimento público, nos primeiros meses de 1974 (já com o timing ultrapassado – depois do Verão de 1973 seria difícil fazer vingar tal projecto), não teria o acordo de Marcello Caetano.» (pp. 217/218)
«Depois dos contactos preliminares de Jaime Pombeiro Sousa e de Tiny Rowland (um inglês da Lonhro/petróleos), Jorge Jardim encontrou-se em Paris (24.6.1973) com Amok Phiri, Alto Comissário da Zâmbia, onde terá referido que “concordava com a independência de Moçambique, visto ser a única solução política”. Estava aberta a porta para Kaunda, que o recebeu em Lusaka em 23-7-1973.
O “Programa de Lusaka” nasceu após alguns dias de reuniões. Do ponto de vista zambiano, Portugal deveria deixar de se envolver com a África do Sul e a Rodésia, tal como não acusar a Zâmbia e a Tanzânia de serem estados comunistas e a Frelimo de ser um bando de “desordeiros e comunistas”. Em contrapartida, aquele país favoreceria a criação de uma comunidade lusíada, incluindo os países de África e o Brasil, na qual Portugal adquiriria uma posição dominante.
Jorge Jardim apresentaria a Marcello Caetano, em 10 de Agosto de 1973, uma versão dos contactos, omitindo a intenção da independência, tal como o fez em Moçambique ao Governador Pimentel dos Santos. Também o referiu ao General Kaúlza de Arriaga, de malas aviadas para Lisboa, e ao militar que, com ele trabalhava nos SEII –Major Arnaut Pombeiro. (p. 219)

«Jorge Jardim foi “apanhado” pelo 25 de Abril em Lisboa, imediatamente depois de ver chumbado, por Marcello Caetano, o seu “Programa de Lusaka”.
E apesar de ter montado uma base de apoio na Beira, em termos de opinião pública, viria a ter logo as primeiras desilusões depois da passagem de Costa Gomes pela cidade. Em 3 de Maio de 1974, no Notícias da Beira, tinha “declarado o seu apoio ao Programa do MFA, apelando à unidade de todos os sectores de Moçambique”.
Tentou fazer pontes com membros da JSN, seus conhecidos (Rosa Coutinho, Diogo Neto e Galvão de Melo), e foi recebido pelo recém-nomeado Presidente da República, António de Spínola, na companhia do previsto Governador-Geral de Moçambique, General Silvino Silvério Marques, em 4 de Maio.
Entretanto, na Beira, em 12 desse mês, Costa Gomes, na sua visita ao território, viria a ser afrontado pelos brancos residentes, que reclamavam “treino no manejo de armas para se defenderam da Frelimo e que lhe chamaram traidor”, quando apareceu aos manifestantes. Chegou a dar ordem para os militares intervirem, mas o General Diogo Neto conseguiu sossegar aquela massa popular exaltada, de megafone em punho. Nessa altura, Jorge Jardim (a partir de Lisboa) resolveu apelar à calma, através das rádios de Lourenço Marques e da Beira.
Se as relações de Jardim com Costa Gomes já não seriam boas aquando da sua passagem por Moçambique nos anos 60, a partir desse episódio o recém-nomeado iria neutralizar e isolar Jorge Jardim em Lisboa, por o considerar um político demasiado poderoso naquele território e um potencial líder numa independência unilateral, tipo rodesiano. Esta era também a opinião dos “Democratas de Moçambique”, grupo a que pertencia Almeida Santos e Adrião Rodrigues, e que já mantinha relações preferenciais com a Frelimo.
Costuma dizer-se que a “vida é feita de encontros e desencontros”. E apesar do “Programa de Lusaka”, feito à revelia de Marcello Caetano, então desconhecido de Costa Gomes e dos “democratas”, Jorge Jardim, que pretendia regressar a África, em meados de Maio, acabaria por ficar retido na embaixada do Malawi, em Lisboa, para não ser preso, devido a mandado de captura emitido por Costa Gomes ou, no mínimo, por sua proposta.»(p. 225/226)

«A nível militar, as estruturas iam sendo controladas e manipuladas pelo “núcleo duro” do MFA local, composto pelos Majores Mário Tomé e Silva Barbosa e pelos Capitães Aniceto Afonso, Lopes Camilo e Cuco Rosa.»
A comissão local do MFA já conseguira a publicação da sua nomeação oficial, na Ordem de Serviço n.º 14 de 24-5-1974, do Comando-Chefe de Moçambique (Despacho do General, dois dias antes), “cabendo-lhe a responsabilidade de apresentar directamente ao Comandante-Chefe as medidas que dinamizem a execução do programa do MFA e de manter a ligação com o MFA da Metrópole e com a Comissão de Coordenação Política junto do Governo de Moçambique.”
Assim, ao grupo de Mário Tomé e Aniceto Afonso foram acrescentados elementos da Marinha (Capitão-Tenente Pereira da Cruz) e da Força Aérea (Major Nuno Mira Vaz) e o Ten-Coronel Nuno Lousada, enquanto ficaram aguardando a nomeação do novo Governador (concretizada apenas em 11-6-1974) para lhe impor tal comissão “controladora”, o que viria a suceder em 26 de Junho.
Entretanto, a manipulação junto das tropas já tinha conseguido que, em 3-6-1974, 107 militares assinassem uma exposição, onde afirmavam, “pelo conhecimento concreto da realidade, ser a Frelimo o único e indiscutível representante do Povo de Moçambique” e pugnavam pelo imediato reconhecimento do direito à independência do Povo Moçambicano e pelo fim da guerra.
António de Spínola descreve algumas acções de insubordinação ocorridas em unidades militares e adianta que “se acelerou o processo de degradação das Forças Armadas em Moçambique”, depois da visita de uma delegação do MFA/Lisboa constituída por Franco Charais, Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço. Acrescenta ainda que o Comandante da Força Aérea, General Rangel de Lima, “em perfeita sintonia com a esquerda revolucionária, decidiu arbitrariamente suspender o apoio táctico às forças terrestres, num primeiro passo para a sua total paralisação”. (pp.222/223)

«Assim este militar (Melo Antunes) acabaria por ter a sua actuação facilitada mercê da neutralização de Jorge Jardim (21 de Maio a 13 de Junho), em Lisboa, por Costa Gomes e António Spínola, e mais tarde (Julho), quando Jardim não quis avançar de imediato ao encontro de Julius Nyerere e Samora Machel, na Tanzânia, como lhe foi proposto por Kenneth Kaunda, da Zâmbia. Segundo Pombeiro de Sousa, o Presidente da Zâmbia terá dito: “Vocês devem ir à Tanzânia falar com Samora Machel, pois ele quer conversar convosco”. Jardim terá respondido: “Sabe, eu tenho que ir, em primeiro lugar, falar com umas pessoas de Lourenço Marques…”. Com esta atitude, acabou por perder o último comboio possível…»(p. 234)

«Apesar de ser uma opinião um tanto redutora e de pessoa desconhecedora da realidade africana local, transcreve-se parcialmente um artigo de António José Saraiva, - um historiador e personagem com bastante prestígio na oposição ao regime salazarista – sobre o sucedido em África, intitulado O 25 de Abril e a História publicado no Diário de Notícias de 26-1-1979:
“(…) Quanto à descolonização, havia trunfos para a realizar em boa ordem e com vantagem para ambas as partes: o Exército Português não fora batido em campo de batalha, não havia ódio generalizado das populações contra os colonos; os chefes dos movimentos de guerrilha eram em grande parte homens de cultura portuguesa; havia uma doutrina, a exposta no livro Portugal e o Futuro, do General Spínola, que tivera a aceitação nacional, e poderia servir de ponto de partida para uma base maleável de negociações. As possibilidades eram ou um acordo entre as duas partes, ou, no caso de este não se concretizar, uma retirada em boa ordem, isto é, escalonada, ordenada e honrosa.
Todavia, o acordo não se realizou, e a retirada não houve, mas sim uma debandada em pânico, um salve-se-quem-puder. Os militares portugueses, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer-Quibir.» (p. 236)

«A terminar recordam-se as palavras de Melo Antunes, à RTP, pouco tempo antes de falecer (Julho de 1999):
“(…) Muitos responsáveis políticos portugueses têm dito que a descolonização foi a que era possível. Acho que não é assim.
Considero que a descolonização foi uma tragédia. Foi uma tragédia a maneira como a descolonização acabou por se realizar. Tal como a colonização o foi. Os dois aspectos estão ligados.
Não assumo a responsabilidade do que hoje lá se vive. Isso tem a ver com os movimentos e os seus líderes.
Assumo a responsabilidade das negociações para a descolonização não terem sido conduzidas de modo a evitar situações, que acabaram por “descambar" naquilo que hoje existe nos ex-territórios portugueses africanos (..).»
«De facto, como afirmou Manuel Monge, a descolonização “foi feita na defesa dos interesses políticos e estratégicos da União Soviética, dos seus aliados e dos seus movimentos no terreno. Foi contra os interesses permanentes de Portugal, dos portugueses residentes em territórios sob a nossa administração e contra os interesses das suas populações”.»(p. 276)

«Prova-o a inequívoca intervenção das forças internacionais no pseudo-revolucionário processo de Abril, desencadeado com o objectivo de nos impor o vergonhoso abandono dos territórios africanos, onde, além de termos causado o caos e a destruição, fomos co-responsáveis pela morte de milhares de pessoas.
E ainda há quem despudoradamente afirme que a revolução de Abril foi uma revolução sem sangue.» (p. 334)

Coronel Pára-quedista Sigfredo Costa Campos

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